sábado, 30 de setembro de 2017
sexta-feira, 29 de setembro de 2017
Fernando Pessoa
"Temos ouvido muitas historias tristes a respeito de creanças, mas nenhuma [tão] dolorosa [como a] que aconteceu ao grande philantropo inglez Neverwas, amigo dedicado dos pequeninos.
Passeava elle uma vez à noitinha n'uma estrada quando viu, ao pé d'uma arvore uma creança agachada, parecendo escondida ou querer esconder-se. Avançou para ella.
- Quem és tu? Perguntou. Como te chamas, pequenino?
- José, respondeu a creança que parecia atrapalhada.
- Tens pae, Josésinho?
- Não senhor.
- E mãe?
- Também não.
- Então com quem vives?
- Com uma tia minha.
O philantropo adivinhou a história; uma tia má.
- E a tua tia trata-te bem.
- Às vezes.
- Bate-te?
- Às vezes.
- Ah, fugiste-lhe?
- Não senhor.
- Então o que fazes, aqui?
- Estou cagando."
Texto de Fernando Pessoa. Descoberto graças ao livro do Ricardo Araújo Pereira
Título – A Doença, o Sofrimento e a Morte entram num bar – Uma espécie de manual de escrita humorística
Autor – Ricardo Araújo Pereira
Editora – Tinta da China
Data de edição – 2016
quinta-feira, 28 de setembro de 2017
Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente.
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.
Que pena que tenho dele! Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas coisas,
É o de quem olha para árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos...
Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros...