Blog dum gajo do Porto acerca de gaijas, actualidade política e sem futebol. Aqui o marmelo não gosta de futebol

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

Mais Primo Basílio

Ao descer a Rua do Alecrim, Basilio viu o Visconde Reinaldo à
porta do Hotel Street. Mandou parar o Pintéus, e saltando do coupé:
— Sabes?
— O quê?
— Minha prima morreu.
O Visconde Reinaldo murmurou polidamente:
-- Coitada!...
E foram descendo a rua, de braço dado, até ao Aterro. O dia
estava glorioso: um friozinho sutil errava; no ar luminoso, leve,
trespassado de sol, as casas, os galhos das árvores, os mastros das
faluas, as mastreações dos navios tinham uma nitidez muito desenhada;
os sons sobressaíam com uma tonalidade cantada e alegre; o rio reluzia
como um metal azul; o vapor de Cacilhas ia soltando rolos de fumo que
tomavam a cor do leite; e ao fundo as colinas faziam na pulverização da
luz uma sombra azulada, onde as casarias caiadas rebrilhavam.
E os dois, passeando devagar, iam falando de Luisa.
O Visconde Reinaldo, delicado, lamentava a pobre senhora,
coitada, que se tinha deixado morrer por um tempo tão lindo! — Mas em
resumo, sempre achara aquela ligação absurda...
Porque enfim fossem francos: que tinha ela? Não queria dizer mal
“da pobre senhora que estava naquele horror dos Prazeres”, mas a
verdade é que não era uma amante chic: andava em tipóias de praça;
usava meias de tear; casara com um reles indivíduo de secretaria; vivia
numa casinhola, não possuía relações decentes; jogava naturalmente o
quino, e andava em casa de sapatos de ourelo; não tinha espírito, não
tinha toilette... que diabo! Era um trambolho!
— Para um ou dois meses que eu estivesse em Lisboa... —
resmungou Basílio com a cabeça, baixo.
— Sim, pra isso talvez. Como higiene! — disse Reinaldo com
desdém.
E continuaram calados, devagar. Riram-se muito dum sujeito que
passeava governando atarantadamente dois cavalos pretos: — Que
faéton!

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