Houve um silêncio. A Sr.ª Adélia terminara por descansar familiarmente numa cadeira, com a sua trouxasinha no regaço.
- Pois olhe, Sr. Ega, disse ela, depois de reflectir, creia então uma coisa, é que foi em sonhos. Já tem acontecido... Foi a senhora que sonhou alto com V. Ex.ª, disse tudo, o Sr. Cohen ouviu, ficou de pedra no sapato, espreitou-a, e descobriu a marosca... E eu sei que ela sonha alto.
Ega, diante da Sr.ª Adélia, percorria-a desde as flores do chapéu até à roda das saias, com os olhos faiscantes.
- Como é possível que ele ouvisse? Se eles tinham quartos separados!... Eu sei que tinham.
A Sr.ª Adélia baixou as pálpebras, acariciou com os dedos calçados de luvas pretas a sua trouxasinha redonda, e disse mais baixo estas palavras:
- Não tinham, não senhor. Nem a senhora consentia em tal arranjo... A senhora gosta muito do marido, e tem muitos ciúmes dele.Houve um silêncio embaraçado e desagradável. Sobre o toucador o resto da vela acabava, com uma luz lúgubre. E Ega, que afectara sorrir, encolher os ombros, dava pelo quarto passos lentos e murchos, triturando o bigode com a mão tremula
Eça, Os Maias
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