Blog dum gajo do Porto acerca de gaijas, actualidade política e sem futebol. Aqui o marmelo não gosta de futebol

domingo, 20 de novembro de 2005

Presidenciais

Como o Sousita vê as Presidenciais:

PRIMEIRA VELADORA - Ainda não deu hora nenhuma.
SEGUNDA - Não se pode ouvir. Não há relógio aqui perto. Dentro em pouco deve ser dia.
TERCEIRA - Não: o horizonte é negro.
PRIMEIRA - Não desejais, minha irmã, que nos entretenhamos contando o que fomos? É belo e é sempre falso. ..
SEGUNDA - Não, não falemos nisso. De resto, fomos nós alguma cousa?
PRIMEIRA - Talvez. Eu não sei. Mas, ainda assim, sempre é belo falar do passado... As horas têm caído e nós temos guardado silêncio. Por mim, tenho estado a olhar para a chama daquela vela. Às vezes treme, outras torna-se mais amarela, outras vezes empalidece. Eu não sei por que é que isso se dá. Mas sabemos nós, minhas irmãs, por que se dá qualquer cousa?...

SEGUNDA - Todo este país é muito triste... Aquele onde eu vivi outrora era menos triste. Ao entardecer eu fiava, sentada à minha janela. A janela dava para o mar e às vezes havia uma ilha ao longe... Muitas vezes eu não fiava; olhava para o mar e esquecia-me de viver. Não sei se era feliz. Já não tornarei a ser aquilo que talvez eu nunca fosse...
PRIMEIRA - Fora de aqui, nunca vi o mar. Ali, daquela janela, que é a única de onde o mar se vê, vê-se tão pouco!... O mar de outras terras é belo?
SEGUNDA - Só o mar das outras terras é que é belo. Aquele que nós vemos dá-nos sempre saudades daquele que não veremos nunca...

Fernando Pessoa, O MARINHEIRO,DRAMA ESTÁTICO EM UM QUADRO

Depois de doze minutos
Do seu drama O Marinheiro,
Em que os mais ágeis e astutos
Se sentem com sono e brutos,
E de sentido nem cheiro,
Diz rima das veladoras
Com langorosa magia
De eterno e belo há apenas o sonho.
Por que estamos nós falando ainda?
Ora isso mesmo é que eu ia
Perguntar a essas senhoras...

Álvaro de Campos
A Fernando Pessoa

(Depois de ler seu drama estático "O marinheiro" em "Orfeu I"

Sem comentários: