Blog dum gajo do Porto acerca de gaijas, actualidade política e sem futebol. Aqui o marmelo não gosta de futebol

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Relendo o Crime do padre Amaro

- Ai! disse o Libaninho para os lados apertando as mãos na cabeça. Ai, o pecado que vai pelo mundo! Até se me estão a eriçar os cabelos!
Mas a freguesia de Santa Catarina era a pior! As mulheres casadas tinham perdido todo o escrúpulo.
- Piores que cabras, dizia o padre Natário alargando a fivela do colete.
E o padre Brito falou dum caso na freguesia de Amor: raparigas de dezesseis e dezoito anos que costumavam reunir-se num palheiro - o palheiro do Silvério - e passavam lá a noite com um bando de marmanjos!
Então o padre Natário, que já tinha os olhos luzidios, a língua solta, disse repoltreando-se na cadeira e espaçando as palavras:
- Eu não sei o que se passa lá na tua freguesia, Brito; mas se há alguma coisa, o exemplo vem de alto... A mim têm-me dito que tu e a mulher do regedor...
- É mentira! exclamou o Brito, fazendo-se todo escarlate.
- Oh, Brito! oh, Brito! disseram em redor, repreendendo-o com bondade.
- É mentira! berrou ele.
- E aqui para nós, meus ricos, disse o cônego Dias baixando a voz, com o olhinho aceso numa malícia confidencial, sempre lhes digo que é uma mulher de mão-cheia!
- É mentira! clamou o Brito. E falando de um jato: - Quem anda a espalhar isso é o morgado da Cumiada, porque o regedor não votou com ele na eleição... Mas tão certo como eu estar aqui, quebro-lhe os ossos! - Tinha os olhos injetados, brandia o punho: - Quebro-lhe os ossos!
- O caso não é para tanto, homem, considerou Natário.
- Quebro-lhe os ossos! Não lhe deixo um inteiro!
- Ai, sossega, leãozinho! disse o Libaninho com ternura. Não te percas, filhinho!
Mas recordando a influência do morgado da Cumiada, que era então oposição e que levava duzentos votos à uma, os padres falaram de eleições e dos seus episódios. Todos ali, a não ser o padre Amaro, sabiam, como disse Natário, "cozinhar um deputadozinho". Vieram anedotas; cada um celebrou as suas façanhas.
O padre Natário na última eleição tinha arranjado oitenta votos!
- Cáspite! disseram.
- Imaginem vocês como? Com um milagre!
- Com um milagre? repetiram espantados.
- Sim, senhores.
Tinha-se entendido com um missionário, e na véspera da eleição receberam-se na freguesia cartas vindas do Céu e assinadas pela Virgem Maria, pedindo, com promessas de salvação e ameaças do Inferno, votos para o candidato do governo. De chupeta, hem?
- De mão-cheia! disseram todos.
Só Amaro parecia surpreendido.
- Homem! disse o abade com ingenuidade, disso é que eu cá precisava. Eu então tenho de andar aí a estafar-me de porta em porta. - E sorrindo bondosamente: - Com o que se faz ainda alguma coisita é com o relaxe da côngrua!
- E com a confissão, disse o padre Natário. A coisa então vai pelas mulheres, mas vai segura! Da confissão tira-se grande partido.
O padre Amaro, que estivera calado, disse gravemente:
- Mas enfim a confissão é um ato muito sério, e servir, assim para eleições...
O padre Natário, que tinha duas rosetas escarlates na face e gestos excitados, soltou uma palavra imprudente:
- Pois o senhor toma a confissão a sério?
Houve uma grande surpresa.
- Se tomo a confissão a sério? gritou o padre Amaro recuando a cadeira, com os olhos arregalados.
- Ora essa! exclamaram. Oh, Natário! Oh, menino!
O padre Natário exaltado queria explicar, atenuar:
- Escutem, criaturas de Deus! Eu não quero dizer que a confissão seja uma brincadeira! Irra! Eu não sou pedreiro-livre! O que eu quero dizer é que um meio de persuasão, de saber o que se passa, de dirigir o rebanho para aqui ou para ali... E quando é para o serviço de Deus, é uma arma. Aí está o que é - a absolvição é uma arma!
- Uma arma! exclamaram.
Carlos ia formar-se em Medicina. E como dizia o Dr. Trigueiros houvera sempre naquele menino realmente uma «vocação para Esculápio».
A «vocação» revelara-se bruscamente um dia que ele descobriu no sótão, entre rimas de velhos alfarrábios, um rolo manchado e antiquado de estampas anatómicas; tinha passado dias a recorta-las, pregando pelas paredes do quarto fígados, liaças de intestinos, cabeças de perfil «com o recheio à mostra». Uma noite mesmo rompera pela sala em triunfo, a mostrar ás Silveiras, ao Euzébio, a pavorosa litografia de um feto de seis meses no útero materno. D. Ana recuou, com um grito, colando o leque à face: e o Dr. delegado, escarlate também, arrebatou prudentemente Euzebiosinho para entre os joelhos, tapou-lhe a face com a mão. Mas o que escandalizou mais as senhoras foi a indulgência de Afonso.
- Então que tem, então que tem? dizia ele sorrindo.
- Que tem, Sr. Afonso da Maia!? exclamou D. Ana. São indecências!
- Não há nada indecente na natureza, minha rica senhora. Indecente é a ignorância... Deixar lá o rapaz. Tem curiosidade de saber como é esta pobre máquina por dentro, não há nada mais louvável...
D. Ana abanava-se, sufocada. Consentir tais horrores nas mãos da criança!... Carlos começou a aparecer-lhe como um libertino «que já sabia coisas»; e não consentiu mais que a Terezinha brincasse só com ele pelos corredores de Santa Olavia.
As pessoas sérias porém, o Dr. juiz de direito, o próprio abade, lamentando, sim, que não houvesse mais recato, concordavam que aquilo mostrava no pequeno uma grande queda para a medicina.

Eça de Queirós

Os Maias
Himeneu

Na cama, onde a aurora deixa
Seu mais suave palor
Dorme ninando uma gueixa
A dona do meu amor.

De pijama aberto, flui
Um seio redondo e escuro
Que como, lasso, possui
O segredo de ser puro.

E de uma colcha, uma coxa
Morena, na sombra frouxa
Irrompe, em repouso morno

Enquanto eu, desperto, a vê-la
Mesmo sendo o homem dela
Me morro de dor-de-corno

Vinicius de Moraes



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Poema dos olhos da amada

Ó minha amada
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus...

Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus...

...

Vinicius de Moraes



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Voyeurismo

Te......olho
me molho

HILDA HILST


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E por que haverias de querer minha alma

Na tua cama?


Hilda Hilst



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Em todas as ruas te encontro

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco

Mário Cesariny Posted by Picasa

Pessoa e Salazar

ANTÓNIO DE OLIVEIRA SALAZAR

António de Oliveira Salazar.
Três nomes em sequência regular…
António é António.
Oliveira é uma árvore.
Salazar é só apelido.
Até aí está bem.
O que não faz sentido
É o sentido que tudo isto tem.

Este senhor Salazar
É feito de sal e azar.
Se um dia chove,
A água dissolve
O sal,
E sob o céu azul
Fico só azar, é natural.
Oh, c'os diabos!
Parece que já choveu…

Coitadinho
Do tiraninho!
Não bebe vinho.
Nem sequer sozinho…

Bebe a verdade
E a liberdade.
E com tal agrado
Que já começam
A escassear no mercado.

Coitadinho
Do tiraninho!
O meu vizinho
Está na Guiné
E o meu padrinho
No Limoeiro
Aqui ao pé.
Mas ninguém sabe porquê.

Mas enfim é
Certo e certeiro
Que isto consola
E nos dá fé.
Que o coitadinho
Do tiraninho
Não bebe vinho,
Nem até,
Café.

Publicado In Diário Popular, 30 de Maio e 6 de Junho de 1974.
Publicado por Jorge de Sena.
(Citado por António Quadros. Poesia III, p.148).

Revistas eróticas. Anos 50 e 60

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segunda-feira, 27 de novembro de 2006

O O´Neil vai dizer:

..- que pensas tu… ? / -Que és o esticalarica que se vê.

O bom Deus irá achar imensa piada, pedir para repetir as poesias e que vai ter uma boa noite.

Quando terminar de se rir vai dizer:

Até amanhã se Eu quiser.

E vão rir-se todos da blaguee o Cesariny vai dizer :

-Tu não existes!

O O´Neill também

-Tu de facto não existes, acrescia O´Neill.

E vão os três a rirem-se imenso.

E antes de dormirem vão tomar um último copo. O Ary dos Santos aproxima-se.

Cantam os três em coro:

- Vamos dormir….vamos dormir…

- O Ary era um chato…

O Altíssimo toma a dianteira e diz:

-Cama meninos. Não se goza assim com as pessoas.

Palavra do Senhor. Graças a Deus.

E lá foram.
Requiem por Cesariny:

Musica de Mozart, como convêm.

Burgueses somos nós todos
ou ainda menos.
Burgueses somos nós todos
desde pequenos.

Adeus, Cesariny.

Um Deus, surrealista como convêm, Ele vai abrir-te a porta.

E vão rir-se imenso.

Os dois.

Coisas de surrealistas.
Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar


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Olá como vai?
Eu vou indo, e você tudo bem?
- Tudo bem, eu vou indo correndo pegar meu lugar no futuro e você?
Tudo bem eu vou indo em busca de um sono tranquilo, quem sabe?
- Quanto tempo
Pois é. Quanto tempo
- Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios
Ah! Nào tem de que, eu também só ando a cem
- Quando é que você telefona, precisamos nos ver por aí
Pra semana prometo, talvez no vejamos quem sabe?
- Quanto tempo
Pois é. Quanto tempo


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De manhã cedo já tá pintada
Só vive suspirando sonhando acordada
O pai leva ao doutor a filha adoentada
Não come nem estuda não dorme nem quer nada

Ela só quer só pensa em namorar
Ela só quer só pensa em namorar

Mas o doutor nem examina
Chamando o pai do lado
Lhe diz logo em surdina
Que o mal é da idade
E que pra tal menina
Não há um só remédio
Em toda medicina

Luís Gonzaga e Zé Dantas

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Eis o centro do corpo
o nosso centro
onde os dedos escorregam devagar
e logo tornam onde nesse
centro
os dedos esfregam - correm
e voltam sem cessar

Maria Teresa Horta

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Vinicius e baú....

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.


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Henri de Toulouse-Lautrec.

Era feio como o raio que o parta. Pequenino. Morreu sifilítico e alcoólico

Era no entanto um raio dum pintor….

Se fossemos, muito egoístas e nos pedissem para dar a felicidade ao Henri, sem a sua pintura e a pintura com a sua infelicidade?

O que escolhíamos?

Desculpa lá, Henri, venha a pintura…e fiquem as tuas pernas deformadas.

Coisas do Sousa…



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Não deixa de ser verdade....

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domingo, 26 de novembro de 2006

O desejo

Como azulejo.

Desejo

E, fico a desejar, e a cheirar e a desejar.

Desejo o azulejo e cheiro-me.

E, no entanto, continuo a desejar o azulejo.

Que é azul.

O azulejo.

E que desejo.

sábado, 25 de novembro de 2006

Quando foi que demorei os olhos
sobre os seios nascendo debaixo das blusas,
das raparigas que vinham, à tarde, brincar comigo?...
... Como nasci poeta,
devia ter sido muito antes que as mães se apercebessem disso
e fizessem mais largas as blusas para as suas meninas.
Quando, não sei ao certo.

Manuel da Fonseca

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Cuerpo de mujer, blancas colinas, muslos blancos,
te pareces al mundo en tu actitud de entrega.
Mi cuerpo de labriego salvaje te socava
y hace saltar el hijo del fondo de la tierra


Pablo Neruda


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Gozo IX

Ondula mansamente a tua língua
de saliva tirando
toda a roupa...

já breves vêm os dias
dentro de noites já
poucas.

Que resta do nosso
gozo
se parares de me beijar?

Oh meu amor...
devagar...
até que eu fique louca!

Depois... não vejas o mar
afogado em minha
boca!

Maria Tereza Horta

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Baú e Manuela Amaral

Teu corpo de agosto

Teu corpo é agosto

Tu cheiras a verão
por baixo das veias

Tu cheiras a quente

Tu cheiras à febre
do sangue maduro

Teu ventre de orgia
teu cheiro a sodoma
aroma-mulher

Teu corpo de agosto
tem cheiro a setembro




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Neguinha, neguinha,
vamos fundir a tua cor à minha?

E nós renasceremos arco-íris!

Kátia Drummond.


Em primavera portuguesa. Sintra 2005


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Duma revista dos anos sessenta.

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Três Marias, Três Marias
Se cuidem de bom cuidar
No amor e o juramento
Que a estrela D'alva chora
De nos sete acreditar
Que a estrela D'alva chora
De nos sete acreditar



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Baú e Chico Buarque

O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos
Viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo
Ri do meu umbigo
E me crava os dentes, ai


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