Ora resolvida a primeira parte da questão que é a resolução da crise aponta o Sousa os dentes para a causa da dita e seus culpados.
Não conseguindo o erudito Sousa colocar a talho de fouce, e sem que pareça forçado, citação de autor, ou autores, dignos de nota e de difícil digestão, limita-se a interpolar no arrazoado história de elevado valor moral.
Aqui vai.
Nos tempos de antanho, em que as mulheres eram mais femininas e os homens mais másculos, menos distantes da queda propiciada por Eva e precipitada por Adão, as crises eram resolvidas duma forma muito mais expedita.
Pegava-se nos suspeitos do costume, fazia-se a queima dumas bruxas, juntavam-se hereges q.b. e alguns judeus e a ordem voltava a reinar.
A má colheita ou a peste intempestiva terminavam de forma abrupta como se iniciaram e a calma voltava a reinar.
Dispersas as cinzas de judeus, cismaticos, bruxos, adivinhos, sodomitas e a fins aos quatro ventos tudo era paz e tranquilidade até à próxima crise.
Bons tempos que não voltam!
Pedreiros livres, demo-liberais, ateus, comunistas, agnósticos e outros colaboradores do mafarrico eliminaram tão sãs práticas.
Para grande prejuízo da salvação das almas e da contenção de pestes, más colheitas, espinhelas caídas e outras maleitas.
Desta época gloriosa ficou-nos apenas a ordem dos exorcistas, tanto do agrado do actual Papa como do emérito e mesmo do pretérito.
Sombra fugaz porque se limita a esconjurar demónios à força de água benta e fórmulas em latim.
E se é ciência certa que demónios com menos experiência podem ser exorcisados em lingua vulgar o que é verdade incontestável , é que sendo diabo velho, muito experimentado em corpos vários, sem um latim sofrível não há quem o demova.
Daí a ordem dos exorcistas ser constituída por santos padres, muito exímios nos diversos usos da língua e nomeadamente nas línguas mortas e moribundas.
Bem hajam e que nunca lhes doam as línguas.
Peço desculpa ao amável leitor por tais deambulações mas no fim verá que tudo tem uma razão de ser.
Como nota final deste preâmbulo devemos dizer, sem medo da verdade, que nestes processos de antanho alguns exageros terão havido.
Algumas bruxas não seriam tão exímias na condução de vassouras como os acusadores afirmavam e , muito possivelmente, sem que o possamos afirmar com cem por cento de certeza, um ou outro inquisidor menos zeloso do bem defendido terá cedido à concuspiciencia da carne e mandado queimar um marido mais zeloso das formas generosas da esposa.
Como já foi dito atrás nestes tempos de perdição não se podem utilizar, ou mesmo sugerir, tão expeditos e eficazes métodos de apuração de responsabilidades.
E digam-me lá se isto é tempo de liberdade!
Coagidos assim ao método demo-liberal, maçónico e ateu do naturalismo vamos ver o que podemos fazer.
Olhemos às causas da crise e seus culpados por este olhar:
Instalada a crise correu-se a procurar causas e culpados.
Ao contrário das panaceias para a dita que se podem basicamente reduzir a duas, gastar ou economizar, a culpa e os culpados diferem muito.
Podemos dizer que para cada cabeça cada sentença ou, como diz o povo, que casa em que não há pão todos ralham e ninguém tem razão.
Há que acuse o Sócrates de gastador e de ter arruinado o país, outros que deveria o mesmo Sócrates ter feito mais obra, outros que a culpa foi do Cavaco e suas obras, aqueloutro do malbaratar dos fundos da CEE, outro ainda da propria CEE, muitos da adesão ao euro, bastantes da inflexibilidade laboral herdada do Vasco Gonçalves.
A sra Merkel e os bancos alemães são também suspeitos, assim como o capitalismo internacional, a maçonaria, os illuminati e a nova ordem mundial.
A política do actual governo, o rendimento mínimo criado pelo Guterres são fortes suspeitos segundo outros.
Houve também quem culpace o excesso de consumo de bife do lombo e vazia pelas classes mais populares.
A paneleiragem em geral e o casamento gay em particular são também fortes suspeitos segundo o João César das Neves.
O snr Leandro continua a verberar por fuzilamentos vários e ajunta mais grupos a fuzilar.
O PCP continua a dizer que a culpa é da economia não ser planificada.
Ora perante uma tal panóplia de doutas opiniões, por gente tão iluminada que mesmo faltando a luz eléctrica nos gabinetes conseguem ver claramente o que nós pobres mortais não conseguimos nem lobrigar de luz acesa, resta ao Sousa tentar um abordagem ab ovo do problema.
Resolvida aqui uma questão das citações. Isto para o leitor mais atento é um piscar de olho ao livro, infelizmente nunca publicado , do João da Ega.
Comecemos então ab ovo.
A basezinha da economia mundial é a confiança.
Eu levanto num atm de Frankfurt um rectângulo de papel que diz cem euros. Horas depois tenho a enorme confiança que um restaurante me troca bons camarões de Espinho e cerveja à temperatura certa pelo papel. Da mesma confiança se vale o dono do restaurante quando troca o mesmo papel por gasolina para o carro. O dono da bomba de gasolina troca a nota por um tratamento dentário. O dentista deposita a nota no soutien da d. Lurdes, moça nos seus trinta e poucos, que pese embora já seja mãe de dois moços espigadotes, ainda está muito para as curvas.
É a esposa do nosso dentista enfermica e os fins dos meses da d. Lurdes difíceis. Assim, graças à confiança mútua no valor do tal rectangulo de papel pode o nosso doutor dentista passar um bom bocado no pagode, a d. Lurdes arredondar o fim do mês.
Até o marido da d. Lurdes, infelizmente desempregado porque o patrão com esta coisa da crise faliu, lá vai fumando os seus cigarritos. De enrolar é certo porque os tempos não estão para luxos.
Ora nos tempos de antes da crise havia três pilares de confiança e que eram tão certos e seguros como a Ascenção de Nossa Senhora em corpo e alma.
E com o himen intacto.
Felizmente que na época não havia Hamas nem Israel possuía anti aéreas. Pelo que se vê que Deus nosso senhor é previdente e tem uma boa noção de timing.
O primeiro pilar era a confiança no pagamento das dívidas soberanas especialmente de países desenvolvidos e particularmente da zona Euro. Eram um grau de confiança tão grande como a do marido da d. Lurdes na fidelidade extrema de sua esposa e mãe dos filhos.
Os governos sabiam que tinham acesso fácil ao crédito. Os investidores desde o mais iluminado guru até ao mais humilde particular corriam a esprestar a boas taxas de juros aos estados. Os eleitores pressionavam os governos para obras de encher o olho.
Todos na certeza que tudo estava bem .
Com o mesmo grau de certeza que o marido da d. Lurdes tinha quando gabava a amigos , familiares e mesmo meros conhecidos a probidade da esposa e os milagres que fazia com o magro salário e estando ele desempregado.
Se é verdade que por vezes alguns sorrisos o poderiam ter alertado no caso das dívidas soberanas nunca ninguém sorriu.
O segundo pilar era a certeza infalível que o imobiliário iria valorizar infinitamente. Os bancos emprestavam ao Zé para investir num apartamento com cozinha alemã para a filha que estava no segundo ano da universidade particular.
O Ze investia porque a casa passado uns tempos ia valer para cima dum dinheirão, o snr Bessa de Sabrosa fabricava as cozinhas alemãs, a autarquia recebia as licenças de construção. Como a filha do Zé, agora a repetir o segundo ano, era proprietária dum apartamento que valia upa upa não faltavam instituições a emprestar-lhe guita. Digamos que o investimento no imobiliário era transversal. Pobres e ricos, analfabetos e doutores todos acreditavam que o céu era o limite para o valor do imobiliário.
O terceiro pilar era a integridade das instituições financeiras e o controlo que sobre elas era exercido. Por quem tinha a obrigação legal de o fazer e por um sem número de especialistas da área financeira que não sendo omniscientes no que toca à area financeira eram-no quase.
Qualquer tentativa de fraude, mesmo que numa hipótese remotissima escapasse ao regulador, seria detectada ab ovo por tais insignes especialistas financeiros.
Podemos fazer um paralelo com o marido da nossa Lurdes quando na tasca do Bino coxo, depois dumas minis, se gabava de reconhecer a léguas as infidelidades das mulheres. Da dele e dos próximos. Tese com grande aceitação pelos companheiros mas que era recebida com alguma reserva pelo Bino coixo.
Antes de estar a tomar aquelas porcarias para a tensão alta ainda tinha passado uns bons bocados com a Lurdes. Como todo o bom taberneiro sabia guardar segredo.
Ora no sistema financeiro não houve nenhum Bino, coixo ou corredor de maratona com um sorriso suspeito nos pendurado nos queixos.
Ora como sabemos estes três pilares ruiram fragosamente e criou-se a tal crise de confiança.
Havia casas a mais e as hipotecas não valiam puto, um gajo como o Lehman fazia papeis e comeu os reguladores e guros. Diga-se a bem da verdade que os tipos do BPN ainda se deram a algum trabalho. As dividas soberanas pareciam meros papéis que nem para uma limpeza medíocre dum esfinter serviam.
Foi o caos.
Ora agora entra a história de elevado valor moral. História onde a virtude prevalece e que nos poderá servir de modelo para uma nova ordem económica sem fraudes.
Ora uma bela tarde de domingo o marido da d. Lurdes estava munido dum bilhete para a bola. Como os miúdos estavam em casa da sogra pensou a nossa Lurdinhas que tinha a casa só para si uns bons pares de horas.
Como sabe o diabo não dorme e não desperdiça oportunidade. Soube-o em primeira mão o nosso primeiro pai expulso do paraíso , sem aviso prévio ou subsídio de desemprego.
Era tarde para o quente e uma cerveja bebida dum trago a meio da digestão obriga o marido da Lurdes , mesmo antes do jogo comecar, a regressar a casa para beber um chá e aliviar-se.
Já imagina o benévolo leitor o quadro que o esperava em casa:
A sua Lurdinhas, a mãe dos seus filhos, sob os lençóis estampados da Coelima, oferecidos pela mãe dele no quinto aniversário do casamento, jazia entre um dentista e um amigo dele de longa data, igualmente useiro e vezeiro em desviar do bom caminho solteiras e casadas.
Nem a imagem severa duma nossa senhora de Fátima, benzida por três padres, nem a foto do casamento nem a dos filhos no psiche' lhes parecia fazer diferença.
A bem da boa moral e bons costumes abstemo-nos de tentar imaginar as obscenas práticas a que se entregavam.
Nem eu nem certamente nenhum dos leitores alguma vez imaginou ser possível a uma mãe de família, casada sob a autoridade da santa madre igreja ou a dois doutores, igualmente casados entregarem-se a tais desmandos.
Mesmo a falta de vontade da esposa do dentista de debitar conjugalmente podem mitigar o imoral e abjecto acto.
Ora neste momento aconteceu ao marido da Lurdinhas o que aconteceu a todos os actores da finança internacional.
Ficou com a confiança muito abalada. Assim como dois dentes da Lurdes. Os doutores pese embora algum excesso de peso abalaram com a velocidade dum raio.
Uma vez a confiança abalada é o diabo para a recuperar. Quanto aos dentes a coisa foi mais fácil. Uma ida discreta ao dentista remediou a coisa.
No que concerne à confiança do marido esta foi recuperada aos poucos.
Juras pela luz dos olhos que foi a primeira e última vez, que eles eram gays e impotentes e que ela se limitou a ver.
Juras pela saúde dos filhos e de todos os parentes mortos, vivos e assim assim.
Invocar em sua defesa Deus e a virgem Maria como testemunhas que nem lhes tocou.
Neste particular parece-nos que o que toca à virgem, não sendo a estátua cega e surda, daria boa testemunha.
E iria aprender mais naquelas horas que em meses de conversa com a pecadora Maria de Magdala.
Um vestir mais modesto, uns cuidados maiores na confecção do comer e mais carinhos no talamo conjugal fortaleceram a pouco e pouco a certeza que estava arrependida.
Aos poucos a confiança do marido voltou.
Os dois doutores apiedaram-se cristamente do marido e até lhe arranjaram um emprego longe e no turno da noite.
Voltou o nosso homem a gabar a parcimónia da mulher na gestão dos dinheiros. Criou barriga até.
Passou a fumar cigarros já feitos.
Ora como se vê a virtude triunfa sempre. A Lurdes arrependida do mau passo dado arrepiou caminho e reconquistou a confiança do amigo.
Quando sai com os doutores fa-lo discretamente e sempre fora de casa.
Note-se que agora apenas como amigos. Fazem-no discretamente porque já se sabe que há sempre gente disposta a inventar histórias mesmo perante a coisa mais inocente.
Ora os agentes financeiros deveria pôr os olhos e o coração no exemplo cristão da d. Lurdes.
Errou mas compôs o erro e conseguiu reabilitar-se ao olhos do marido. E de Deus o que é mais.
Vejo aqui influência da Nossa senhora de Fátima protectora da fidelidade conjugal.
Façam os agentes financeiros o mesmo que a Lurdinhas, voltem mas sinceramente arrependidos, que a gente volta a confiar-vos o guito
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