Ora pensa o Sousa que todos nós, ateus, agnósticos, crentes e assim-assim temos às vezes algumas preocupações com a vida além morte. Será que existe? E se sim estou bem ou mal colocado?
Já se vê que estas reflexões acabam sempre por esbarrar na aposta de Pascal.
O bom do Pascal dizia mais ou menos isto: por processos cognitivos não se chega a uma conclusão certa se Deus existe ou não e, na dúvida, o melhor é ir rezando umas missas e umas ladainhas porque se Ele não existir o tempo perdido é pouco e, a existir, a recompensa é eterna.
Claro que isto cheira logo a marosca e esperteza saloia. Se Deus é omnisciente saberia que estávamos a macaquear a interiorização da crença e, tal e qual o condutor apanhado em excesso de velocidade, juramos falso para safar a carta ou a alma.
Qualquer juiz minimamente experiente sabe que estamos de clara má fé.
Agora a questão em si pode ser interessante. No entanto deveremos especificar melhor o problema e as definições.
A questão fundamental é: No caso das divindades existirem quem estará mais bem colocado para abixar um lugar no paraíso? Um crente duma religião, um ateu, ou um agnóstico.
Defino como divindades uma entidade que sem precisar de ser eterna, omnisciente e toda-poderosa, tem o poder de após aquilo que chamamos a morte permitir, ou não, que uma parte significativa da consciência e do que somos continue por um período significativo de tempo.
Como se vê não peço a eternidade. Um ou dois milhões de anos de gozo repimpado já não é mau. E nestas coisas de eternidade, como nas atribuições dos Magalhães, não devemos pedir tudo.
Temos também de admitir que essa entidade tem um tipo de inteligência, seja lá isso o que for, que nos permita comunicar e que os critério de ir para cima ou para baixo sejam também entendiveis para nós. Se não forem parecerão aleatórios e não sabemos qual o comportamento a ter.
Se as divindades não existirem ou tiverem um critério de selecção não compreensível para nós a questão não se põe, não é?
O mesmo se aplica se existirem e não quiserem, ou puderem, conceder a eternidade.
Sendo assim vamos assumir que a divindade existe, que pode conceder a eternidade e que o faz através de um critério compreensível e, já que agora, justo.
Temos então o Luís, ateu convicto, que bloga na Internet a inexistência de Deus, e que apresenta razões lógicas para afirmar que as divindades não existem, nem nunca existiram. Defende a posição com unhas e dentes e não perde uma oportunidade para protestar a sua posição. É cientista e apoia-se na lógica, na ciência e na filosofia.
Temos o José que é adepto de uma religião. Segue o melhor que pode e sabe a interpretação que faz da vontade das divindades. Abomina ateus e adeptos de outras religiões e divindades. Não perde uma oportunidade de protestar a sua fé e de repudiar os ateus e herejes.
E, finalmente, temos o Sousa que não se pronuncia muito sobre o facto decisivo. Isto é não sabe bem se há alguma divindade, como ela é e se é só uma. É muito crítico das interpretações dadas pelos diversos crentes. É assim como Portugal na segunda guerra: vende volfrâmio, falso, aos alemães e depois informa os ingleses da saída do navio e ganha a dois carrinhos. Não tem uma opinião decisiva sobre o assunto. Cognitivamente a vida eterna e a existência das divindades parece um absurdo. Um absurdo maior, é certo, que a mecânica quântica. E sabemos nós que a mecânica quântica parece um absurdo, tal como a relatividade, a evolução e a terra ser redonda e a gente não se espatifar por aí abaixo. O que é certo é que a terra é redonda e as outras teorias lá vão sendo confirmadas. Ora se um absurdo como o principio de incerteza são confirmados porque não as divindades? Sabem Elas o que o futuro nos espera e que descobertas se farão? Prudência e caldos de galinha não fazem mal a ninguém. Deixemos o caso em aberto e esperemos por mais e melhor investigação.
A existência das divindades, mesmo nesta versão soft, parece-me altamente improvável. Tão improvável como existir vida na lua, vida inteligente em Marte ou a existência dum romance de amor entre o nosso primeiro-ministro e a senhora doutora Manuela Ferreira Leite.
Claro que tudo isto é muito bonito mas se ao entrar num motel os encontrar aos dois aos beijos e abraços, trocando inequívocos olhares de desejo, a tocarem-se como dois adolescentes cheios de hormonas e a correrem para um quarto, daqueles com espelho no teto, é claro que tenho de mudar de opinião. Por muito que nos repugne o pensamento não poderíamos deixar de dar a mão à palmatória e admitir, com a tal repugnanciazita, o caso de amor.
O mesmo se aplica à vida na lua e à vida inteligente em Marte.
E agora vamos ao que interessa:
Se os três chegarmos à face da divindade quem se poderá safar melhor?
O ateu de certeza que vai ficar atrapalhadíssimo por estar cara a cara com a divindade e esta lhe perguntar: - com que então eu não existo, hein ? Sou um produto da imaginação dos homens, não é? Uma miragem, não é?
O crente também certamente não ficará melhor. A probabilidade da divindade ser a que ele adorou em vida é mínima. O numero de divindades que já existiram e que existem é tão grande que penso que ninguém saberá exactamente qual. Por outro lado mesmo dentro do mesmo paradigma religioso, no cristianismo, por exemplo, as interpretações são tantas e tão variadas que a probabilidade de acertar na interpretação certa é tão pequena como a de se passar uma semana sem o senhor doutor Alberto João Jardim dizer uma alarvidade. Ou o crente teve sorte da sua interpretação ser a correcta ou está tão lixado como o ateu. Claro que mesmo assim estará melhor que o ateu.
E se a verdadeira divindade é Júpiter e o gajo era Testemunha de Jeová a coisa deve ser mesmo complicada.
O assim-assim, que é o Sousa, pode sempre fazer um ar de espanto e dizer : -ah, que engraçado! Afinal é você! Eu realmente tinha dúvidas. Olhe que parece muito melhor que nas imagens (se a divindade for representável), quem diria e tal e coisa.
Se for uma divindade muito cá de casa, tipo dos judeus, cristãos ou muçulmanos podemos sempre dizer que de facto sempre tivemos dúvidas mas que agora vemos que é assim. Uma citaçãozita da Tora, da Bíblia ou do Corão ficam sempre bem de acordo com a divindade que for. Não esquecer que a Tora não são os livros todos do antigo testamento e a confusão pode ser fatal se for o velho Jeová dos hebreus e a malta citar Mateus ou Lucas. Na dúvida é melhor falar na influência Judaica no ocidente, ou da importância do Islão na mentalidade portuguesa. Sempre de acordo com a divindade, é claro!
Se a divindade for daquelas que não lembram ao diabo, ou o diabo mesmo, o melhor é apelar para a ignorância. Que no meu país falava-se pouco de Shiva dos seis braços, que havia a questão da educação mas que vistas bem as coisas seis braços devem dar muito jeito e tal e coisa. Acrescentar que ao vivo é muito bem mais parecida que nas imagens poderá ser de bom gosto.
Dizer que se teve um vizinho indiano, que eram pessoas muito simpáticas, e que nunca reclamamos do cheiro a caril deve ajudar.
Temos, por lo tanto, que quem me parece mais bem colocado para a tal vidita eterna, seja qual for a divindade, é cá o Sousa.
Crentes e ateus que tratem do corpo que da alma parece que estamos conversados.
1 comentário:
Olá, meu nobre!!!! Saudações do Brasil. Muito interessante seu texto e bem lembrado sobre a situação do crente em relação à divindade, pois são mesmo tantas que o dito cujo precisará de sorte para ter passado a vida toda orando à divindade certa.
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