Há ministérios que se gastam. E todavia, esses ministérios, como os outros, administram o tesouro com honestidade, fazem o expediente das secretarias com suficiente regularidade, mantêm no país uma ordem benéfica, não oprimem nem a imprensa nem a consciência, são respeitosos para com o Chefe de Estado, acompanham com dignidade, ao Alto de S. João, todos os defuntos ilustres, falam nas Câmaras com honrosa correcção, são na vida privada cidadãos estimáveis, e no entanto – ao fim de alguns meses desta rotina honesta, pacata e higiénica – gastam-se.
Gastam-se porquê? Compreende-se que um ministério que luta com dificuldades, que se coloca ao través da opinião pública, se gaste, como ao través de um frágil estacado que uma corrente hostil incessantemente bate. Compreende-se ainda que um governo criado especialmente para resolver certas questões sociais ou políticas, se torne desnecessário, desde que as tenha resolvido, e fique como o zângão que fecundou a abelha e é daí em diante um inútil.
Mas quando se não dá nenhuma destas hipóteses, quando os ministros não foram trazidos do seio da sua família para resolver questões sociais, – ou porque as não haja, ou porque seja um princípio tacitamente estabelecido deixá-las sem resolução – quando,.56 em lugar de se esforçarem contra a larga corrente da opinião, os ministros lhe bolam regaladamente no dorso, não compreendo como um ministério se possa gastar.
Um dia pedi respeitosamente ao Conde d'Abranhos a explicação da palavra e do fenómeno, e S. Exª, o que raras vezes sucedia, deu uma resposta vaga, tortuosa, reticente:
– É uma coisa que se sente no ar. É um não sei quê... Sente-se que a situação está gasta...
Não me permitiu o respeito que insistisse, mas, no fundo do meu entendimento, guardo um secreto terror por este fenómeno incompreensível!
O Conde d'Abranhos
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