Os sócios desta congregação, chamada “Palheiro”, eram pessoas respeitáveis, maiores de cinquenta anos, qualificadas na jerarquia eclesiástica, no comércio nobilitado e na magistratura, sendo o principal elemento do Palheiro negociantes aposentados, vindos do Brasil. A razão de chamar-se “Palheiro” àquela reunião não a sei. Conjecturalmente diziam alguns etimologistas que palheiro derivava de palha, querendo concluir que o pensamento de quem dera o nome à coisa fora significar o alimento natural dos sócios reunidos naquele ponto do edifício. Acho muito violenta e sobremaneira desatenciosa a hipótese. Os cavalheiros, ofendidos com tal interpretação, eram pessoas que tinham boas lembranças, propósitos salgados e instrução variada para enfeitar as desgraciosidades da maledicência. Estas qualidades intelectivas não se nutrem com palha, penso eu.
Conquanto não fosse extremamente agradável ouvir um sexagenário a discorrer em termos lúbricos acerca das suas libertinagens de rapaz, eu tenho mais que muito para mim que o sal ático dos eufemismos havia de encobrir a impudicícia da ideia.
O que havia de menos louvável nas sessões daqueles cavalheiros era a obrigação que reciprocamente se impunham de esmiuçarem os pormenores das desonras meio veladas para os contarem de modo que a difamação pudesse dali sair a desenrolar o sudário das chagas sociais à luz do sol. Quando os relatores não tinham que expender, era permitida a calúnia para gastar o tempo: quer-me parecer que este artigo dos estatutos do Palheiro não merece louvores. Homens a escorregarem à sepultura, uns entrajados com as severas vestes da religião de Cristo, outros com o peito honrado por cruzes e crachás, outros com numerosa posteridade de filhos e netos, não davam de si boa prova indo para ali afiar a linguagem do impudor, decretar a publicidade de desgraças, que não precisavam da infâmia pública para o serem, e inventar escândalos para aligeirar os tédios da noite.
O que tinham de mais humano aqueles sujeitos era comerem muito biscoito de Valongo e forragearem nos tabuleiros às mãos-cheias para levarem à família. Isto, que não parece bonito, era a coisa de mais sainete e folia que os velhinhos faziam na assembléia.
O tempo foi matando uns e espalhando os outros, de modo que o Palheiro, à falta de concorrentes dignos, ficou devoluto, à espera que a geração nova passe da torpeza militante para as pacíficas recordações de suas façanhas
no CORAÇÃO, CABEÇA E ESTÔMAGO do Camilo
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