Blog dum gajo do Porto acerca de gaijas, actualidade política e sem futebol. Aqui o marmelo não gosta de futebol

quinta-feira, 24 de março de 2005

Páscoa Feliz de José Rodrigues Miguéis. Um escritor um tanto esquecido.




Páscoa Feliz

José Rodrigues Miguéis

Sinto-me bem nesta cadeia. É um belo edifício claro, em pavilhões de dois andares, isolados no meio duma grande cerca arborizada, que um alto muro separa, julgo eu, de caminhos e terras cultivadas. Nenhum rumor chega de fora. Às vezes, vou até junto desse muro, que a hera muito densa envolve de põesia, e, numa sombra repousante e fresca, abandono-me a ouvir os pequenos murmúrios da terra e do ar - uma folha que tomba, um pássaro que tila, um insecto que zumbe, um gorgolejo de água - e assim levo muitas horas do meu dia, meditando e escrevendo, como os frades antigos, até que um toque de sineta me venha chamar para a comida ou para o recolher.
Tudo me parece raro, novo e extrãordinário. Só agora descubru o oculto sentido de muitas coisas - e mais pela emoção que me provocam do que pelos juízos que formulo. Assim, depois dos meus erros e crimes, pergunto a mim mesmo se será legítimo viver com tanta calma e despreocupação: um criminoso não deveria ter dores, ser torturado? A punição é apenas isto?
Sim, tenho há muito a impressão de que vivo num sonho. A vida corre com uma serenidade impressionante. Penso quanto, noutro tempo, eram felizes os homens a quem se concedia o direito de fugir, como eu fugi, afinal, à vida angustiosa do mundo. Quase me julgo feliz. E porque não?
A cadeia não é como eu supunha, nem o que se diz lá fora. Nada nos falta, tratam-nos bem, embora vivamos numa quase completa solidão. Isto a mim agrada-me, de resto: aborreço o convívio dos homens. Só na aparência os considero meus semelhantes. Aqui, sou apenas um número: o 28.
Vejo agora quanto a criminologia tem progredido no sentido da mais ampla liberdade: cada qual faz o que quer - ou não faz nada. Muitos presos passam os dias metidos na cama. O trabalho deixou de ser obrigatório. A regeneração do criminoso obtém-se agora, ao que parece, por uma forma espontânea, a que eu, se dão licença, chamaria a “psicoterapia da indulgência”.
Toda a casa é irrepreensivelmente asseada. O meu quarto é branco, limpo, tem um tecto alto e uma enorme janela sem grades, donde enxergo um vasto panorama de pinhais e terras de lavoura.
Não posso deixar de registar, no entanto, um facto muito estranho: às vezes, durante a noite (eu durmo pouco e tenho o sono leve), sobressalto-me ouvindo gritos, discussões, gemidos, um rumor de luta e de pancadas, e mesmo um estilhaçar de vidros... A primeira vez que tal aconteceu, cobri-me de suores e fiquei todo arrepiado. Receei que se aproveitassem da noite para nos aplicar um tratamento um pouco rude. Como tudo se calou, tornei a adormecer. O caso repetiu-se, e cheguei a julgar-me vítima de alguma ilusão. Porque gritavam? Intrigado, ergui-me várias vezes para escutar, mas acabei felizmente por me desinteressar do que se passa nesta grande casa de aspecto misterioso. São presos que se revoltam, ou que brigam, e a quem aplicam penas corporais? Não sei. Renuncio a sabê-lo. Ninguém me dá, nem eu peço, explicações. Nada me importa, os outros não existem para mim... Que façam como eu: calo-me, obedeço, vivo tranquilamente. De que serve a liberdade? Livre, o comem corre ao precipício.
Outro facto que de começo me indispôs: não me deixam ler os jornais, nem mesmo os antigos, onde poderia encontrar certos dados cuja falta me perturba.
Que terá dito de mim a grande imprensa?
Não tenho notícias do que vai pelo mundo. Não sei mesmo onde me encontro. Vivo como um cenobita.
Isto é bom.
O que desta gente me separa é o receio de ser diferente, um outro.
Oh, este horror de sentir a realidade fugir sob os meus próprios passos! Trabalhosamente, recomponho o “Eu”, que a presença dos outros dissipa e confunde.
Isto é claro e horrível... Muitas vezes, subitamente, parece que deixo de ser eu, e a própria ideia do meu crime se obscurece, o meu passado é outro, como se uma força poderosa me arrastasse para um novo plano da existência. Então, fujo e luto comigo, a sós, desesperado.
O isolamento e a calma da prisão permitem-me pensar melhor e ordenar tantas recordações. Embebido em mim mesmo, sinto arder, mais vivo, o meu poder de concepção, e ainda espero compor alguns volumes de análise introspectiva. Vou meter o Nietzsche num chinelo.
Penso às vezes com piedade na insensatez dos que lutam apaixonadamente pela vida livre; chego a rir do meu próprio passado, eu, que já me deixei arrastar pelo remorso e pela dor. Agora sinto-me perfeitamente sereno. Não imaginam o que isto representa para mim! Estou sentado a escrever; sinto um sopro de Primavera vir de fora, pela janela aberta, nos raios do sol, e ouço na cerca o ramalhar das árvores cobertas de verdura nova, que o vento acaricia brandamente. Vozes... Também um sentimento novo de alegria me agita o coração.
Toda a gente aqui tem, para mim, deferências impressionantes. Só alguns dos companheiros, pobres náufragos que passeiam como eu na cerca, parecem querer às vezes provocar-me. Que mal lhe fiz? Estranhos tipos a quem a clausura parece ter roubado o senso! Dizem coisas perfeitamente infantis e sem sentido; mas os guardas que nos vigiam levam-nos logo para longe de mim.
Não me admira que estejam loucos, se, como se julga, o isolamento produz graves afecções, mesmo em quem foi sempre equilibrado. Sim, a solidão é um privilégio de raros, o domínio dos fortes! Uns aproximam-se para me fazerem confidências absurdas ou monstruosas. Um declarou chamar-se Ivânov e ser domador de leões: é um pobre raquítico, que mal tem nas pernas. Outro jura-me ser o Imperador Guilherme, e estar aqui esperando que o Hindemburgo o venha buscar para tomar Paris de assalto. Provavelmente são as alcunhas que outrora lhes deram, e com as quais as suas imaginações sobreexcitadas compuseram lendas... Outros insultam-me ou segredam-me obscenidades, aventuras de amor que são de arrepiar, ocorridas aqui dentro, com mulheres misteriosas que ninguém sabe donde vêm nem para onde vão. E há os que me fazem gestos lascivos ou provocadores, de longe, por entre as árvores da cerca. Volto-lhes as costas, com indiferença. Nem já sequer me causam piedade. Porque os não metem numa enxovia?
Recebo poucas visitas e, coisa estranha, não reconheço algumas das pessoas que se dizem das minhas relações. Interrogam-me, invocam nomes, datas, olham-me com espanto e curiosidade. Com franqueza, irritam-me. Às vezes trato-as mal. A impressão que me fica é de tê- las conhecido, sim, mas numa vida anterior de que me não resta lembrança viva... Há certos enigmas contra os quais luto em vão.
São talvez pessoas que se interessam pelo meu “caso”: romancistas, quem sabe, ou psicólogos. Deixá-lo. Minha mulher também vem, às vezes na companhia de estranhos. Faz-me dó. Olha-me com tristeza e com receio, como se eu estivesse transtornado. Veste de escuro. Trabalha decerto para comer, e tem os olhos pisados. Agarra-se de repente a mim, a soluçar, e diz-me: “Lembra-te! Lembra-te!...”
Oh, meu Deus, estas cenas perturbam-me, e eu não posso, não posso mais! Sinto que perco o equilíbrio... Deixem-me só! Deixem-me só! Que queres tu que eu recorde? Porquê teimam todos que me lembre? Que me lembre - de quê? de quem?
Recebo-a, pois, sem nenhum entusiasmo. Imaginem que às vezes me vem surpreender num dia de inspiração ou de trabalho: procuro despachá-la o mais depressa que posso. As mulheres imaginam que nós devemos sacrificar os mais altos fins da existência às futilidades sentimentais, ou à recordação do que passou - do que deixou de ser.
Quero-me só com o meu presente. O passado não me importa. É bom adormecer com a certeza de que “amanhã” será uma coisa diferente. Porventura o eu de hoje continua o de ontem? O passado não existe, é uma ideia que alteramos a nosso gosto. Cada dia que nasce traz uma vida nova.
Entre nós tudo acabou. Tenho pena dela. Mas porque não se divorcia? As mulheres não compreendem certas coisas... Se encontrasse um marido honesto e dedicado, ainda podia ser feliz, e eu ficava contente. Como eu consigo já não ter ciúmes! E acreditem: estimo-a muito. Pobre Luísa!... É preciso ser puro. Mas ela não entende!
O director da cadeia é muito amável para mim. Não sei que lhe fiz. Tem comigo atenções que não posso esquecer. Anda sempre de bata muito branca. Interroga-me às vezes demoradamente, e já conseguiu reavivar-me a lembrança de certas coisas que eu julgava ter esquecido para sempre, talvez por serem tão banais. E fá-lo de tal modo que não me atrevo a resistir-lhe.
- Vês tu? - disse-me ontem de manhã, sentado na minha cama. - Já conseguiste recordar coisas bem sugestivas. Temos de continuar!
Prometi mostrar-lhe este manuscrito, logo que o tivesse acabado. (É a revisão do que levei ao tribunal.)
- Pois sim. Mas trabalha devagar. E escreve tudo - tudo!
- É impossível. Há coisas que eu não consigo esclarecer.
- Mas faze um esforço. Talvez eu possa ajudar-te. É para teu bem.
- Mas eu não quero sair daqui!
Acorda-me de noite, sem motivo aparente, para me fazer certas perguntas. Mostra-me retratos, conta-me incidentes que me parece ter já lido algures...
- Hás-de curar-te - diz. - Hei-de acabar por te restituir a memória completa de ti mesmo! - E de repente: - Quem era o Abílio?
Estremeço. O Abílio... Uma angústia indefinível:
- Espere! Espere! Eu lembro-me... Conheci um...
- Quem era? Onde vivia?
O Abílio... Eu sabia, eu sabia! Mas é impossível distinguir... Eu quero, mas há um muro que me separa não sei de quê... Uma angústia, como se dentro de mim um animal lutasse contra a minha vontade...
- Não posso! Não posso! Não quero...
Àquele simples nome, tudo se convulsiona em mim.
- Há um mês não conhecias este nome. Hoje conhece-lo?
- Conheço...
- Obrigado.
Obrigado - porquê? Que interesse tem ele nisso? Que lhe importa o que adormeceu cá dentro? Detesto que me façam perguntas.
Eu já sofri. Já fui um descontente, um revoltado, se quiserem. Hoje vivo serenamente. A serenidade é a maior virtude da inteligência. O que houve em mim foi um simples conflito dos meios e dos fins. Todo o meu drama se resume nisto. Não discutam se sou mau ou bom. Os actos são bons ou maus, não segundo a vontade, mas segundo os efeitos. E há fatalidades que nos impelem, através do mal, para um destino de beleza perfeita.
A ideia do mal faz-me pensar na Sociedade: estamos quites! Nada fez por mim, nada lhe devo, vivi à margem dela como um cardo à beira dum caminho. Também a não acuso. Não passa duma abstracção para que apela quem já nada espera de si mesmo... Não há senão indivíduos. (Verdadeiramente, só eu existo, eu e estes pensamentos.) E todos exigimos dela alguma coisa!
Mas porque hei-de eu pensar no mundo? É um hábito que fica. Detesto a vida activa! Os gestos que faço, os passos que dou, perturbam-me a vida interior, que é o meu prazer. Esquecimento, quietação! Doutro, não me olhe assim! Não me pergunte mais nada!... Tenho amor a esta casa onde adquiri a certeza definitiva de que existo, porque penso.
Nesta hora solene em que revejo, comovido, a minha biografia, para que hei-de mentir? Eu sou o “homem que obedeceu”.
Não me considerem pois um criminoso.


Miguéis, José Rodrigues, Páscoa Feliz, 5ª ed.,

Editorial Estampa, Lisboa 1981, pp. 19-27

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René Magritte. Attempting the Impossible. 1928. Oil on canvas.
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Filipe IV ( Filipe III de Portugal)


Diego Velázquez. Philip IV in Armour. c. 1628. Oil on canvas. Museo del Prado, Madrid
E é por estas e por outras que as Infantas são feias como c..... Posted by Hello

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Marinoff


Painted in the early eighties, Elaine Marinoff¹s Synergistic Series and Erotic Series are again on display. The timing couldn¹t be better: they are welcome additions--indeed, important contributions--to the post-conceptual revival of interest in bodiliness, painting, and aesthetics.
Indeed, each painting seems like a sensitive body in itself: built of layer upon layer of oil paint, each at once as delicate and flexible as tissue, the final result is a luminous image as smooth to the touch as skin, and as emotionally evocative. Marinoff has ingeniously translated the aesthetic immediacy of the body into the aesthetic immediacy of paint.
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quarta-feira, 23 de março de 2005

Álvaro de Campos e Jorge Martins




Pintura : Jorge Martins (1986) "Daisy".


Soneto Já Antigo

Olha, Daisy: quando eu morrer tu hás de
dizer aos meus amigos aí de Londres,
embora não o sintas, que tu escondes
a grande dor da minha morte. Irás de

Londres p'ra Iorque, onde nasceste (dizes...
que eu nada que tu digas acredito),
contar àquele pobre rapazito
que me deu tantas horas tão felizes,

Embora não o saibas, que morri...
mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,
nada se importará... Depois vai dar

a notícia a essa estranha Cecily
que acreditava que eu seria grande...
Raios partam a vida e quem lá ande!

Álvaro de Campos


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segunda-feira, 21 de março de 2005

Maria Teresa Horta




Na década de sessenta, Maria Teresa Horta publica os seguintes livros: Tatuagem, em «Poesia 61»; Cidadelas Submersas, 1961; Verão Coincidente, 1962; Amor Habitado, 1963; Candelabro, 1964; Jardim de Inverno, 1966; Cronista Não É Recado, 1967.

Na década de setenta, destacam-se, no campo da poesia, os seguintes títulos: Minha Senhora de Mim, 1971; Candelabro, 2ª edição, 1972; Educação Senti­mental, 1976; Poesia Completa 1 e II, 1983; Destino, 1997.

O seu livro de poemas mais recente foi publicado em 1999 e tem por título Só de Amor.
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Maria Teresa Horta e Jules Pascin


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centro do corpo


o nosso centro
onde os dedos escorregam devagar
e logo tornam onde nesse
centro
os dedos esfregam - correm
e voltam sem cessar
e então são os meus
já os teus dedos
e são meus dedos
já a tua boca
que vai sorvendo os lábios
dessa boca
que manipulo - conduzo
pensando em tua boca
Ardência funda
planta em movimento
que trepa e fende fundidas
já no tempo
calando o grito nos pulmões da tarde
E todo o corpo
é esse movimento
que trepa e fende fundidas
já no tempo
calando o grito nos pulmões da tarde
E todo o corpo
é esse movimento
em torno
em volta
no centro desses lábios
que a febre toma
engrossa
e vai cedendo a pouco e pouco
nos dedos e na palma

Poema : Maria Teresa Horta

Pintura : JULES PASCIN

JULES PASCIN 1885 - 1930

"He stands out in this drab, preoccupied, modern world of ours with such startling brilliance that at times it actually seems as though no one alive but he possesses real talent. He is naughty. He's quite scandalous. But he is also very, very, very great. I take off my hat to Jules Pascin, for as a critic of art I have an immense respect for his priceless qualities of expression, at the same time that I wrap my cloak about me, in my stern character as a defender of the virtues, and peer about to see that no one watches as I gloat over the pictures."

Henry McBride review of Pascin exhibition, New York Herald Tribune 1923


Nua, nua
toda tua
vê-me assim!
Diz-me lá,
queres-me já?
Vens pra mim?
Faz-me amor,
dá calor
à amada.
Já transpiras
e respiras
madrugada!
Dás-me tanto
que é espanto
que te dou.
Se te canto
teu encanto Posted by Hello

Poesia : Teresa Machado

Casablanca



You must remember this
A kiss is still a kiss,
A sigh is just a sigh
The fundamental things apply
As time goes by

And when two lovers woo
They still say, "I love you"
On that you can rely
No matter what the future brings
As time goes by

Moonlight and love songs
Never out of date
Hearts full of passion
Jealousy and hate
Woman needs man
And man must have his mate
That no one can deny

Well, it's still the same old story
A fight for love and glory
A case of do or die
The world will always welcome lovers
As time goes by
Posted by Hello

Ilsa: Play it once, Sam. For old times' sake.
Sam: [lying] I don't know what you mean, Miss Elsa.
Ilsa: Play it, Sam. Play "As Time Goes By."
Sam: [lying] Oh, I can't remember it, Miss Elsa. I'm a little rusty on it.
Ilsa: I'll hum it for you. Da-dy-da-dy-da-dum, da-dy-da-dee-da-dum...
[Sam begins playing]
Ilsa: Sing it, Sam.
Sam: [singing] You must remember this / A kiss is still a kiss / A sigh is just a sigh / The fundamental things apply / As time goes by. / And when two lovers woo, / They still say, "I love you" / On that you can rely / No matter what the future brings-...
Rick: [rushing up] Sam, I thought I told you never to play-...
[Sees Ilsa. Sam closes the piano and rolls it away]  Posted by Hello

Dedicado a quem sabe que é .....


Olhámo-nos um dia,
E cada um de nós sonhou que achara
O par que a alma e a cara lhe pedia.
- E cada um de nós sonhou que o achara...
E entre nós dois
Se deu, depois, o caso da maçã e da serpente,
... Se deu, e se dará continuamente:
Na palma da tua mão,
Me ofertaste, e eu mordi, o fruto do pecado.
- Meu nome é Adão...
E em que furor sagrado
Os nossos corpos nus e desejosos
Como serpentes brancas se enroscaram,
Tentando ser um só!
Ó beijos angustiados e raivosos
Que as nossas pobres bocas se atiraram
Sobre um leito de terra, cinza e pó!
Ó abraços que os braços apertaram,
Dedos que se misturaram!
Ó ânsia que sofreste, ó ânsia que sofri,
Sede que nada mata, ânsia sem fim!
- Tu de entrar em mim,
Eu de entrar em ti.
Assim toda te deste,
E assim todo me dei:
Sobre o teu longo corpo agonizante,
Meu inferno celeste,
Cem vezes morri, prostrado...
Cem vezes ressuscitei
Para uma dor mais vibrante
E um prazer mais torturado.
E enquanto as nossas bocas se esmagavam,
E as doces curvas do teu corpo se ajustavam
Às linhas fortes do meu,
Os nossos olhos muito perto, imensos,
No desespero desse abraço mudo,
Confessaram-se tudo!
... Enquanto nós pairávamos, suspensos
Entre a terra e o céu.
Assim as almas se entregaram,
Como os corpos se tinham entregado,
Assim duas metades se amoldaram
Ante as barbas, que tremeram,
Do velho Pai desprezado!
E assim Eva e Adão se conheceram:
Tu conheceste a força dos meus pulsos,
A miséria do meu ser,
Os recantos da minha humanidade,
A grandeza do meu amor cruel,
Os veios de oiro que o meu barro trouxe...
Eu, os teus nervos convulsos,
O teu poder,
A tua fragilidade
Os sinais da tua pele,
O gosto do teu sangue doce... Posted by Hello


José Régio
Truncado intencionalmente.

Imagem : The Embrace (Lovers II), 1917
By Egon Schiele

Livros a comprar




Edição da obra usada :

Medo (O)
ASSÍRIO E ALVIM 1ª Edição de 1997
Documenta Poética
Páginas: 639 Peso: 1124 gr. Formato: 16x24 cm
ISBN: 9723704552

As imagens foram retiradas da net. A edição impressa tem as fotos a preto e branco.
Há uma página sobre o Al Berto em : http://nescritas.nletras.com/albertomain/indiceobra/

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mais Al Berto


o amor aumenta com o amarelecimento do linho
maior quietude rodeia agora a casa lunar
soçobram do fundo dos espelhos submersos os instrumentos
de muitos e delicados trabalhos
repousam sobre a erva para sempre
só o desejo dalguma eternidade despertaria o terno arado
mas a vida tropeça nos húmidos orgãos da terra
as selvagens flores afligir-te-ão o olhar
por isso inventaremos o necessário ciclo do outono
a noite dilata a viagem
pressentimos a nervosa luta dos corpos contra a velhice
mas nada há a fazer
resta-nos descer com as raízes do castanheiro
até onde se ramificam as primeiras águas e se refaz o desejo
as bocas erguem-se
procuram um rápido beijo no éter da casa

de «Trabalhos do Olhar»,1976/82: Tentativas para um Regresso à Terra, 1980

A pintura é © Maria Silva, Papoulas II
Técnica: Óleo sobre Tela
Igualmente impresso a preto e branco na edição da Assírio e Alvim.

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mais Al Berto


daquelas cidades levantadas na memória
lembrava-se do sofreguidão dos gestos
e do vermelho ar em redor da boca descia
aos lugares secretos da casa onde se chora
pela primeira vez tudo recomeça a doer
um dia ao acordar daquele daquele regresso
perguntou a si mesmo:
que pergunta teria receio de fazer?
e quem lhe responderia? que silêncio do mundo
depois dele permaneceria?

de «O Livro dos Regressos», 1989

Pintura : © J. R. Costa, À Procura
Técnica: Acrílico sobre Tela
Também impresso a preto e branco na edição da Assírio e Alvim
 Posted by Hello

Al Berto,O Medo, Assírio e Alvim




a cor faz-se luz
dimana o esquemático desenho candura e
recolhida entre dois arcos está a virgem - ao fundo
a sala adivinha-se vazia - sob a abóbada
onde ínfimos astros cintilam veio o anjo
com seu esplendor de asas em ouro trazer
o doce recado:hás-de conceber e dar à luz um filho
que reinará eternamente sob a casa de jacob
angelico estremeceu com a inesperada revelação e
na cela retirado deu vida às celestiais criaturas
mas só ele e a andorinha ouviram o segredo
que deus mandara gabriel anunciar
de «A Secreta Vida Das Imagens», 1984/85


Pintura : Annunciation 1433-34; Tempera on wood; Museo diocesano, Cortona
Fra Angelico

Na edição impressa a imagem está a preto e branco. Foi erro colocá-la a cores ?
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sábado, 19 de março de 2005

Foi o Cesariny que escreveu....




O Álvaro gosta muito de levar no cu
O Alberto nem por isso
O Ricardo dá-lhe mais para ir
O Fernando emociona-se e não consegue acabar.

O Campos
Em podendo fazia-o mais de uma vez por dia
Ficavam-lhe os olhos brancos
E não falava, mordia. O Alberto
É mais por causa da fotografia
Das árvores altas nos montes perto
Quando passam rapazes
O que nem sempre sucedia.

O Fernando o seu maior desejo desde adulto
(Mas já na tenra idade lhe provia)
Era ver os hètèros a foder uns com os outros
Pela seguinte ordem e teoria:
O Ricardo no chão, debaixo de todos (era molengão
Em não se tratando de anacreônticas) introduzia-
-Se no Alberto até à base
E com algum incómodo o Alberto erguia
[...]



Mário Cesariny, O virgem negra


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Foi-se a ilusão dessa vida
a minha pica morreu

Glosa:

Eu na minha mocidade
as madrugadas varava
e toda noite eu transava
nos cabarés da cidade
hoje só resta a saudade
do garanhão que fui eu
minha força se perdeu
na pica mole, encolhida

FOI-SE A ILUSÃO DESSA VIDA
A MINHA PICA MORREU.
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e agora algo mesmo pimba. A essência e o próprio pimba.

Pimba pimba

Rapazes da vida airada
oiçam bem com atenção
todos temos o dever
de dar às nossas mulheres
muito carinho e afeição.

são as mais lindas do mundo
donas do nosso coração
se somos meigos p'ra elas
dão-nos tudo tudo tudo
com toda a dedicação.

e se elas querem um abraço ou um beijinho
nós pimba, nós pimba
e se elas querem muito amor muito carinho
nós pimba, nós pimba
e se elas querem um encosto à maneira
nós pimba, nós pimba
e se elas querem à noitinha brincadeira
nós pimba, nós pimba

elas são tudo p'ra nós
e não me digam que não
temos de lhes dar amor
nunca nunca as deixar sós
e consolar seu coração

quando estão apaixonadas
são-nos muito dedicadas
por isso rapaziada
convem que elas sintam
que por nós são muito amadas

Emanuel

Lucien Freud - Girl with White Dog
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comentários....

Depois de muitas reclamações vamos deixar os comentários por umas horas....

ele há dias assim !

Que noite, Serafim. Que noite memorável!
Vinte vezes me vim e tu sempre prestável,
sempre em cima de mim, o cu a dar a dar
e eu num gozo sem fim, com ganas de gritar.
Que noite, Serafim. Foi assim como um choque
sempre a correr por mim, a cona num bitoque,
a pedir mais chinfrim, gulosa do caralho -
fogoso berbequim em ardente trabalho.
Que noite, Serafim. Electrizante estado
de volúpia atingi até que te vieste
de cabelos em pé, ofegando ao meu lado
dizendo em confissão
com ar triste de fado -
a merda do colchão
estava mal isolado.

Fernando Correia Pina

Matisse Odalisca com magnólias


Retrato de mulher
Seu velado sorriso fertiliza
a paisagem estéril ao fundo
e seus olhos insinuantes
agitam meu oceano libídico.

A ausência de rosas, dálias,
papoulas, margaridas...
de flores
não afasta de você
a primavera,
mesmo após várias luas.

O retrato perde-se na moldura,
mas a mulher é o abismo de aromas,
corredor presente de vôos possíveis
onde debilmente macho
tateio meu futuro infantil.

Em suas fontes, matas,
montes e curvas de além-mar,
dedilho, navegante, a música de
toda minha existência.


Carlos J. Tavares Gomes



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Matisse Posted by Hello

Pintura de Lia Chechelashvili


Continuemos, nada nos faça parar
as divindades pagãs desçam conosco
e se realize a maior de todas as estórias
sempre e somente medidas pelos excessos.

Márcia Theóphilo

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A pintura é de Rossella Mocerino(1977) sem título


As costas, só as tuas costas, Carla
E um pouco de mim, muito pouco
Estas mãos, leves, as pontas
Dos dedos, fracos, sobre a pele lisa
Dos teus ombros aos sinais
Centeios do dorso, Carla, que
Hei-de fazer de ti que temo
O teu rosto?

Maria do Mar
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Artur Silva e Baltus


ESSA MOÇA
Essa moça tem carne transparente.
Seus cabelos são de aço,
Sua voz como trovão.

Essa moça tem trejeitos de uma fada.
É menina delicada,
E pessoa de ninguém.

Essa moça tem a aura reluzente.
Possui gestos magistrais
De doçura desigual.

Essa moça não tem dor, não quer carinho.
Não tem dó nem compaixão
Sabe do ardor do coração,
Mas não se entrega ao vilão.
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e porque hoje é sábado....

O DIA DA CRIAÇÃO

Macho e fêmea os criou.
Bíblia: Gênese, I, 27

I

Hoje é Sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz para nos salvar.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.

Impossível fugir a essa dura realidade!
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.

II

Neste momento há um casamento
Porque hoje é sábado.
Há um divórcio e um violamento
Porque hoje é sábado.
Há um homem rico que se mata
Porque hoje é sábado.
Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado.
Há um espetáculo de gala
Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado.
Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado.
Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado.
Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado.
Há um grande espírito-de-porco
Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado.
Há criancinhas que não comem
Porque hoje é sábado.
Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado.
Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado.
Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado.
Há uma tensão inusitada
Porque hoje é sábado.
Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado.
Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado.
Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado.
Há um noivo louco de ciúmes
Porque hoje é sábado.
Há um garden-party na cadeia
Porque hoje é sábado.
Há uma impassível lua cheia
Porque hoje é sábado.
Há damas de todas as classes
Porque hoje é sábado.
Umas difíceis, outras fáceis
Porque hoje é sábado.
Há um beber e um dar sem conta
Porque hoje é sábado.
Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado.
Há um padre passeando à paisana
Porque hoje é sábado.
Há um frenesi de dar banana
Porque hoje é sábado.
Há a sensação angustiante
Porque hoje é sábado.
De uma mulher dentro de um homem
Porque hoje é sábado.
Há a comemoração fantástica
Porque hoje é sábado.
Da primeira cirurgia plástica
Porque hoje é sábado.
E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado.
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado.

Vinícius de Moraes (1913-1980)

Baltus e Manuel Alegre


Coisa amar



Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.

Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.

Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te logamente como doi

desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.
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Baltus (pintura) e Maíra (poema)


Estou ao longe, sentindo a dor em meu peito
Penso em você, garota, de mim agora tão distante
Ai que saudade de sua presença gloriosa, da sua pele macia, da sua voz radiante!

Toda noite quando me deito, me lembro de seu cheiro
E abraço a mim mesma, não a tendo mais a meu lado
Sinto a falta de seus seios voluptuosos,
De suas curvas junto às minhas curvas.
Ah, garota, pecado do meu pecado,
Se soubesses o tanto que te amo
Se imaginasses o tanto que te espero!

Mancho suas fotos com lágrimas
E sinto a solidão tão perto como nunca esteve antes
Ah, menina, como sinto a tua falta!

Volta pra mim, me beija novamente
Quero sentir seus lábios em meu corpo
Sentir seus seios de volta a tocar os meus
Apalpar-lhe o corpo como no passado e matá-la de amor

Paixão, pecado de todos os tempos
Volta pra mim, me faça novamente mulher,
Coisa que só você sabe fazer em nossos pervertidos momentos
 Posted by Hello