Quarto parte da história. A primeira está aqui, a segunda aqui e a terceira aqui
Ainda deu o nosso Antonio uma voltas pelas ruas adjacentes à praça, foi até ao Marques do Pombal e pelas outras ruas conhecidas por terem prostituição de rua. O espectáculo era sempre o mesmo. Prostitutas de todas as idades e feitios, algumas grávidas, miúdos e miúdas, os inevitáveis chulos, clientes e mirones. Os mirones eram regra geral indivíduos de meia-idade que passavam horas infindas, sozinhos, normalmente em esquinas a observar. Não o acto em si que é feito dentro de carros ou em pensões mas o vai vem de pessoas. A qualidade das putas era diversa de acordo com o sitio da cidade. Se bem que não se possa dizer que isto era regra sempre seguida a verdade é que nestas coisas havia claramente hierarquias e lugares de primeira, segunda e terceira. As putas mais reles e badalhocas estavam normalmente na rua da Madeira e adjacentes, pela rua escura e por aí perto. Eram as mais velhas, já muito gastas por anos e anos de putedo, as que tinham algum defeito físico, as grávidas e as recém-chegadas da província, ainda inexperientes nestas guerras e que iam para onde as admitiam. As de Santos Pousada eram de má qualidade mas lá se iam arranjado melhor. O creme de la creme, se se pode chamar assim a putas de rua, estavam pela zona do lima 5.
As pessoas de bem não costumavam frequentar este tipo de prostituição, como já foi dito antes, preferindo o recato de cabaret ou da casa de putas propriamente dita. Nesses tempos o putedo era bastante democrático e acessível a quase todas as bolsas. Mesmo o mais humilde operário podia, fazendo algum esforço esvaziar os colhões com alguma regularidade. Lembremo-nos que os tempos de então não eram os actuais em que a imoralidade reina e o acto sexual, e até o homossexual, são vistos com grande naturalidade. A sexualidade era restrita ao casamento devidamente certificado mas com boas e sãs regras. Havia um conjunto de práticas que não se podiam concretizar numa senhora de bem, especialmente na mãe dos nossos filhos. É sabido que actos como o broche, sexo em grupo, foda nas mamas e muitas outras são apenas praticados por mulheres perdidas repugnando a simples ideia a uma senhora decente que se limita a satisfazer o marido, e dar-lhe filhos, cumprindo o débito conjugal. Para as poucas-vergonhas há as outras. Se bem que os anticoncepcionais já eram de acesso relativamente fácil ainda precisavam de receita médica para serem comprados. E claro que isto diminua o número de pessoas que os conseguia adquirir. Mesmo uma senhora casada não andava a contar aos quatro ventos que os tomava. Não parecia nada bem a uma senhora tomar essas pastilhas que eram a causa de tanta imoralidade. Fora da prostituição ou do casamento o sexo era severamente reprimido. Havia as senhoras por conta que eram uma instituição. Tratavam-se de mulheres que tinham uma relação continuada no tempo com um homem, geralmente casado, ao qual abriam as pernas e por vezes até davam filhos, sem o ónus do casamento. O homem em troca pagava-lhes a contas e fornecia casa. Com estas já se podiam permitir algumas maiores liberalidades até porque não eram verdadeiras senhoras. Se não era desejável que um marido pedisse à sua legitima esposa que lhe fizesse um broche já o mesmo broche era aceitável quando feito por uma amante. Os deveres de fidelidade da amante eram iguais aos da esposa legítima. Estavam na escala social muito acima das prostitutas mas, como é óbvio, muito abaixo das respeitáveis senhoras casadas. O adultério, quando praticado por mulher, era muito recriminado e punido severamente. Os homens incapazes geneticamente de ceder aos seus impulsos sexuais lá se iam aviando como podiam evitando o escândalo, os bastardos e as doenças venéreas. Doenças que se não eram tão graves como são agora a Sida ou hepatites estavam de tal modo espalhadas que em não havendo cuidado, como o nosso bom António aprendeu da maneira mais dura, eram quase uma inevitabilidade. O mais comum era a carga de chatos. Esta pediculose era muito propiciada pela falta de higiene e por não haver na altura o hábito de tratar os pelos lá de baixo. O corte dos pelos púbicos, salvo em caso de operação ou parto era desconhecido. As senhoras e meninas, de algumas posses, podiam dar um jeito à coisa na época da praia para não saírem pelos do fato de banho, mas fora disto, e dentro do estritamente necessário à época balnear não viam os pelos mais tesoura e muito menos lamina. É fácil de prever que foram épocas douradas para os chatos. Esquentamentos e outras doenças venéreas eram também muito comuns, especialmente nas putas baratas, pelo que a escolha judiciosa da rata onde se ia introduzir a pila era fundamental.
E a verdade é que mesmo antes da invasão de meninas do leste, brasileiras e africanas a oferta chegava perfeitamente para a procura, e o que é mais a todas as carteiras.
Mesmo os cabarets e casas de putas eram acessíveis a todas as classes sociais. Para alguém com mais dificuldades económicas pelo preço de dois ou três maços de cigarros podia na rua do Bonjardim ir à Madalena do broche. Por um preço equivalente tinha por de trás da capela das almas o conhecido broche em série. Estas duas casas, conhecidas em todo o norte do país, eram muitíssimo afreguesadas. O método era mais ou menos o mesmo pelo que se comprova que o mercado funciona e que produtos iguais tendem a ter preços iguais. A Madalena do broche era mulher de idade indefinida, entre os quarenta e alguns e os setenta, que se encontrava no cimo duma escadas num quarto. Os clientes, de todas as idades, esperavam nas escadas em fila ordeiríssima a sua vez. Quando a boca da senhora vagava o cliente saia pela porta e descia as escadas. Aí a Madalena, com uma voz muito rouca, gritava pelo próximo. O cliente entrava para um quarto pequeno, deitava-se na cama, e a Madalena lá começava a chupá-lo. Se o cliente tentasse apalpar as mamas ou outro avanço qualquer sentia logo os dentes na sua parte mais sensível. Parece que era remédio eficaz. Como forma de incitamento, no caso do cliente se demorar um bocado mais, usava frases como – foda-se nunca mais te vens! Ou – Acaba com a mão que já me doem os queixos. Parece que estas frases de elevado valor erótico eram mais que suficientes para o clientes se virem. Finda a ejaculação, que diga-se em bom rigor histórico, era sempre dentro da boca da senhora, ela despejava o conteúdo para um balde que estava ao lado da cama. O cliente era despachado e o processo repetia-se enquanto houvesse homens na escada. O broche em série utilizava o mesmo método sendo que a única cujo nome passou à história foi a famosíssima Madalena do broche tendo a voragem do tempo obliterados os nomes das senhoras do broche em série. Injustiças da história.
Outros locais baratos eram a rua da Madeira e a rua escura. Como já foi dito e é uma regra geral da vida, a qualidade paga-se. Aqui a qualidade era pouca. As raparigas novas eram feias, grávidas ou com defeito físico, as demais eram velhas. As mais velhas já não tinham qualidade para outros locais e então vinham para aqui onde, devido à escassez de meios, os clientes eram mais tolerantes e de melhor boquinha.
As mais novitas eram geralmente sopeiras que tinham ficado grávidas ou raparigas da província que tinham caído em desgraça na terra natal, normalmente por estarem ou terem estado grávidas, sem pai capaz de as levar ao altar. Outra classe de raparigas, mas que raramente aqui estavam, eram as trazidas da província por um noivo com automóvel e tudo que lhes prometia namoro e casamento mas que as punham a render. As mais feiinhas vinham aqui parar sendo levadas as de melhor qualidade para bares onde os ganhos eram mais significativos e os meios gastos na sua aquisição eram mais facilmente amortizáveis. Havia na rua escura um bar, entre muitos outros, onde debutavam estas mais feiinhas da província. Trazidas do interior do país por uns manos, muito dados a esta industria. O método era regra geral o mesmo. Aboletavam-se numa pensão, mostravam o carro, engatavam a rapariga, tiravam-lhe os três e traziam-nas para o Porto para viverem como marido e mulher. Menos de vinte e quatro horas depois de estarem no Porto eram encaminhadas, de acordo com os dotes físicos, para local apropriado onde podiam dar lucro aos manos.
Este bar da rua escura, cujo se pensa que nunca teve nome, tinha o chão em terra batida, duas mesas, seis cadeiras e no primeiro andar dois espaços separados por panos. Nestes espaços havia duas camas imundas. Quarto de banho era só uma sanita e um lavatório, com água fria evidentemente, onde se lavavam piças, conas, copos e até as mãos. As raparigas num número que variavam entre três e seis lá estavam para entreter os clientes de menos posses que pretendiam dar uma foda em carne mais fresca embora de menor qualidade. Muitas estavam grávidas ou por terem dado à luz há pouco tempo não estavam nas melhores condições. Com a ajuda de Deus, que tudo pode, lá iam cumprindo a sua função o melhor que podiam até porque quer os clientes quer o patrão tinham mão leve para repreender as mais esquisitas. - Vem estas parolas lá das aldeias e já furadas e vem para aqui armarem-se em finas. É foder que a comida não cai do céu!
Como de deve depreender o serviço era mínimo e muito controlado no tempo. O cliente pagava ao patrão, subia as escadas, a rapariga abria as pernas e ele tinha vinte minutos para se vir. Se não viesse azar dele, tivesse vindo, porque quando o patrão batia palmas queria dizer que o tempo acabara. Se o cliente não quisesse sair ou não pagasse mais era corrido ao soco pelo proprietário. Método utilizado com os mais renitentes a pagarem a conta. As bebidas eram constituídas por whisky genuíno e fabricado em Sacavém, aguardentes e outras bebidas brancas feitas à base de álcool metílico. Eram extraordinariamente robustos os físicos dos clientes que aguentavam a porrada, o álcool metílico e a gonorreia.
Bares como este eram bastante comuns o que permitia, como já foi dito, ao mais humilde dos cidadãos ter o seu momento de descontracção. Em Matosinhos também havia vários do género e espalhados pela cidade do Porto eram em grande número. O maior e o mais conhecido era o Candeia Bar, conhecido ternamente pelo lampião, onde na cave se cantavam fados e no rés do chão eram mais fodas. Fados e fodas uma combinação de sucesso.
Pessoas mais respeitáveis preferiam, como é óbvio, raparigas mais limpinhas, com melhores qualidades físicas e dadas a prazeres mais requintados. Tinham muito por onde escolher. Desde os bares de porta aberta, o cabaret propriamente dito, até às casas de putas propriamente ditas de porta fechada ao público. Era celebérrima a casa da Rosete, a Àguas Santas, local de peregrinação obrigatória quando o assunto era Vénus. Antiga trabalhadora na afamadíssima, e de boa memória, Micas da Boa, nome que lhe provinha da boa chicha que apresentava no seu bordel, instalar-se perto dos viveiros da Picua e apresentava uma das melhores relações qualidade preço de todo o norte do país. Quartos limpinhos, raparigas que se lavavam. Foi uma inovadora, no seu segmento de mercado, a apresentar números lésbicos a preços bastante convidativos. Muitas outras casas de putas eram celebradas na cidade desde o famigerado 656 da rua de Faria Guimarães, à D. Luísa da rua do Cunha, entre outras. Aqui os preços, e bem entendido a qualidade, variavam sendo possível tudo. Podemos dizer que o céu, e a carteira do cliente, eram o limite. Não se pense que a oferta era tão vasta e profícua como em verdadeiras capitais como Amesterdão, Paris ou Londres. Mesmo em Lisboa a diferença era notável e os costumes mais liberais.
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