- Ai! disse o Libaninho para os lados apertando as mãos na cabeça. Ai, o pecado que vai pelo mundo! Até se me estão a eriçar os cabelos!
Mas a freguesia de Santa Catarina era a pior! As mulheres casadas tinham perdido todo o escrúpulo.
- Piores que cabras, dizia o padre Natário alargando a fivela do colete.
E o padre Brito falou dum caso na freguesia de Amor: raparigas de dezesseis e dezoito anos que costumavam reunir-se num palheiro - o palheiro do Silvério - e passavam lá a noite com um bando de marmanjos!
Então o padre Natário, que já tinha os olhos luzidios, a língua solta, disse repoltreando-se na cadeira e espaçando as palavras:
- Eu não sei o que se passa lá na tua freguesia, Brito; mas se há alguma coisa, o exemplo vem de alto... A mim têm-me dito que tu e a mulher do regedor...
- É mentira! exclamou o Brito, fazendo-se todo escarlate.
- Oh, Brito! oh, Brito! disseram em redor, repreendendo-o com bondade.
- É mentira! berrou ele.
- E aqui para nós, meus ricos, disse o cônego Dias baixando a voz, com o olhinho aceso numa malícia confidencial, sempre lhes digo que é uma mulher de mão-cheia!
- É mentira! clamou o Brito. E falando de um jato: - Quem anda a espalhar isso é o morgado da Cumiada, porque o regedor não votou com ele na eleição... Mas tão certo como eu estar aqui, quebro-lhe os ossos! - Tinha os olhos injetados, brandia o punho: - Quebro-lhe os ossos!
- O caso não é para tanto, homem, considerou Natário.
- Quebro-lhe os ossos! Não lhe deixo um inteiro!
- Ai, sossega, leãozinho! disse o Libaninho com ternura. Não te percas, filhinho!
Mas recordando a influência do morgado da Cumiada, que era então oposição e que levava duzentos votos à uma, os padres falaram de eleições e dos seus episódios. Todos ali, a não ser o padre Amaro, sabiam, como disse Natário, "cozinhar um deputadozinho". Vieram anedotas; cada um celebrou as suas façanhas.
O padre Natário na última eleição tinha arranjado oitenta votos!
- Cáspite! disseram.
- Imaginem vocês como? Com um milagre!
- Com um milagre? repetiram espantados.
- Sim, senhores.
Tinha-se entendido com um missionário, e na véspera da eleição receberam-se na freguesia cartas vindas do Céu e assinadas pela Virgem Maria, pedindo, com promessas de salvação e ameaças do Inferno, votos para o candidato do governo. De chupeta, hem?
- De mão-cheia! disseram todos.
Só Amaro parecia surpreendido.
- Homem! disse o abade com ingenuidade, disso é que eu cá precisava. Eu então tenho de andar aí a estafar-me de porta em porta. - E sorrindo bondosamente: - Com o que se faz ainda alguma coisita é com o relaxe da côngrua!
- E com a confissão, disse o padre Natário. A coisa então vai pelas mulheres, mas vai segura! Da confissão tira-se grande partido.
O padre Amaro, que estivera calado, disse gravemente:
- Mas enfim a confissão é um ato muito sério, e servir, assim para eleições...
O padre Natário, que tinha duas rosetas escarlates na face e gestos excitados, soltou uma palavra imprudente:
- Pois o senhor toma a confissão a sério?
Houve uma grande surpresa.
- Se tomo a confissão a sério? gritou o padre Amaro recuando a cadeira, com os olhos arregalados.
- Ora essa! exclamaram. Oh, Natário! Oh, menino!
O padre Natário exaltado queria explicar, atenuar:
- Escutem, criaturas de Deus! Eu não quero dizer que a confissão seja uma brincadeira! Irra! Eu não sou pedreiro-livre! O que eu quero dizer é que um meio de persuasão, de saber o que se passa, de dirigir o rebanho para aqui ou para ali... E quando é para o serviço de Deus, é uma arma. Aí está o que é - a absolvição é uma arma!
- Uma arma! exclamaram.
Blog dum gajo do Porto acerca de gaijas, actualidade política e sem futebol. Aqui o marmelo não gosta de futebol
quarta-feira, 29 de novembro de 2006
Carlos ia formar-se em Medicina. E como dizia o Dr. Trigueiros houvera sempre naquele menino realmente uma «vocação para Esculápio».
A «vocação» revelara-se bruscamente um dia que ele descobriu no sótão, entre rimas de velhos alfarrábios, um rolo manchado e antiquado de estampas anatómicas; tinha passado dias a recorta-las, pregando pelas paredes do quarto fígados, liaças de intestinos, cabeças de perfil «com o recheio à mostra». Uma noite mesmo rompera pela sala em triunfo, a mostrar ás Silveiras, ao Euzébio, a pavorosa litografia de um feto de seis meses no útero materno. D. Ana recuou, com um grito, colando o leque à face: e o Dr. delegado, escarlate também, arrebatou prudentemente Euzebiosinho para entre os joelhos, tapou-lhe a face com a mão. Mas o que escandalizou mais as senhoras foi a indulgência de Afonso.
- Então que tem, então que tem? dizia ele sorrindo.
- Que tem, Sr. Afonso da Maia!? exclamou D. Ana. São indecências!
- Não há nada indecente na natureza, minha rica senhora. Indecente é a ignorância... Deixar lá o rapaz. Tem curiosidade de saber como é esta pobre máquina por dentro, não há nada mais louvável...
D. Ana abanava-se, sufocada. Consentir tais horrores nas mãos da criança!... Carlos começou a aparecer-lhe como um libertino «que já sabia coisas»; e não consentiu mais que a Terezinha brincasse só com ele pelos corredores de Santa Olavia.
As pessoas sérias porém, o Dr. juiz de direito, o próprio abade, lamentando, sim, que não houvesse mais recato, concordavam que aquilo mostrava no pequeno uma grande queda para a medicina.
Eça de Queirós
Os Maias
A «vocação» revelara-se bruscamente um dia que ele descobriu no sótão, entre rimas de velhos alfarrábios, um rolo manchado e antiquado de estampas anatómicas; tinha passado dias a recorta-las, pregando pelas paredes do quarto fígados, liaças de intestinos, cabeças de perfil «com o recheio à mostra». Uma noite mesmo rompera pela sala em triunfo, a mostrar ás Silveiras, ao Euzébio, a pavorosa litografia de um feto de seis meses no útero materno. D. Ana recuou, com um grito, colando o leque à face: e o Dr. delegado, escarlate também, arrebatou prudentemente Euzebiosinho para entre os joelhos, tapou-lhe a face com a mão. Mas o que escandalizou mais as senhoras foi a indulgência de Afonso.
- Então que tem, então que tem? dizia ele sorrindo.
- Que tem, Sr. Afonso da Maia!? exclamou D. Ana. São indecências!
- Não há nada indecente na natureza, minha rica senhora. Indecente é a ignorância... Deixar lá o rapaz. Tem curiosidade de saber como é esta pobre máquina por dentro, não há nada mais louvável...
D. Ana abanava-se, sufocada. Consentir tais horrores nas mãos da criança!... Carlos começou a aparecer-lhe como um libertino «que já sabia coisas»; e não consentiu mais que a Terezinha brincasse só com ele pelos corredores de Santa Olavia.
As pessoas sérias porém, o Dr. juiz de direito, o próprio abade, lamentando, sim, que não houvesse mais recato, concordavam que aquilo mostrava no pequeno uma grande queda para a medicina.
Eça de Queirós
Os Maias
Himeneu
Na cama, onde a aurora deixa
Seu mais suave palor
Dorme ninando uma gueixa
A dona do meu amor.
De pijama aberto, flui
Um seio redondo e escuro
Que como, lasso, possui
O segredo de ser puro.
E de uma colcha, uma coxa
Morena, na sombra frouxa
Irrompe, em repouso morno
Enquanto eu, desperto, a vê-la
Mesmo sendo o homem dela
Me morro de dor-de-corno
Vinicius de Moraes
Na cama, onde a aurora deixa
Seu mais suave palor
Dorme ninando uma gueixa
A dona do meu amor.
De pijama aberto, flui
Um seio redondo e escuro
Que como, lasso, possui
O segredo de ser puro.
E de uma colcha, uma coxa
Morena, na sombra frouxa
Irrompe, em repouso morno
Enquanto eu, desperto, a vê-la
Mesmo sendo o homem dela
Me morro de dor-de-corno
Vinicius de Moraes
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
Mário Cesariny
Pessoa e Salazar
ANTÓNIO DE OLIVEIRA SALAZAR
António de Oliveira Salazar.
Três nomes em sequência regular…
António é António.
Oliveira é uma árvore.
Salazar é só apelido.
Até aí está bem.
O que não faz sentido
É o sentido que tudo isto tem.
Este senhor Salazar
É feito de sal e azar.
Se um dia chove,
A água dissolve
O sal,
E sob o céu azul
Fico só azar, é natural.
Oh, c'os diabos!
Parece que já choveu…
Coitadinho
Do tiraninho!
Não bebe vinho.
Nem sequer sozinho…
Bebe a verdade
E a liberdade.
E com tal agrado
Que já começam
A escassear no mercado.
Coitadinho
Do tiraninho!
O meu vizinho
Está na Guiné
E o meu padrinho
No Limoeiro
Aqui ao pé.
Mas ninguém sabe porquê.
Mas enfim é
Certo e certeiro
Que isto consola
E nos dá fé.
Que o coitadinho
Do tiraninho
Não bebe vinho,
Nem até,
Café.
Publicado In Diário Popular, 30 de Maio e 6 de Junho de 1974.
Publicado por Jorge de Sena.
(Citado por António Quadros. Poesia III, p.148).
António de Oliveira Salazar.
Três nomes em sequência regular…
António é António.
Oliveira é uma árvore.
Salazar é só apelido.
Até aí está bem.
O que não faz sentido
É o sentido que tudo isto tem.
Este senhor Salazar
É feito de sal e azar.
Se um dia chove,
A água dissolve
O sal,
E sob o céu azul
Fico só azar, é natural.
Oh, c'os diabos!
Parece que já choveu…
Coitadinho
Do tiraninho!
Não bebe vinho.
Nem sequer sozinho…
Bebe a verdade
E a liberdade.
E com tal agrado
Que já começam
A escassear no mercado.
Coitadinho
Do tiraninho!
O meu vizinho
Está na Guiné
E o meu padrinho
No Limoeiro
Aqui ao pé.
Mas ninguém sabe porquê.
Mas enfim é
Certo e certeiro
Que isto consola
E nos dá fé.
Que o coitadinho
Do tiraninho
Não bebe vinho,
Nem até,
Café.
Publicado In Diário Popular, 30 de Maio e 6 de Junho de 1974.
Publicado por Jorge de Sena.
(Citado por António Quadros. Poesia III, p.148).
segunda-feira, 27 de novembro de 2006
O O´Neil vai dizer:
..- que pensas tu… ? / -Que és o esticalarica que se vê.
O bom Deus irá achar imensa piada, pedir para repetir as poesias e que vai ter uma boa noite.
Quando terminar de se rir vai dizer:
Até amanhã se Eu quiser.
E vão rir-se todos da blaguee o Cesariny vai dizer :
-Tu não existes!
O O´Neill também
-Tu de facto não existes, acrescia O´Neill.
E vão os três a rirem-se imenso.
E antes de dormirem vão tomar um último copo. O Ary dos Santos aproxima-se.
Cantam os três em coro:
- Vamos dormir….vamos dormir…
- O Ary era um chato…
O Altíssimo toma a dianteira e diz:
-Cama meninos. Não se goza assim com as pessoas.
Palavra do Senhor. Graças a Deus.
E lá foram.
..- que pensas tu… ? / -Que és o esticalarica que se vê.
O bom Deus irá achar imensa piada, pedir para repetir as poesias e que vai ter uma boa noite.
Quando terminar de se rir vai dizer:
Até amanhã se Eu quiser.
E vão rir-se todos da blaguee o Cesariny vai dizer :
-Tu não existes!
O O´Neill também
-Tu de facto não existes, acrescia O´Neill.
E vão os três a rirem-se imenso.
E antes de dormirem vão tomar um último copo. O Ary dos Santos aproxima-se.
Cantam os três em coro:
- Vamos dormir….vamos dormir…
- O Ary era um chato…
O Altíssimo toma a dianteira e diz:
-Cama meninos. Não se goza assim com as pessoas.
Palavra do Senhor. Graças a Deus.
E lá foram.
Olá como vai?
Eu vou indo, e você tudo bem?
- Tudo bem, eu vou indo correndo pegar meu lugar no futuro e você?
Tudo bem eu vou indo em busca de um sono tranquilo, quem sabe?
- Quanto tempo
Pois é. Quanto tempo
- Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios
Ah! Nào tem de que, eu também só ando a cem
- Quando é que você telefona, precisamos nos ver por aí
Pra semana prometo, talvez no vejamos quem sabe?
- Quanto tempo
Pois é. Quanto tempo
Eu vou indo, e você tudo bem?
- Tudo bem, eu vou indo correndo pegar meu lugar no futuro e você?
Tudo bem eu vou indo em busca de um sono tranquilo, quem sabe?
- Quanto tempo
Pois é. Quanto tempo
- Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios
Ah! Nào tem de que, eu também só ando a cem
- Quando é que você telefona, precisamos nos ver por aí
Pra semana prometo, talvez no vejamos quem sabe?
- Quanto tempo
Pois é. Quanto tempo
De manhã cedo já tá pintada
Só vive suspirando sonhando acordada
O pai leva ao doutor a filha adoentada
Não come nem estuda não dorme nem quer nada
Ela só quer só pensa em namorar
Ela só quer só pensa em namorar
Mas o doutor nem examina
Chamando o pai do lado
Lhe diz logo em surdina
Que o mal é da idade
E que pra tal menina
Não há um só remédio
Em toda medicina
Luís Gonzaga e Zé Dantas
Só vive suspirando sonhando acordada
O pai leva ao doutor a filha adoentada
Não come nem estuda não dorme nem quer nada
Ela só quer só pensa em namorar
Ela só quer só pensa em namorar
Mas o doutor nem examina
Chamando o pai do lado
Lhe diz logo em surdina
Que o mal é da idade
E que pra tal menina
Não há um só remédio
Em toda medicina
Luís Gonzaga e Zé Dantas
Vinicius e baú....
Henri de Toulouse-Lautrec.
Era feio como o raio que o parta. Pequenino. Morreu sifilítico e alcoólico
Era no entanto um raio dum pintor….
Se fossemos, muito egoístas e nos pedissem para dar a felicidade ao Henri, sem a sua pintura e a pintura com a sua infelicidade?
O que escolhíamos?
Desculpa lá, Henri, venha a pintura…e fiquem as tuas pernas deformadas.
Coisas do Sousa…
Era feio como o raio que o parta. Pequenino. Morreu sifilítico e alcoólico
Era no entanto um raio dum pintor….
Se fossemos, muito egoístas e nos pedissem para dar a felicidade ao Henri, sem a sua pintura e a pintura com a sua infelicidade?
O que escolhíamos?
Desculpa lá, Henri, venha a pintura…e fiquem as tuas pernas deformadas.
Coisas do Sousa…
domingo, 26 de novembro de 2006
sábado, 25 de novembro de 2006
Quando foi que demorei os olhos
sobre os seios nascendo debaixo das blusas,
das raparigas que vinham, à tarde, brincar comigo?...
... Como nasci poeta,
devia ter sido muito antes que as mães se apercebessem disso
e fizessem mais largas as blusas para as suas meninas.
Quando, não sei ao certo.
Manuel da Fonseca
sobre os seios nascendo debaixo das blusas,
das raparigas que vinham, à tarde, brincar comigo?...
... Como nasci poeta,
devia ter sido muito antes que as mães se apercebessem disso
e fizessem mais largas as blusas para as suas meninas.
Quando, não sei ao certo.
Manuel da Fonseca
Baú e Manuela Amaral
Baú e Chico Buarque
sexta-feira, 24 de novembro de 2006
terça-feira, 21 de novembro de 2006
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