- Meu querido Ega, tu não podes mandar desafiar o Cohen.
O outro estacou de repelão, atirando pelos olhos dois relâmpagos de ira - a que as medonhas sobrancelhas de crepe, as duas penas de galo ondeando na gorra, davam uma ferocidade teatral e cómica.
- Não o posso mandar desafiar?
- Não.
- Então põe-me fora de casa...
- Estava no seu direito.
- No seu direito!... Diante de toda a gente?...
- E tu, não eras amante da mulher diante de toda a gente?...
O Ega ficou a olhar um momento para Carlos, como atordoado. Depois fez um grande gesto:
- Não se trata da mulher!... não se falou da mulher!... É uma questão de honra para mim, quero manda-lo desafiar, quero mata-lo...
Carlos encolheu os ombros.
- Tu não estás em ti. Tens só uma coisa a fazer; é ficar amanhã em casa, a ver se ele te manda desafiar a ti...
- O que, o Cohen! exclamou Ega. É um covarde, é um canalha!... Ou o mato, ou lhe rasgo a cara com um chicote. Desafiar-me! Olha quem... Tu estás doido...
E recomeçou o seu passear desabalado do espelho para a janela, soprando, rilhando os dentes, com repelões para traz ao manto que faziam oscilar, nas serpentinas, as chamas altas das velas.Carlos não dizia nada, de pé junto da mesa, enchendo lentamente de novo a sua chávena. Tudo aquilo começava a parecer-lhe pouco sério, pouco digno, as ameaças de pontapés do marido, os furores melodramáticos do Ega: - e mesmo não podia deixar de sorrir diante daquele Mefistófeles esgrouviado, espalhando pelo quarto o brilho escarlate do seu manto de veludo, e a falar furiosamente de honra e de morte, com sobrancelhas postiças, e escarcela de coiro à cinta
Os Maias
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