Blog dum gajo do Porto acerca de gaijas, actualidade política e sem futebol. Aqui o marmelo não gosta de futebol
sexta-feira, 29 de outubro de 2004
De que modo os príncipes devem cumprir a sua palavra
Todos sabem quão louvável é um príncipe ser fiel à sua palavra e proceder com integridade e não com astúcia; contudo, a experiência mostra que só nos nossos tempos fizeram grandes coisas aqueles príncipes que tiveram em pouca conta as promessas feitas e que, com astúcia, souberam transtornar as cabeças dos homens; e por fim superaram os que se fundaram na sua lealdade.
Deve saber-se que há dois modos de vencer um com as leis, outro com a força: o primeiro é próprio dos homens, o segundo dos animais; mas porque muitas vezes o primeiro não basta, convém recorrer ao segundo. Portanto é necessário a um príncipe que seja ao mesmo tempo homem e animal. Os antigos escritores ensinaram encobertamente isto mesmo aos príncipes, escrevendo que Aquiles e muitos outros príncipes antigos foram dados a educar a Quíron centauro para que os guardasse sob a sua disciplina. E ter por preceptor um ser, meio animal, meio homem, outra coisa não significa senão que um príncipe deve saber usar duma e doutra natureza e que uma sem a outra não é durável.
Achando-se, portanto, um príncipe na necessidade de saber proceder como animal, deve escolher a raposa e o leão, porque o leão não sabe defender-se dos laços, nem a raposa dos lobos. E preciso, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para espantar os lobos. Os que tomam simplesmente a parte de leão não entendem palavra. Não pode, nem deve, portanto, um homem prudente guardar a palavra dada, quando o seu cumprimento se volte contra ele e quando já não existem as causas que o fizeram prometer. Não seria bom este preceito se todos os homens fossem bons; mas como são maus e em igual caso eles não cumpririam contigo, tu também não deves cumprir com eles. Nem nunca faltaram a um príncipe razões para colorir a sua falta à palavra. Disto se poderiam dar infinitos exemplos modernos e mostrar quantas pazes, quantas promessas ficaram írritas e nulas pela falta de palavra dos príncipes; aquele que melhor soube proceder como a raposa, melhor se houve. Mas é necessário saber bem colorir esta natureza e ser grande simulador e dissimulador: os homens são tão simples e obedecem tanto às necessidades presentes que quem engana achará sempre quem se deixe enganar.
Não posso resistir a contar um exemplo dentre os recentes. Alexandre VI não fez outra coisa nem pensou noutra coisa que não fosse enganar os homens e sempre encontrou objecto para poder fazê-lo; nem nunca existiu homem que afirmasse com maior eficácia e assegurasse uma coisa com mais juramentos e que menos a observasse; contudo os enganos saíram-lhe sempre ad votum, porque conhecia bem a arte de enganar.
Por conseguinte, não é necessário que um príncipe possua todas as qualidades mencionadas, mas convém que aparente tê-las. Atrever-me-ei a dizer antes que, tê-las e observá-las sempre, é prejudicial e que aparentar tê-las é útil: como parecer piedoso, fiel, humano, íntegro, religioso, etc., mas ter sempre o ânimo preparado para, na altura que convenha, tu poderes e saberes fazer o contrário.
Deve ter-se presente que um príncipe, e sobretudo um príncipe novo, não pode observar todas aquelas coisas pelas quais os homens têm fama de bons, tendo mesmo necessidade, para manter o Estado, de proceder contra a fé, contra a caridade, contra a humanidade, contra a religião. E preciso mesmo que tenha o ânimo disposto a mudar segundo o que lhe mandem os ventos e as variações da fortuna e, como acima disse, não se separar do bem podendo fazê-lo, mas saber entrar no mal se for necessário.
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