Blog dum gajo do Porto acerca de gaijas, actualidade política e sem futebol. Aqui o marmelo não gosta de futebol

terça-feira, 2 de maio de 2006

Há uma questão religiosa que realmente me transcende. É a questão da constante tentativa de submissão da sociedade não religiosa aos parâmetros da crença particular dum grupo.
As nossas religiões: Cristianismo, Judaísmo e Islamismo são reveladas. A Divindade, que desde o Velho Testamento anda arredada de contactos directos com humanos, revela-Se através de pessoas escolhidas : os profetas, Jesus, Maomé e os Apostólos.

Estes vertem em vulgar o pensamento Divino.

O ultimo encontro que me ocorre cara e cara e sem ambiguidade de mensagem está no Velho Testamento no êxodo:

Depois disse o Senhor a Moisés: Sobe a mim ao monte, e espera ali; e dar-te-ei tábuas de pedra, e a lei, e os [mandamentos] que tenho escrito, para lhos ensinares.

Ou seja Deus escreveu pelo próprio punho os Mandamentos e entregou-os pessoalmente a Moisés.

A coisa era simples e sem muita margem para interpretações:

ÊXODO [35]

1 Então Moisés convocou toda a congregação dos filhos de Israel, e disse-lhes: Estas são as palavras que o Senhor ordenou que cumprísseis.
2 Seis dias se trabalhará, mas o sétimo dia vos será santo, sábado de descanso solene ao Senhor; todo aquele que nele fizer qualquer trabalho será morto.
3 Não acendereis fogo em nenhuma das vossas moradas no dia do sábado.


E por aí fora preto no branco.

A partir dessa remota época as coisas complicam-se. As Divindades inspiram um mortal que vai vertendo em letra de forma a vontade e os ensinamentos da Divindade.

Claro que o vulgar mortal não consegue interpretar sem a ajuda textos como a parábola do trabalhador da undécima hora.

MATEUS [20]
1 Porque o reino dos céus é semelhante a um homem, proprietário, que saiu de madrugada a contratar trabalhadores para a sua vinha.
2 Ajustou com os trabalhadores o salário de um denário por dia, e mandou-os para a sua vinha.
3 Cerca da hora terceira saiu, e viu que estavam outros, ociosos, na praça,
4 e disse-lhes: Ide também vós para a vinha, e dar-vos-ei o que for justo. E eles foram.
5 Outra vez saiu, cerca da hora sexta e da nona, e fez o mesmo.
6 Igualmente, cerca da hora undécima, saiu e achou outros que lá estavam, e perguntou-lhes: Por que estais aqui ociosos o dia todo?
7 Responderam-lhe eles: Porque ninguém nos contratou. Disse-lhes ele: Ide também vós para a vinha.
8 Ao anoitecer, disse o senhor da vinha ao seu mordomo: Chama os trabalhadores, e paga-lhes o salário, começando pelos últimos até os primeiros.
9 Chegando, pois, os que tinham ido cerca da hora undécima, receberam um denário cada um.
10 Vindo, então, os primeiros, pensaram que haviam de receber mais; mas do mesmo modo receberam um denário cada um.
11 E ao recebê-lo, murmuravam contra o proprietário, dizendo:
12 Estes últimos trabalharam somente uma hora, e os igualastes a nós, que suportamos a fadiga do dia inteiro e o forte calor.
13 Mas ele, respondendo, disse a um deles: Amigo, não te faço injustiça; não ajustaste comigo um denário?
14 Toma o que é teu, e vai-te; eu quero dar a este último tanto como a ti.
15 Não me é lícito fazer o que quero do que é meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom?
16 Assim os últimos serão primeiros, e os primeiros serão últimos.


O pobre mortal tem dificuldade em interpretar estas partes mais obscuras e aí surgem as religiões organizadas.

Da interpretação dos textos bíblicos concluíram os Mormons que um homem pode ter até quatro mulheres, os católicos que apenas uma e sem direito a divórcio, os anglicanos apostam na mulher única mas com direito a divórcio. A doutrina Islâmica também se divide entre a monogamia e a poligamia.
Outras restrições que não só sexuais são também interpretadas de maneira diferente. Se um Muçulmano, dependendo da interpretação, pode ter mais que uma esposa o vinho e a carne de porco são-lhe vedadas sempre. Uma católica romana não pode ser padre ou bispo ao contrário de algumas confissões luteranas. O Rabi tem de ser obrigatoriamente casado enquanto o padre católico não pode casar nem ir casando.
É claríssimo para as testemunhas de Jeová que as transfusões de sangue estão proibidas pelo texto sagrado.
De tudo isto se podem concluir que havendo vários textos e com variadas interpretações dos mesmos só pode existir uma interpretação e uma revelação correcta. Todas as outras levarão, mesmo que seguidas ao mais ínfimo pormenor, invariavelmente ao inferno.

Assim como crentes duma dada fé temos de acreditar ser esta a correcta e torcer os dedos para que seja.

Conformamo-nos com a interpretação que é infalível do Papa para os Católicos, do Parlamento Inglês para os Anglicanos, os Ayatolas para os sunitas, salvo erro. Se não são Sunitas são Xiitas.

Fora do universo dos crentes duma dada religião, abandonada a hipótese de os converter, o comportamento que tem é mais ou menos irrelevante. Se a verdadeira revelação não é a católica romana pouco importa que o padre se abstenha ou não de comércio sexual com as suas paroquianas ou paroquianos, consoante os gostos de ambos, que acabará inevitavelmente no inferno de Alla, de Buda ou mesmo de alguma esquecida e ignorada religião africana a ser essa a verdadeira.

Se a verdadeira revelação e interpretação é a católica romana podem os muçulmanos comer todo os porcos, absterem-se ou não de sexo que o inferno católico espera-os inexoravelmente e, quem sabe, com requintes de crueldade por causa das cruzadas.

Assim faz pouco sentido que uma religião se pronuncie sobre o que os não crentes, logo condenados, fazem ou não fazem das suas pessoas e vidas.

Do ponto de vista católico romano é pouco importante que um não católico não cumpra as normas. Seria até de alguma caridade cristã explicar-lhe que já que não pode salvar a alma que trate pelo menos de se divertir, cuidando do corpo, que quanto a vida eterna estamos conversados. Não nos chateies é a nós e quanto a ti faz o que te aprouver.

O mesmo se poderia aplicar a qualquer religião.

No entanto na prática as religiões pretendem modelar o comportamento mesmo dos não crentes pelas suas normas. O mundo Islâmico fica indignado pelas caricaturas de Maomé e a Igreja católica tenta sempre opor-se ao divórcio, contracepção e casamentos do mesmo sexo na sociedade civil.

Que diferença lhes faz que um não crente veja as caricaturas de Maomé? Condenado já está, mais caricatura menos caricatura… O mesmo se aplica ao pensamento católico.

Que os crentes não façam transfusões, não levem no cu, sejam castos, não comam porco ou respeitem a sexta-feira como dia sagrado faz sentido. Estão a trabalhar para a salvação eterna, salvo claro se se enganaram na fé.

Agora para quê tentar impor estas regras aos não crentes?

Parece-me pura malvadez e inutilidade

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