Blog dum gajo do Porto acerca de gaijas, actualidade política e sem futebol. Aqui o marmelo não gosta de futebol

segunda-feira, 20 de novembro de 2006

Almerindo de Jesus, conquanto o seu nome auspiciasse um crente fervoroso sempre fora ateu.
Desde pequeno: a catequese nada lhe dissera., a ida à missa – todos os domingos mesmo que chovesse –, a comunhão, festas religiosas, aparições Marianas, tudo lhe parecia sem sentido.
È certo que não fazia gala disto. Guardava as suas dúvidas para si, ao abrigo da sogra e da mulher, católicas praticantes, e um pouco dadas a brutalidades físicas no que toca a religião e noutras matérias.
Contavam-se, ou antes rosnavam-se porque as mulheres eram intratáveis, histórias mais ou menos rocambolescas de violências físicas, puxar de cabelos e outras, cujas, não se podem contar numa história séria.
Almerindo vivera sempre disfarçando a sua dúvida. Num dos primeiros bancos da igreja do Marquês do Pombal, salvo seja tal nome que o dito Marquês deve ter a alma nas profundezas do inferno, parecia rezar, genuflectia e cantava alto:
- Santo, santo é o Senhor, Deus do universo.
No entanto por dentro tinha a certeza absoluta que o tal deus do universo não existia e que era uma invenção dos homens, como o super-homem, ou o rato mickey.

Atrás do tempo tempo vem. Os cabelos duns tornam-se veneráveis cãs, noutros desaparecem no ralo da banheira e nos transportes públicos. Noutros mantém-se. Não que isto lhes de mais força e vigor. È que estar cheio de cabelo, branco, pintado ou da cor natural e ter uma idade muito avançada – e, repare-se na ironia do nome: avançada…quem avança é num dado sentido. E destas idades já se sabe qual é. – Não é nada bom sintoma.

Depois duma vida cheia, como são todas as vidas, o nosso Almerindo morreu.
Espichou, bateu a pataleta, esticou o pernil, foi para o outro mundo, tornou-se de cujos – até resolução da herança –, finou-se ou qualquer outros dos eufemismos que usamos quando alguém morre.

Não que as circunstancias tenham relevância no caso, mas – a bem da verdade – pode relatar-se o caso que não fere a sensibilidade do leitor.

Era velho, trémulo e já ouvia mal. Ia a atravessar a rua. O condutor do autocarro, ocupado a retirar um burrié renitente do nariz, já com alguma dificuldade de ver ao perto, fruto da meia idade, teve de tentar focar a vista no dedo que se afastava, deixando de focar o que estava à sua frente. Azares.

- Este era grande.

Foi o que consegui dizer, olhando para o dedo, quando ouviu o barulho do atropelamento. Começou a travar só depois de colher o Almerindo, de acordo com o nosso testemunho e a comissão de inquéritos dos STCP e da companhia de seguros.

Segundo o INEM, e nada nos leva a desconfiar deles, a morte foi imediata e indolor.

- Não sentiu um caralho, nas palavras duma testemunha ocular.

Segundo outras testemunhas ficou como um passarinho. Se bem que nunca tenhamos assistido ao atropelamento dum passarinho por um autocarro dos STCP, convenhamos que a imagem é simpática.

No caso presente não houveram penas no ar, mas óculos esmagados, bastante sangue e um cadáver, que segundo o médico legista, “estava todo fodido”. Termo pouco médico mas que nos dá uma ideia do estado do cadáver do Almerindo.

O enterro foi rápido e o funeral bonito.

Agora vem a parte complicada da história.

Todas as história, ou estória, que mexe com o alem, almas do outro mundo, deuses e demónios , se bem que nos prendam a imaginação , são tidas como fabulas, mentiras descaradas, invenções, especulações, ou mentiras descaradas.

Esta é a pura e simples verdade, relatando nós apenas os factos, e deixando ao leitor a interpretação.

A coisa foi assim:

Após o golpe do autocarro, Almreindo estava a calcular mentalmente quantos passos tinha que dar até ao outro passeio, não se apercebeu de grande coisa. Lá ia ele a contar: -dei sete passos, para vinte faltam treze, agora oito…..Bum…crash…

- ai que lá perdi as contas, pensou Almerindo, sentiu-se desmaiar e quanfo acordou :

Estava no que parecia uma sala enorme, mas enorme mesmo. O chão em mosaico (seria mármore ) preto e branco perdia-se no horizonte.
- O xadrez é oito por oito. Esta já contei, até me cansar, aí uns dois mil., ora dois mil por – digamos aí uns trezentos de largo, a um metro quadrado cada um, dá….

Aí apareceu um homem de barba branca, como convêm, de estatura alta e vestido de toga romana mas de bastantes cores. No dedo mindinho da mão direita um anel de brasão.

A pergunta que lhe fez foi fatal:

- Com que então eu não existo? Não é senhor Almerindo ? Eu sou assim como o rato mickey ou o super-homem, não é verdade?

Almerindo sentiu algo quente nas calças e a única coisa que conseguiu dizer, mesmo que a meia voz e para si mesmo, foi:

-Caguei-me nas calças e estou fodido.


Suspense ate ao próximo episódio.

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