Blog dum gajo do Porto acerca de gaijas, actualidade política e sem futebol. Aqui o marmelo não gosta de futebol

domingo, 31 de outubro de 2004

Instituições do Porto. Agora tem nova(s) sede(s)

Os sócios desta congregação, chamada “Palheiro”, eram pessoas respeitáveis, maiores de cinquenta anos, qualificadas na jerarquia eclesiástica, no comércio nobilitado e na magistratura, sendo o principal elemento do Palheiro negociantes aposentados, vindos do Brasil. A razão de chamar-se “Palheiro” àquela reunião não a sei. Conjecturalmente diziam alguns etimologistas que palheiro derivava de palha, querendo concluir que o pensamento de quem dera o nome à coisa fora significar o alimento natural dos sócios reunidos naquele ponto do edifício. Acho muito violenta e sobremaneira desatenciosa a hipótese. Os cavalheiros, ofendidos com tal interpretação, eram pessoas que tinham boas lembranças, propósitos salgados e instrução variada para enfeitar as desgraciosidades da maledicência. Estas qualidades intelectivas não se nutrem com palha, penso eu.

Conquanto não fosse extremamente agradável ouvir um sexagenário a discorrer em termos lúbricos acerca das suas libertinagens de rapaz, eu tenho mais que muito para mim que o sal ático dos eufemismos havia de encobrir a impudicícia da ideia.

O que havia de menos louvável nas sessões daqueles cavalheiros era a obrigação que reciprocamente se impunham de esmiuçarem os pormenores das desonras meio veladas para os contarem de modo que a difamação pudesse dali sair a desenrolar o sudário das chagas sociais à luz do sol. Quando os relatores não tinham que expender, era permitida a calúnia para gastar o tempo: quer-me parecer que este artigo dos estatutos do Palheiro não merece louvores. Homens a escorregarem à sepultura, uns entrajados com as severas vestes da religião de Cristo, outros com o peito honrado por cruzes e crachás, outros com numerosa posteridade de filhos e netos, não davam de si boa prova indo para ali afiar a linguagem do impudor, decretar a publicidade de desgraças, que não precisavam da infâmia pública para o serem, e inventar escândalos para aligeirar os tédios da noite.

O que tinham de mais humano aqueles sujeitos era comerem muito biscoito de Valongo e forragearem nos tabuleiros às mãos-cheias para levarem à família. Isto, que não parece bonito, era a coisa de mais sainete e folia que os velhinhos faziam na assembléia.

O tempo foi matando uns e espalhando os outros, de modo que o Palheiro, à falta de concorrentes dignos, ficou devoluto, à espera que a geração nova passe da torpeza militante para as pacíficas recordações de suas façanhas


no CORAÇÃO, CABEÇA E ESTÔMAGO do Camilo

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