Blog dum gajo do Porto acerca de gaijas, actualidade política e sem futebol. Aqui o marmelo não gosta de futebol
quarta-feira, 1 de junho de 2005
O Sousita hoje deu-lhe para as traições
Os meus primeiros meses ricos, não o oculto, passei-os a amar a amar com o sincero bater de coração de um pajem inexperiente. Tinha-a visto, como numa página de novela, regando os seus craveiros à varanda: chamava-se Cândida; era pequenina, era loura; morava a Buenos Aires, numa casinha casta recoberta de trepadeiras; e lembrava-me, pela graça e pelo airoso da cinta, tudo o que a Arte tem criado de mais fino e frágil - Mimi, Virgínia, a Joaninha do Vale de Santarém. Todas as noites eu caía, em êxtases de místico, aos seus pés cor de jaspe. Todas as manhãs lhe alastrava o regaço de notas de vinte mil reis: ela repelia-as primeiro com um rubor, - depois, ao guardá-las na gaveta, chamava-me o seu anjo Totó. Um dia que eu me introduzira, a passos subtis, por sobre o espesso tapete sírio, até ao seu boudoir - ela estava escrevendo, muito enlevada, de dedinho no ar: ao ver-me, toda trémula, toda pálida, escondeu o papel que tinha o seu monograma. Eu arranquei-lho, num ciúme insensato. Era a carta, a carta costumada, a carta necessária, a carta que desde a velha Antiguidade a mulher sempre escreve; começava por «Meu idolatrado» - e era para um alferes da vizinhança.
EÇA DE QUEIRÓS O MANDARIM, 1880
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário