Vivia-se com dificuldades. Casa escassa, dinheiro ainda mais e luxos poucos. Passeio de carro aos domingos e nem em todos. Aliás nem cabiam os Silvas todos no vetusto 127. Uns de cada vez e mesmo assim sem saber se a bateria ajudava à coisa.
Muita massa à mesa - da milaneza é claro- misturada com atum ramirez e para sobremesa o doce de bolacha. Em dias de festa vinho fino.
Atrás dum dia outro vem e as coisas hão-de melhorar!
Um dia. Melhor!
Um belo dia, como se diria numa obra literária e de ficção. É que nisto de ficção e realidade convém precisar: um dia parece um relato veridico. Um belo dia parece indiciar uma ficção.
Ora, a bom rigor da verdade, devemos falar dum belo dia.
Assim seja.
No tal belo dia, de sol como convém a coisas assim , o tio Mário - parente afastado por longa estadia nesses parises de França e emigrante de longa data - convoca os Silva para funeral com pompa e circustância de parente distante mas de pingues haveres - e o que é mais teres - em terra distante e de costumes diferentes.
E lá foram os Silva.
Apertados no 127 e com a cadeira de rodas da do meio que por falta de cuidados natais, pré-natais e a fins se viu reduzida à condição de aleijadinha. Mais tarde como veremos repudiará com veemência o epíteto de aleijadinha e esperará ser uma pessoa portadora de deficiência.
Lá chegaremos.
Lá foram e gostaram. Terra linda, estradas limpas e iluminadas e gente simpática.
A aleijadinha que até era escondida lá na terra era bem tratada e até havia rampas para a cadeira da aleijada.
Comida do melhor, bebida nem se fala e charutos.
A tal parente era alta e loira. Na verdade ninguém se lembrava dela que na juventude imigrara lá para a Europa e que casara com um tal estrangeiro. O nome era Monet ou coisa assim. Parece que em estrangeiro quer dizer dinheiro e de facto a gaija estava - segundo se disse - cheio dele.
Conversa vai conversa vem, recados nossos, muitos beijos e abraços e ....benha lá a guita.
Não nos julguem mal mas isto de guita e dificuldades só nós que as passamos sabemos como é e quem nunca passou precisão que atire a primeira pedra.
Esta precisão aponta para algumas origens beirãs que não rejeitamos.
Entre choros, beijos, abraços e regionalismos a tal prima (ou tia?) lá se comoveu e tomou uma decisão.
Ora nós sabemos que decisões tomadas num funeral - se não forem fruto de grandes bebedeiras ou da emoção do momento - são pactos para a vida.
Decidiu a prima (ou tia ?) patrocinar a familia dos Silva. Unica que lhe restava com uns trocos que lá tinha mas que para os Silva eram notas das grossas.
1 comentário:
Gostei muito do texto. Fiquei na dúvida se é pura ficção ou será como a Biblia, para interpretar e adaptar à realidade. Eu li das duas maneiras.
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