Um grupo de homens está em um animado churrasco,
quando o celular começa a tocar:
- Alô!
- Querido?
- Sim, querida.
- Está no churrasco?
- Estou.
- Sabe o que é? Acabaram de me telefonar dizendo que aquela
bolsa que eu havia ficado na fila de espera para comprar chegou,
posso comprá-la?
- Quanto custa esta bolsa?
- Quase 3.000... Na verdade, 3.800 reais...
- Humm..., está bem. Compre.
- Ah, que ótimo! Outra coisa... Acabei de passar em frente da concessionária
Mercedes e vi o último modelo que lançaram. É fantástico! Falei com o
vendedor e ele disse que pode fazer um preço camarada...
- Quanto é o preço camarada?
- Meu amor, são 60.000 reais!
- Bom, estamos com dinheiro nesse momento, então ok.
Mas por esse preço, quero com todos os opcionais.
- Pode deixar! E olha, antes de desligar só mais uma coisa.
- O que?
- Hoje de manhã, passei em frente daquela casa que vimos
na revista de decoração e que dissemos que ela seria perfeita
para nossa família, lembra? Pois acredite...Ela está a venda.
Aquela com piscina interna, um jardim lindo, com um gazebo
delicioso... Churrasqueira, completamente isolada e você nem
imagina... Decorada!
- E quanto é que ela custa?- Meu querido, perto de 900 mil
reais!
- Bom, pode comprar, mas pague, no máximo, esse valor.
- Está bem, meu amor. Obrigada!!! Então, um beijo.
- Outro, até logo.
Ele desliga o telefone e pergunta aos outros:
Olá, pessoal, alguém sabe de quem é este celular??...
Blog dum gajo do Porto acerca de gaijas, actualidade política e sem futebol. Aqui o marmelo não gosta de futebol
sexta-feira, 30 de dezembro de 2005
O Papa e a proibição de ordenar os homossexuais, ou mais propriamente os adeptos duma cultura gay, não me parece um acto tão primário e irracional como o querem fazer querer.
È certo que a Igreja Católica tem estado afundada em escândalos de pedofilia, nomeadamente em Chicago – mas não só – que são de, em casa de ferreiro, bradar aos céus.
Obviamente que ao chefe máximo isto preocupa-o. Seria muito redutor imaginar que alguém como o Cardeal Ratzinger, actual Papa Bento XVI, reagisse primariamente pensando que obstava aos abusos pedófilos na Igreja correndo com os homossexuais. Seria um pensamento digno do Ferreira Torres ou de um taxista.
Não nos enganemos. O mais inculto e ignaro dos Cardeais da Cúria, mesmo aquele que toda a gente sabe que entrou por cunhas e para fazer número, é um homem brilhante. Podemos não concordar com ele, desprezar as suas opiniões…agora chamar-lhe burro!
E isto ao ultimo dos últimos…
Agora o que foi eleito…
Valha-nos o Deus de Israel e dois mil anos de Cristianismo.
O que está por detrás disto?
Uma tentativa de tomar o poder mais interessante que os livros de Dan Brown ?
Terá uma certa bicharia, como em Singeverga, ou noutros locais tentado tomar o poder?
O futuro o dirá.
Agora que ele não fez de borla não fez.
È certo que a Igreja Católica tem estado afundada em escândalos de pedofilia, nomeadamente em Chicago – mas não só – que são de, em casa de ferreiro, bradar aos céus.
Obviamente que ao chefe máximo isto preocupa-o. Seria muito redutor imaginar que alguém como o Cardeal Ratzinger, actual Papa Bento XVI, reagisse primariamente pensando que obstava aos abusos pedófilos na Igreja correndo com os homossexuais. Seria um pensamento digno do Ferreira Torres ou de um taxista.
Não nos enganemos. O mais inculto e ignaro dos Cardeais da Cúria, mesmo aquele que toda a gente sabe que entrou por cunhas e para fazer número, é um homem brilhante. Podemos não concordar com ele, desprezar as suas opiniões…agora chamar-lhe burro!
E isto ao ultimo dos últimos…
Agora o que foi eleito…
Valha-nos o Deus de Israel e dois mil anos de Cristianismo.
O que está por detrás disto?
Uma tentativa de tomar o poder mais interessante que os livros de Dan Brown ?
Terá uma certa bicharia, como em Singeverga, ou noutros locais tentado tomar o poder?
O futuro o dirá.
Agora que ele não fez de borla não fez.
sexta-feira, 23 de dezembro de 2005
Sentindo frio em minh'alma
Te convidei pra dançar
A tua
São dois pra lá, dois pra cá
Meu coração traiçoeiro
Batia mais que o bongô
Tremia mais que as maracas
Descompassado de amor
Minha cabeça rodando
Rodava mais que os casais
O teu perfume gardênia
E não me pergunte mais
A tua mão no pescoço
As tuas costas macias
Por quanto tempo rondaram
As minhas noites vazias
No dedo um falso brilhante
Brincos iguais ao colar
E a ponta de um torturante
Band-aid no calcanhar
Eu hoje me embriagando
de uísque com guaraná
Ouvi tua voz sussurrando
São dois pra lá, dois pra cá.
João Bosco
Te convidei pra dançar
A tua
São dois pra lá, dois pra cá
Meu coração traiçoeiro
Batia mais que o bongô
Tremia mais que as maracas
Descompassado de amor
Minha cabeça rodando
Rodava mais que os casais
O teu perfume gardênia
E não me pergunte mais
A tua mão no pescoço
As tuas costas macias
Por quanto tempo rondaram
As minhas noites vazias
No dedo um falso brilhante
Brincos iguais ao colar
E a ponta de um torturante
Band-aid no calcanhar
Eu hoje me embriagando
de uísque com guaraná
Ouvi tua voz sussurrando
São dois pra lá, dois pra cá.
João Bosco
quinta-feira, 22 de dezembro de 2005
quarta-feira, 21 de dezembro de 2005
Malandrices!
E energúmenos cujos romances começam assim:
A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875, era conhecida na vizinhança da rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela casa do Ramalhete ou simplesmente o Ramalhete. Apesar deste fresco nome de vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casarão de paredes severas, com um renque de estreitas varandas de ferro no primeiro andar, e por cima uma tímida fila de janelinhas abrigadas à beira do telhado, tinha o aspecto tristonho de Residência Eclesiástica que competia a uma edificação do reinado da Sr.ª D. Maria I: com uma sineta e com uma cruz no topo assimilar-se-ia a um Colégio de Jesuítas. O nome de Ramalhete provinha de certo dum revestimento quadrado de azulejos fazendo painel no lugar heráldico do Escudo de Armas, que nunca chegara a ser colocado, e representando um grande ramo de girassóis atado por uma fita onde se distinguiam letras e números duma data.
E que terminam assim :
Os dois amigos lançaram o passo, largamente. E Carlos, que arrojara o charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes cortava a face:
- Que raiva ter esquecido o paiosinho! Enfim, acabou-se. Ao menos assentamos a teoria definitiva da existência. Com efeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma...
Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atirando as pernas magras:
- Nem para o amor, nem para a gloria, nem para o dinheiro, nem para o poder...
A lanterna vermelha do «Americano», ao longe, no escuro, parara. E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:
- Ainda o apanhamos!
- Ainda o apanhamos!
De novo a lanterna deslizou, e fugiu. Então, para apanhar o «Americano», os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia.
Desanimam qualquer um !
A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875, era conhecida na vizinhança da rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela casa do Ramalhete ou simplesmente o Ramalhete. Apesar deste fresco nome de vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casarão de paredes severas, com um renque de estreitas varandas de ferro no primeiro andar, e por cima uma tímida fila de janelinhas abrigadas à beira do telhado, tinha o aspecto tristonho de Residência Eclesiástica que competia a uma edificação do reinado da Sr.ª D. Maria I: com uma sineta e com uma cruz no topo assimilar-se-ia a um Colégio de Jesuítas. O nome de Ramalhete provinha de certo dum revestimento quadrado de azulejos fazendo painel no lugar heráldico do Escudo de Armas, que nunca chegara a ser colocado, e representando um grande ramo de girassóis atado por uma fita onde se distinguiam letras e números duma data.
E que terminam assim :
Os dois amigos lançaram o passo, largamente. E Carlos, que arrojara o charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes cortava a face:
- Que raiva ter esquecido o paiosinho! Enfim, acabou-se. Ao menos assentamos a teoria definitiva da existência. Com efeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma...
Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atirando as pernas magras:
- Nem para o amor, nem para a gloria, nem para o dinheiro, nem para o poder...
A lanterna vermelha do «Americano», ao longe, no escuro, parara. E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:
- Ainda o apanhamos!
- Ainda o apanhamos!
De novo a lanterna deslizou, e fugiu. Então, para apanhar o «Americano», os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia.
Desanimam qualquer um !
Ora porra!
Estes gajos escreveram tudo o que havia a escrever!
ora vejam, ou leiam :
A História natural e social de uma família no tempo dos Cabrais dá fôlego para dezassete volumes compactos, bons, de uma profunda compreensão da socieade decadente. Os capítulos inclusos neste volume são prelúdios, uma sinfonia offenbachiana, a gaita e birimbau, da abertura de um grande charivari de trompões fortes bramindo pelas suas goelas côncavas, metálicas. Os processos do autor são, já se vê, os científicos, o estudo dos meios, a orientação das ideias pela fatalidade geográfica, as incoercíveis leis fisiológicas e climatéricas do temperamento e da temperatura, o despotismo do sangue, a tirania dos nervos, a questão das raças, a etologia, a hereditariedade inconsciente dos aleijões de família, o diabo!
O autor trabalha desde anteontem no encadeamento lógico e ideológico dos dezassete tomos da sua obra de reconstrução, e já tem prontos dez volumes para a publicidade. Mas é necessário a quem reedifica a sociedade saber primeiro se ela quer ser desabada a pontapés de estilo para depois ser reedificada com adjectivos pomposos e advérbios rutilantes. Para isso, o primeiro avanço é pô-la nua, escrutar-lhe as lepras, lavrar grandes actas das chagas encontradas, esvurmar as bostelas que cicatrizaram em falso, escoriá-las, muito cautério de frases em brasa. É o que se faz nas folhas preliminares desta obra violenta, de combate, destinada a entrar pelos corações dentro e a sair pelas mercearias fora.
São Miguel de Ceide, Junho de 1879
E, claro, Camillo Castelo Branco.
Estes gajos escreveram tudo o que havia a escrever!
ora vejam, ou leiam :
A História natural e social de uma família no tempo dos Cabrais dá fôlego para dezassete volumes compactos, bons, de uma profunda compreensão da socieade decadente. Os capítulos inclusos neste volume são prelúdios, uma sinfonia offenbachiana, a gaita e birimbau, da abertura de um grande charivari de trompões fortes bramindo pelas suas goelas côncavas, metálicas. Os processos do autor são, já se vê, os científicos, o estudo dos meios, a orientação das ideias pela fatalidade geográfica, as incoercíveis leis fisiológicas e climatéricas do temperamento e da temperatura, o despotismo do sangue, a tirania dos nervos, a questão das raças, a etologia, a hereditariedade inconsciente dos aleijões de família, o diabo!
O autor trabalha desde anteontem no encadeamento lógico e ideológico dos dezassete tomos da sua obra de reconstrução, e já tem prontos dez volumes para a publicidade. Mas é necessário a quem reedifica a sociedade saber primeiro se ela quer ser desabada a pontapés de estilo para depois ser reedificada com adjectivos pomposos e advérbios rutilantes. Para isso, o primeiro avanço é pô-la nua, escrutar-lhe as lepras, lavrar grandes actas das chagas encontradas, esvurmar as bostelas que cicatrizaram em falso, escoriá-las, muito cautério de frases em brasa. É o que se faz nas folhas preliminares desta obra violenta, de combate, destinada a entrar pelos corações dentro e a sair pelas mercearias fora.
São Miguel de Ceide, Junho de 1879
E, claro, Camillo Castelo Branco.
São uns bandidos!
E depois de alguém começar um romance assim quem se atreve?
D. João, quinto do nome na tabela real, irá esta noite ao quarto de sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje ainda não emprenhou. Já se murmura na corte, dentro e fora do palácio, que a rainha, provavelmente, tem a madre seca, insinuação muito resguardada de orelhas e bocas delatoras que só entre íntimos se confia. Que caiba a culpa ao rei, nem pensar, primeiro a esterilidade não é mal dos homens, das mulheres sim, por isso são repudiadas tantas vezes, e segundo, material prova, se necessária ela fosse, porque abundam no reino bastardos da real semente e ainda agora a procissão vai na praça. Além disso, quem se extenua a implorar ao céu um filho não é o rei, mas a rainha, e também por duas razões. A primeira razão é que um rei, e ainda mais se de Portugal for, não pede o que unicamente está em seu poder dar, a segunda razão porque sendo a mulher, naturalmente, vaso de receber, há-de ser naturalmente suplicante, tanto em novenas organizadas como em orações ocasionais. Mas nem a persistência do rei, que, salvo dificultação canónica ou impedimento fisiológico, duas vezes por semana cumpre vigorosamente o seu dever real e conjugal, nem a paciência e humildade da rainha que, a mais das preces, se sacrifica a uma imobilidade total depois de retirar-se de si e da cama o esposo, para que se não perturbem em seu gerativo acomodamento os líquidos comuns, escassos os seus por falta de estímulo e tempo, e cristianíssima retenção moral, pródigos os do soberano, como se espera de um homem que ainda não fez vinte e dois anos, nem isto nem aquilo fizeram inchar até hoje a barriga de D. Maria Ana. Mas Deus é grande.
D. João, quinto do nome na tabela real, irá esta noite ao quarto de sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje ainda não emprenhou. Já se murmura na corte, dentro e fora do palácio, que a rainha, provavelmente, tem a madre seca, insinuação muito resguardada de orelhas e bocas delatoras que só entre íntimos se confia. Que caiba a culpa ao rei, nem pensar, primeiro a esterilidade não é mal dos homens, das mulheres sim, por isso são repudiadas tantas vezes, e segundo, material prova, se necessária ela fosse, porque abundam no reino bastardos da real semente e ainda agora a procissão vai na praça. Além disso, quem se extenua a implorar ao céu um filho não é o rei, mas a rainha, e também por duas razões. A primeira razão é que um rei, e ainda mais se de Portugal for, não pede o que unicamente está em seu poder dar, a segunda razão porque sendo a mulher, naturalmente, vaso de receber, há-de ser naturalmente suplicante, tanto em novenas organizadas como em orações ocasionais. Mas nem a persistência do rei, que, salvo dificultação canónica ou impedimento fisiológico, duas vezes por semana cumpre vigorosamente o seu dever real e conjugal, nem a paciência e humildade da rainha que, a mais das preces, se sacrifica a uma imobilidade total depois de retirar-se de si e da cama o esposo, para que se não perturbem em seu gerativo acomodamento os líquidos comuns, escassos os seus por falta de estímulo e tempo, e cristianíssima retenção moral, pródigos os do soberano, como se espera de um homem que ainda não fez vinte e dois anos, nem isto nem aquilo fizeram inchar até hoje a barriga de D. Maria Ana. Mas Deus é grande.
Inveja
Digam lá se isto não é de morrer de inveja:
Como é que estes filhos da p(/& escrevem tão bem ?
Não deveriam ser executados na praça pública?
Os livros não. Só eles.
Enfim…inveja…
Ora leiam:
Até aos seis anos, Iolanda, não conheci a família da minha mãe nem o odor dos castanheiros que o vento trazia da Buraca, com as ovelhas e os chibos que galgavam a Calçada na direcção do cemitério abandonado, tangidos por um velho de bóina e pelas vozes dos mortos. Ainda hoje, meu amor, estendido na cama à espera do efeito do valium, me sucede como nas tardes de verão em que me deitava, à procura de fresco, num bairro de jazigos destroçados: sinto um ornato de sepultura magoar-me a perna, oiço a erva das campas no lençol, vejo os serafins e os Cristos de gesso que me ameaçam com as mãos quebradas; uma mulher de chapéu plantava couves e nabos nas raízes dos ciprestes; os badalos dos cabritos tilintavam na capela sem imagens, reduzida a três paredes calcinadas e a um pedaço de altar com toalhinha submerso em trepadeiras; e eu observava a noite avançar lápide a lápide, coagulando as bênçãos dos santos em manchas de trevas.
in A Ordem Natural das Coisas, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992, pp. 11-16
Mas o gajo continua. Podia para de escrever mas teimosamente continua só para nos irritar:
– Dêem um beijo ao vosso pai
as fossas nasais enormes, o pescoço encordoado de manchas ocupado no trabalho enorme de tentar respirar
(notava-se a aflição das costelas)
ensarilhei-me numa das bengalas e a bengala tombou no barulho mais forte que até hoje ouvi, o meu irmão que gritava com as trovoadas e mergulhava de gatas sob os móveis a agarrar-se à cadeira, de pingos de chocolate no bibe
– Não dou beijo nenhum
o meu pai com um atrito de caruncho na garganta, nesse dia almoçámos na copa a escutar a chuva no telhado, os criados faziam sanduíches, espetavam croquetes em palitos, levavam-nos em bandejas para cima, automóveis das outras fazendas no jardim, a minha irmã para a minha mãe a tentar escapar dos soldados de uniforme em tiras
– Sai sai
– Mãe
abrindo-nos a bagagem, rasgando-nos as algibeiras, tirando-me o fio, o sargento da cobra, a rodar o escovilhão, ligou um rádio de pilhas como se fosse feriado e estivesse com os compinchas na cantina, a música saltou de um charco de crepitações e ensurdeceu-nos, a minha mãe empurrou um dos soldados com a carteira
– Oferece-lhes os brincos para nos deixarem em paz Clarisse oferece-lhes o que eles quiserem
foi então que reparei num corpo deitado junto à cobra, um tropa a quem faltava metade da cabeça coberto de varejeiras, belisquei o cotovelo da Lena, a Lena baixinho
– Cala-te
um soldado bateu-lhe com a coronha na barriga
a barriga que nunca teve um filho sabes a novidade segura-te bem não desmaies adivinha quem o Carlos namora
in O Esplendor de Portugal, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1997, pp. 11-14
Não é de dar um tiro no autor ? Não se pode ser invejoso ?
Como é que estes filhos da p(/& escrevem tão bem ?
Não deveriam ser executados na praça pública?
Os livros não. Só eles.
Enfim…inveja…
Ora leiam:
Até aos seis anos, Iolanda, não conheci a família da minha mãe nem o odor dos castanheiros que o vento trazia da Buraca, com as ovelhas e os chibos que galgavam a Calçada na direcção do cemitério abandonado, tangidos por um velho de bóina e pelas vozes dos mortos. Ainda hoje, meu amor, estendido na cama à espera do efeito do valium, me sucede como nas tardes de verão em que me deitava, à procura de fresco, num bairro de jazigos destroçados: sinto um ornato de sepultura magoar-me a perna, oiço a erva das campas no lençol, vejo os serafins e os Cristos de gesso que me ameaçam com as mãos quebradas; uma mulher de chapéu plantava couves e nabos nas raízes dos ciprestes; os badalos dos cabritos tilintavam na capela sem imagens, reduzida a três paredes calcinadas e a um pedaço de altar com toalhinha submerso em trepadeiras; e eu observava a noite avançar lápide a lápide, coagulando as bênçãos dos santos em manchas de trevas.
in A Ordem Natural das Coisas, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992, pp. 11-16
Mas o gajo continua. Podia para de escrever mas teimosamente continua só para nos irritar:
– Dêem um beijo ao vosso pai
as fossas nasais enormes, o pescoço encordoado de manchas ocupado no trabalho enorme de tentar respirar
(notava-se a aflição das costelas)
ensarilhei-me numa das bengalas e a bengala tombou no barulho mais forte que até hoje ouvi, o meu irmão que gritava com as trovoadas e mergulhava de gatas sob os móveis a agarrar-se à cadeira, de pingos de chocolate no bibe
– Não dou beijo nenhum
o meu pai com um atrito de caruncho na garganta, nesse dia almoçámos na copa a escutar a chuva no telhado, os criados faziam sanduíches, espetavam croquetes em palitos, levavam-nos em bandejas para cima, automóveis das outras fazendas no jardim, a minha irmã para a minha mãe a tentar escapar dos soldados de uniforme em tiras
– Sai sai
– Mãe
abrindo-nos a bagagem, rasgando-nos as algibeiras, tirando-me o fio, o sargento da cobra, a rodar o escovilhão, ligou um rádio de pilhas como se fosse feriado e estivesse com os compinchas na cantina, a música saltou de um charco de crepitações e ensurdeceu-nos, a minha mãe empurrou um dos soldados com a carteira
– Oferece-lhes os brincos para nos deixarem em paz Clarisse oferece-lhes o que eles quiserem
foi então que reparei num corpo deitado junto à cobra, um tropa a quem faltava metade da cabeça coberto de varejeiras, belisquei o cotovelo da Lena, a Lena baixinho
– Cala-te
um soldado bateu-lhe com a coronha na barriga
a barriga que nunca teve um filho sabes a novidade segura-te bem não desmaies adivinha quem o Carlos namora
in O Esplendor de Portugal, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1997, pp. 11-14
Não é de dar um tiro no autor ? Não se pode ser invejoso ?
Como o Sousita não consegue escrever cita .
Ninguém case com mulher velha. As velhas, ainda que pareçam santas, são o demónio. Que o diga o Frederico. Tinha feito casa e perdeu-a por via da mulher, mais velha do que ele trinta anos.
Este disparate de idades pareceu acertado ao Frederico no dia em que se casou. Ele era um rapaz doente e pobre. Tinha-se estreado como cavador, mas não provara bem na enxada. Derreou-o a primeira cava para toda a vida. Era um pelém. Desistiu da vinha e fez-se comerciante. Melhor dizendo, fez-se feirão, porque a palavra comerciante é fina de mais para se aplicar ao modo de vida do Frederico. Feirão, sim porque o negócio do Frederico era vender na feira porcos de criação. Achou que fez bem, casando com uma velha, porque essa velha tinha alguma coisa de seu. Podia aumentar-lhe o negócio com o dote e dar-lhe respeito à casa com os cabelos brancos.
Embora doente, o Frederico era activo e até ambicioso. Madrugava como um pássaro e só adormecia pela noite dentro, depois de ter feito de cabeça as contas do negócio.
Esta labuta, em vez de o enfraquecer, fazia-o homem. O ar livre, respirado de costas direitas e independente, por feiras e caminhos, abria-lhe o apetite. Não tinha cor, mas, de ano para ano, ia-se tornando menos seco e mais robusto. Quando casou, já não era o rapazinho débil que a primeira cava derreara. As moças, quando o viram na igreja receber-se com uma velha, exclamaram: mal empregado!
Não há dúvida que o casório do Frederico foi interesseiro. A velha tinha de seu uma casa ampla, situada fora do povo, mas o quintal... era o melhor pedaço de chão da freguesia. De todas as vezes que o Frederico por ali passava a caminho das feiras, namorava a casa e namorava a cerca. Parecia-lhe que as lojas subjacentes ao prédio e aquele gordo torrão ali ao pé seriam boa cama e refeitório farto para o seu gado. Antes de casar com a proprietária, enamorou-se da propriedade.
Que, valha a verdade, a dona de tão bela regalia - casa e quintal - tinha também seu préstimo. Vivia sozinha e sozinha se desembaraçava de toda a sua lida, que não era pequena. Cavava a horta por suas mãos, fazia de comer, lavava os manachos, ia à lenha, ponteava as meias, remendava as saias e cuidava do vivo como ninguém. O vivo é o porco ou porcos que habitam uma corte. É a biologia sagrada de uma vivenda. O vivo! Significa o ser vivo por excelência. Ora, em sete freguesias pegadas, ninguém cuidava melhor dos entes que grunhem e não vêem o céu do que aquela mulher. O Frederico mercava-lhe as criações a olhos fechados.
Da admiração da obra à admiração da autora mediou um passo. Mulher que tão asseados bichos criava em sua loja merecia que um homem olhasse para ela. Viva! A senhora Aninhas - chamava-se Aninhas - era mulher perfeita.
Destes cumprimentos, destas exclamações sinceras, até ao casamento foi outro passo. A casa, o quintal e a corte passaram por encanto à categoria de empório comercial do Frederico. A loja, povoada de buliçosos bácoros muito limpos, sempre a coinchar com saudades da mama ou fome de lavagem, parecia uma creche de criancinhas ruças. No meio deles, com uma vide na mão, a senhora Aninhas figurava como ama sem touca, mas com uma habilidade, um dedo para aquilo, que espantava o negociante. Com dois ou três monossílabos e umas cócegas feitas com a vide no serro dos inocentes - assim os comandava.
Era manifesta a prosperidade do Frederico em bens comprados ao redor da casa - hoje uma leira, amanhã uma vinha, depois uma mata. Davam-lhe os vizinhos, em suas avaliações mentais um pouco invejosas, para cima de cem contos. Como o vissem assim, tão aumentado de teres, começaram a chamar-lhe Tio Frederico e até senhor Frederico. Tanto tens tanto vales.
É raro que o homem sofra mais do que uma paixão. A paixão do Frederico era o negócio. Amava a mulher como auxiliar da sua prosperidade. Punha-a, no que é consideração, acima do cavalo que o levava à feira. Extasiar-se, só se extasiava diante dos bácoros, que representavam dinheiro. Chamava-os - bicá, bicá - com ternura utilitária.
A mulher não era assim. Vivia para o marido. Solteira até aos cinquenta anos, delirou-se quando se viu casada... e casada com um rapaz novo! Cheia de lágrimas de júbilo na face arregoada pelos anos, arrumava a casa e fazia o jantar do marido. Por amor dele, tornou-se avarenta - sem deixar de ser limpa. Queria-lhe como filho e como esposo. Sabendo-o de compleição delicada, alimentava-o a preceito com ovinhos crus furados com uma navalhinha. Obrigava-o a bebê-los assim, que era, na opinião dela, como faziam melhor. À noite, como o sentisse exausto das jornadas, não se punha a maçá-lo com candonguices. Deixava-o adormecer a contemplá-lo como as mães contemplam os filhos adormecidos no colo.
O Frederico nunca se comovia com a ternura da esposa. Estimava-a como consorte, mas não lhe retribuía o dízimo do carinho. O fito da sua vida era o negócio. A esposa, a casa, o quintal, a corte, os bácoros, eram instrumentos do seu ganha-pão. Estava satisfeito, não arrependido de se ter casado. A senhora Aninhas, ainda que velha, era o seu braço direito na luta que travara contra a doença e contra a pobreza. Era sua sócia. Prezava-a como tal. No dia em que a senhora Aninhas percebeu que não passava de sócia do marido, quis morrer. Lembrou-se do pai e da mãe - teve saudades da vida de solteira. Ter-se-ia arrependido de casar se a não cegasse o orgulho de ter casado com um rapaz novo. Toda desvanecida, evocava a cena do casamento, o nó dado na igreja.
Entretido com o negócio, o Frederico não pensava na mulher. Quando ia pelos caminhos fora, no passo travado do cavalicoque, à cata de porcos finos para criação, pensava em porcos. Nem nas feiras, no auge do barulho, a imagem da mulher lhe acudia. Era um feirão. Movia-o a ânsia de feirar.
Hoje uma vinha, amanhã um campo, depois uma tojeira ou um mata-reco, a pouco e pouco o Frederico ia juntando as peças de um casal formoso. Parecia-lhe, de cada vez que comprava uma propriedade, que aumentava a força física. O desaire sofrido na primeira cava ia vingando.
Toda a energia do Frederico se aguçava no faro do dinheiro. Sabendo-o casado com uma velha, algumas raparigas novas, vestidas de seda vegetal, diziam-lhe de soslaio a sua graça quando o viam nas feiras. Sem lhes dizer vade-retro, sorriam-lhe de vontade, mas o sorriso dele era indulgente, não conivente com o intuito das moças.
A senhora Aninhas não acreditava na inocência do Frederico. Não compreendia que rapaz tão novo jejuasse tanto. Ela não acreditava. Sentia-se preterida por outra ou outras mais novas do que ela. Chamava nomes feios a estas rivais imaginárias. Cheirava a roupa do homem, virava-lhe os bolsos do avesso e inspeccionava-os com minúcia para surpreender qualquer pequena prova de culpa marital. Um dia encontrou um pêlo preto aderente ao colete de pelúcio do marido. Pegou no pêlo, aproximou-o dos olhos do marido e exclamou:
- Está aqui, ladrão! Hei-de pô-lo num relicário até a dona aparecer. Quem ma dera pilhar! Este cabelo é de cigana. Gostas de ciganas, ham?
- Ó mulher, isso não é um cabelo. É uma clina do nosso Mulato, explicou, com vontade de rir, o Frederico.
"Olha, mulher, continuou. O Mulato está na manjadoira. Chega-te a ele e verás que lhe adita a clina."
A senhora Aninhas, meio sorridente, meio confusa, chegou-se a uma janela e soprou o pêlo.
Assim ela varresse para sempre os zelos. Que não varria. Debalde defumava a casa. Debalde mandava às bruxas a camisa do homem para análise. As bruxas davam amiga e que eram precisas rezas e esconjuros: terra de cemitério, sal derramado, sapo cozido, etc. Pobre Aninhas! Cumpria à risca a receita das bruxas. Debalde! Debalde! O seu coração não se aquietava.
Moeu dinheiro a senhora Aninhas para conseguir o apego carnal do Frederico. Embora... Foi contraproducente esse dispêndio. Ele, que a princípio lhe tolerava os ciúmes, a pouco e pouco os aborreceu. Tanto os aborreceu, que os repeliu certa noite com meia dúzia de socos vibrados no rosto velho da senhora Aninhas. Daí por diante, deixou de dormir com ela. Passou a dormir numa tarimba, na loja do Mulato, por cima da manjadoira.
A casa do Frederico ressentia-se desta desavença. Casa que fora limpa antes de a senhora Aninhas se casar e durante anos depois do casamento, deixou de ser casa para ser montureira. Na corte, os bácoros, deitados em más camas, emagreciam antes de ser vendidos, à míngua de refeições pontuais. Cortava o coração ouvi-los grunhir de fome.
O Frederico, homem que fora casto e trabalhador, amoleceu no negócio e deixou-se seduzir pelas moças que rondavam as feiras com o corpo metido em seda vegetal. Emagreceu como os bácoros. Perdeu o apetite.
A senhora Aninhas chorava do coração a magreza do marido. De noite, não dormia. Espreitava-o da janela do quarto para ser se ele saía da cavalariça ou se metia dentro alguma marafona. Os desvarios do Frederico eram perpetrados em Lamego, na Régua e em Vila Real, durante as feiras. Não tinha pacto com vizinha.
Em vão a senhora Aninhas espreitava o Frederico. Nunca o apanhou com a boca na botija, como ela dizia. Uma manhã, porém, da janela do quarto, viu-o cavalgar e partir para uma feira. Responsou-o a Santo António como de costume. Alongou os olhos no rasto do marido. Pôs-se a chorar. Depois olhou indiferente para umas mulheres que passavam debaixo da janela. Provavelmente, iam também à feira. Deixá-las ir... Lá marchava, a rabo delas, sozinho como sempre, o sapateiro da terra. Amigo de passear, ia à vila por cinco réis de nada. Às vezes ia comprar um novelo de fio. Outras vezes, ia comprar meio quilo de sola. Não tinha quem lho comprasse? Farto fosse ele de passear neste mundo e no outro. Atrás do sapateiro, caminhava uma mulher de idade, com o perico do cabelo erecto debaixo de uma mantilha rota. Era a Bártola alcoviteira. Ao lado da Bártola, a olhar para o chão, ia muito melada a Candidinha beata, rapariga linda e bem feita, mas triste como a noite. Que ia ela fazer ao lado de semelhante coira? Não a enojava a sombra de uma coruja? Qual enojava? Olhou a furto para a cavalariça do Mulato, coseu- se com a companheira e lá seguiram ambas por ali abaixo. Ter com quem? No peito da senhora Aninhas, deu-lhe salto o coração. Tate! A sonsa da Candidinha falava com o seu homem.
Ficou a cismar, sem comer nem beber, presa à janela todo o santo dia. Ali ficou até o escurecer. Viu chegar o marido, passar diante da porta do sapateiro, com um rolo de sola debaixo do braço, e, na cauda do cortejo que regressava à aldeia, a sonsa da Candidinha, pisando a sombra da desavergonhada Bártola. Como de manhã, a Candidinha relanceou os olhos à loja do Mulato.
Presa à janela sem comer nem beber, com o peito arfante contra os vidros, a senhora Aninhas, ali especada, assim passou a noite.
Rompia a manhã quando saiu da janela. Tocou o sino às avé-marias, rezou pelas bentas almas. Deitou água num alguidar e lavou a cara. Depois saiu do quarto, entrou a uma pequena sala e abriu uma gaveta. Fechou-a outra vez e fugiu para a rua pelas traseiras da casa. Fez isto tão subtil, que nem o marido nem os porcos deram fé.
Caminhou para a aldeia. Entrou numa rua estreita, deu meia dúzia de passos e logo se esbarrou com a Candidinha, que ia para a missa. Nem bons dias, nem boas tardes. Levantou a mão direita, que levava escondida debaixo do avental. À luz matutina, com um brilho azul, cintilou uma navalha na mão da senhora Aninhas. Foi um relâmpago. A Candidinha caiu redonda, dizendo Jesus e deitando um rio de sangue pelo lado esquerdo do peito. Sangrada, ficou branca como uma açucena.
Quando prenderam a senhora Aninhas, quando a levaram à presença do administrador, quando o carcereiro rodou sobre ela a chave da enxovia, ninguém lhe ouviu um lamento, ninguém lhe viu uma lágrima. Encarava as pessoas com expressão alegre. Voava-lhe ao vento a cabeleira branca como um pendão de vitória.
A senhora Aninhas foi condenada a pena maior. Ao ouvir ler a sentença, deu uma grande risada. Recolheu à cadeia, entre duas praças da Guarda, com a cabeleira branca esvoaçante como um pendão de vitória.
Com a justiça, o homem arruinou a casa, já desfalcada antes do crime por amor dos zelos da senhora Aninhas. No dia seguinte ao julgamento, o Frederico foi à cadeia visitar a mulher. Mal que o viu, a velha atraiu-o às grades com palavras meigas. Ele aproximou-se confiado e comovido, mas a senhora Aninhas, em vez de lhe fazer festas, escarrou- lhe na cara e ainda por cima lhe chamou porco.
Chamou-lhe porco e riu-se como uma doida.
Quando o Frederico, de volta ao lar deserto, a pé, que vendera o cavalo, se queixou aos amigos de tanta desgraça junta, consolaram-no os amigos, dizendo:
- Olha, Frederico. As velhas são o Diabo!
(Da Terra Ingrata, 1946)Antologia do Conto Português Contemporâneo, selecção,
prefácio e notas biobibliográficas de Álvaro Salema,
Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Ministério da
Educação, Lisboa 1984, pp. 57-62
Este disparate de idades pareceu acertado ao Frederico no dia em que se casou. Ele era um rapaz doente e pobre. Tinha-se estreado como cavador, mas não provara bem na enxada. Derreou-o a primeira cava para toda a vida. Era um pelém. Desistiu da vinha e fez-se comerciante. Melhor dizendo, fez-se feirão, porque a palavra comerciante é fina de mais para se aplicar ao modo de vida do Frederico. Feirão, sim porque o negócio do Frederico era vender na feira porcos de criação. Achou que fez bem, casando com uma velha, porque essa velha tinha alguma coisa de seu. Podia aumentar-lhe o negócio com o dote e dar-lhe respeito à casa com os cabelos brancos.
Embora doente, o Frederico era activo e até ambicioso. Madrugava como um pássaro e só adormecia pela noite dentro, depois de ter feito de cabeça as contas do negócio.
Esta labuta, em vez de o enfraquecer, fazia-o homem. O ar livre, respirado de costas direitas e independente, por feiras e caminhos, abria-lhe o apetite. Não tinha cor, mas, de ano para ano, ia-se tornando menos seco e mais robusto. Quando casou, já não era o rapazinho débil que a primeira cava derreara. As moças, quando o viram na igreja receber-se com uma velha, exclamaram: mal empregado!
Não há dúvida que o casório do Frederico foi interesseiro. A velha tinha de seu uma casa ampla, situada fora do povo, mas o quintal... era o melhor pedaço de chão da freguesia. De todas as vezes que o Frederico por ali passava a caminho das feiras, namorava a casa e namorava a cerca. Parecia-lhe que as lojas subjacentes ao prédio e aquele gordo torrão ali ao pé seriam boa cama e refeitório farto para o seu gado. Antes de casar com a proprietária, enamorou-se da propriedade.
Que, valha a verdade, a dona de tão bela regalia - casa e quintal - tinha também seu préstimo. Vivia sozinha e sozinha se desembaraçava de toda a sua lida, que não era pequena. Cavava a horta por suas mãos, fazia de comer, lavava os manachos, ia à lenha, ponteava as meias, remendava as saias e cuidava do vivo como ninguém. O vivo é o porco ou porcos que habitam uma corte. É a biologia sagrada de uma vivenda. O vivo! Significa o ser vivo por excelência. Ora, em sete freguesias pegadas, ninguém cuidava melhor dos entes que grunhem e não vêem o céu do que aquela mulher. O Frederico mercava-lhe as criações a olhos fechados.
Da admiração da obra à admiração da autora mediou um passo. Mulher que tão asseados bichos criava em sua loja merecia que um homem olhasse para ela. Viva! A senhora Aninhas - chamava-se Aninhas - era mulher perfeita.
Destes cumprimentos, destas exclamações sinceras, até ao casamento foi outro passo. A casa, o quintal e a corte passaram por encanto à categoria de empório comercial do Frederico. A loja, povoada de buliçosos bácoros muito limpos, sempre a coinchar com saudades da mama ou fome de lavagem, parecia uma creche de criancinhas ruças. No meio deles, com uma vide na mão, a senhora Aninhas figurava como ama sem touca, mas com uma habilidade, um dedo para aquilo, que espantava o negociante. Com dois ou três monossílabos e umas cócegas feitas com a vide no serro dos inocentes - assim os comandava.
Era manifesta a prosperidade do Frederico em bens comprados ao redor da casa - hoje uma leira, amanhã uma vinha, depois uma mata. Davam-lhe os vizinhos, em suas avaliações mentais um pouco invejosas, para cima de cem contos. Como o vissem assim, tão aumentado de teres, começaram a chamar-lhe Tio Frederico e até senhor Frederico. Tanto tens tanto vales.
É raro que o homem sofra mais do que uma paixão. A paixão do Frederico era o negócio. Amava a mulher como auxiliar da sua prosperidade. Punha-a, no que é consideração, acima do cavalo que o levava à feira. Extasiar-se, só se extasiava diante dos bácoros, que representavam dinheiro. Chamava-os - bicá, bicá - com ternura utilitária.
A mulher não era assim. Vivia para o marido. Solteira até aos cinquenta anos, delirou-se quando se viu casada... e casada com um rapaz novo! Cheia de lágrimas de júbilo na face arregoada pelos anos, arrumava a casa e fazia o jantar do marido. Por amor dele, tornou-se avarenta - sem deixar de ser limpa. Queria-lhe como filho e como esposo. Sabendo-o de compleição delicada, alimentava-o a preceito com ovinhos crus furados com uma navalhinha. Obrigava-o a bebê-los assim, que era, na opinião dela, como faziam melhor. À noite, como o sentisse exausto das jornadas, não se punha a maçá-lo com candonguices. Deixava-o adormecer a contemplá-lo como as mães contemplam os filhos adormecidos no colo.
O Frederico nunca se comovia com a ternura da esposa. Estimava-a como consorte, mas não lhe retribuía o dízimo do carinho. O fito da sua vida era o negócio. A esposa, a casa, o quintal, a corte, os bácoros, eram instrumentos do seu ganha-pão. Estava satisfeito, não arrependido de se ter casado. A senhora Aninhas, ainda que velha, era o seu braço direito na luta que travara contra a doença e contra a pobreza. Era sua sócia. Prezava-a como tal. No dia em que a senhora Aninhas percebeu que não passava de sócia do marido, quis morrer. Lembrou-se do pai e da mãe - teve saudades da vida de solteira. Ter-se-ia arrependido de casar se a não cegasse o orgulho de ter casado com um rapaz novo. Toda desvanecida, evocava a cena do casamento, o nó dado na igreja.
Entretido com o negócio, o Frederico não pensava na mulher. Quando ia pelos caminhos fora, no passo travado do cavalicoque, à cata de porcos finos para criação, pensava em porcos. Nem nas feiras, no auge do barulho, a imagem da mulher lhe acudia. Era um feirão. Movia-o a ânsia de feirar.
Hoje uma vinha, amanhã um campo, depois uma tojeira ou um mata-reco, a pouco e pouco o Frederico ia juntando as peças de um casal formoso. Parecia-lhe, de cada vez que comprava uma propriedade, que aumentava a força física. O desaire sofrido na primeira cava ia vingando.
Toda a energia do Frederico se aguçava no faro do dinheiro. Sabendo-o casado com uma velha, algumas raparigas novas, vestidas de seda vegetal, diziam-lhe de soslaio a sua graça quando o viam nas feiras. Sem lhes dizer vade-retro, sorriam-lhe de vontade, mas o sorriso dele era indulgente, não conivente com o intuito das moças.
A senhora Aninhas não acreditava na inocência do Frederico. Não compreendia que rapaz tão novo jejuasse tanto. Ela não acreditava. Sentia-se preterida por outra ou outras mais novas do que ela. Chamava nomes feios a estas rivais imaginárias. Cheirava a roupa do homem, virava-lhe os bolsos do avesso e inspeccionava-os com minúcia para surpreender qualquer pequena prova de culpa marital. Um dia encontrou um pêlo preto aderente ao colete de pelúcio do marido. Pegou no pêlo, aproximou-o dos olhos do marido e exclamou:
- Está aqui, ladrão! Hei-de pô-lo num relicário até a dona aparecer. Quem ma dera pilhar! Este cabelo é de cigana. Gostas de ciganas, ham?
- Ó mulher, isso não é um cabelo. É uma clina do nosso Mulato, explicou, com vontade de rir, o Frederico.
"Olha, mulher, continuou. O Mulato está na manjadoira. Chega-te a ele e verás que lhe adita a clina."
A senhora Aninhas, meio sorridente, meio confusa, chegou-se a uma janela e soprou o pêlo.
Assim ela varresse para sempre os zelos. Que não varria. Debalde defumava a casa. Debalde mandava às bruxas a camisa do homem para análise. As bruxas davam amiga e que eram precisas rezas e esconjuros: terra de cemitério, sal derramado, sapo cozido, etc. Pobre Aninhas! Cumpria à risca a receita das bruxas. Debalde! Debalde! O seu coração não se aquietava.
Moeu dinheiro a senhora Aninhas para conseguir o apego carnal do Frederico. Embora... Foi contraproducente esse dispêndio. Ele, que a princípio lhe tolerava os ciúmes, a pouco e pouco os aborreceu. Tanto os aborreceu, que os repeliu certa noite com meia dúzia de socos vibrados no rosto velho da senhora Aninhas. Daí por diante, deixou de dormir com ela. Passou a dormir numa tarimba, na loja do Mulato, por cima da manjadoira.
A casa do Frederico ressentia-se desta desavença. Casa que fora limpa antes de a senhora Aninhas se casar e durante anos depois do casamento, deixou de ser casa para ser montureira. Na corte, os bácoros, deitados em más camas, emagreciam antes de ser vendidos, à míngua de refeições pontuais. Cortava o coração ouvi-los grunhir de fome.
O Frederico, homem que fora casto e trabalhador, amoleceu no negócio e deixou-se seduzir pelas moças que rondavam as feiras com o corpo metido em seda vegetal. Emagreceu como os bácoros. Perdeu o apetite.
A senhora Aninhas chorava do coração a magreza do marido. De noite, não dormia. Espreitava-o da janela do quarto para ser se ele saía da cavalariça ou se metia dentro alguma marafona. Os desvarios do Frederico eram perpetrados em Lamego, na Régua e em Vila Real, durante as feiras. Não tinha pacto com vizinha.
Em vão a senhora Aninhas espreitava o Frederico. Nunca o apanhou com a boca na botija, como ela dizia. Uma manhã, porém, da janela do quarto, viu-o cavalgar e partir para uma feira. Responsou-o a Santo António como de costume. Alongou os olhos no rasto do marido. Pôs-se a chorar. Depois olhou indiferente para umas mulheres que passavam debaixo da janela. Provavelmente, iam também à feira. Deixá-las ir... Lá marchava, a rabo delas, sozinho como sempre, o sapateiro da terra. Amigo de passear, ia à vila por cinco réis de nada. Às vezes ia comprar um novelo de fio. Outras vezes, ia comprar meio quilo de sola. Não tinha quem lho comprasse? Farto fosse ele de passear neste mundo e no outro. Atrás do sapateiro, caminhava uma mulher de idade, com o perico do cabelo erecto debaixo de uma mantilha rota. Era a Bártola alcoviteira. Ao lado da Bártola, a olhar para o chão, ia muito melada a Candidinha beata, rapariga linda e bem feita, mas triste como a noite. Que ia ela fazer ao lado de semelhante coira? Não a enojava a sombra de uma coruja? Qual enojava? Olhou a furto para a cavalariça do Mulato, coseu- se com a companheira e lá seguiram ambas por ali abaixo. Ter com quem? No peito da senhora Aninhas, deu-lhe salto o coração. Tate! A sonsa da Candidinha falava com o seu homem.
Ficou a cismar, sem comer nem beber, presa à janela todo o santo dia. Ali ficou até o escurecer. Viu chegar o marido, passar diante da porta do sapateiro, com um rolo de sola debaixo do braço, e, na cauda do cortejo que regressava à aldeia, a sonsa da Candidinha, pisando a sombra da desavergonhada Bártola. Como de manhã, a Candidinha relanceou os olhos à loja do Mulato.
Presa à janela sem comer nem beber, com o peito arfante contra os vidros, a senhora Aninhas, ali especada, assim passou a noite.
Rompia a manhã quando saiu da janela. Tocou o sino às avé-marias, rezou pelas bentas almas. Deitou água num alguidar e lavou a cara. Depois saiu do quarto, entrou a uma pequena sala e abriu uma gaveta. Fechou-a outra vez e fugiu para a rua pelas traseiras da casa. Fez isto tão subtil, que nem o marido nem os porcos deram fé.
Caminhou para a aldeia. Entrou numa rua estreita, deu meia dúzia de passos e logo se esbarrou com a Candidinha, que ia para a missa. Nem bons dias, nem boas tardes. Levantou a mão direita, que levava escondida debaixo do avental. À luz matutina, com um brilho azul, cintilou uma navalha na mão da senhora Aninhas. Foi um relâmpago. A Candidinha caiu redonda, dizendo Jesus e deitando um rio de sangue pelo lado esquerdo do peito. Sangrada, ficou branca como uma açucena.
Quando prenderam a senhora Aninhas, quando a levaram à presença do administrador, quando o carcereiro rodou sobre ela a chave da enxovia, ninguém lhe ouviu um lamento, ninguém lhe viu uma lágrima. Encarava as pessoas com expressão alegre. Voava-lhe ao vento a cabeleira branca como um pendão de vitória.
A senhora Aninhas foi condenada a pena maior. Ao ouvir ler a sentença, deu uma grande risada. Recolheu à cadeia, entre duas praças da Guarda, com a cabeleira branca esvoaçante como um pendão de vitória.
Com a justiça, o homem arruinou a casa, já desfalcada antes do crime por amor dos zelos da senhora Aninhas. No dia seguinte ao julgamento, o Frederico foi à cadeia visitar a mulher. Mal que o viu, a velha atraiu-o às grades com palavras meigas. Ele aproximou-se confiado e comovido, mas a senhora Aninhas, em vez de lhe fazer festas, escarrou- lhe na cara e ainda por cima lhe chamou porco.
Chamou-lhe porco e riu-se como uma doida.
Quando o Frederico, de volta ao lar deserto, a pé, que vendera o cavalo, se queixou aos amigos de tanta desgraça junta, consolaram-no os amigos, dizendo:
- Olha, Frederico. As velhas são o Diabo!
(Da Terra Ingrata, 1946)Antologia do Conto Português Contemporâneo, selecção,
prefácio e notas biobibliográficas de Álvaro Salema,
Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Ministério da
Educação, Lisboa 1984, pp. 57-62
E numa manhã de Outubro, estava já frio, parti. Penalva ficava no alto de um monte. Chego na camioneta com a mala, conheço a casa, é na Rua do Marquês, já lá tinha vindo com as minhas tias a combinar. Bato à porta, a senhora Guilhermina espreita a uma janela, é uma cidade quase deserta, imóvel na eternidade. O trinco da porta estala, eu subo uma larga escada de madeira. A senhora Guilhermina está ao alto, imóvel, os braços crescem-lhe para os lados, um sorriso cresce-lhe na boca. Dá-me muitos beijos calados, diz-me em voz soprada que
- Não faças barulho.
Os meus sapatos rangem no soalho.
- Não faças barulho!
Ferreira, Vergílio, Para sempre, romance, 2 edição,
Livraria Bertrand, Lisboa 1983, pp. 57-61
Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser.
Fernando Pessoa
- Não faças barulho.
Os meus sapatos rangem no soalho.
- Não faças barulho!
Ferreira, Vergílio, Para sempre, romance, 2 edição,
Livraria Bertrand, Lisboa 1983, pp. 57-61
Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser.
Fernando Pessoa
Bom, se falamos de diálogos, … é uma chatisse…
Santa audácia! Bizarra índole de antigo cavaleiro, que abriga no peito a generosidade com que os heróis dos Lobeiras, Cervantes, Barros e Morais se lançavam às aventurosas lides, no intento de corrigir vícios e endireitar as tortuosidades da humana maldade!
Não desanimou Calisto Elói, tão desabridamente rebatido por D. Catarina Sarmento.
Averigou quem fosse o galã daquela cega dama, e facilmente lho nomearam. Era um gentil moço, useiro e vezeiro de similhantes baldas, enfatuado dela, e respondendo por si com sabre ou florete, quando gente intrometida em vidas alheias lhe falava à mão.
O informador do orgado explanou difusamente as qualidades do sujeito, relatando as vítimas, e os acutilados na defesa delas.
Ocorreu à memória de Calisto aquela apostólica e heróica intrepidez de Fr. Bartolomeu dos Mártires, quando foi a defrontar-se com um criminoso e façanhudo balio, que prometia engolir o arcebispo de Braga, e o colégio dos cardeais com o próprio papa, se necessário fosse! Grande coisa é ter lido os bons clássicos, se desejamos saber a língua portuguesa, e criar alentos para atacar velhacos!
Aí vai o esforçado Calisto Elói de Silos em demanda de D. Bruno de Mascarenhas. Um escudeiro anuncia ao fidalgo um ratazana.
- Quem é um ratazana? - pergunta D. Bruno.
- É um sujeitório - diz o criado - vestido ratonamente, e não diz o nome, porque V. Ex.a o não conhece.
- Que quer ele?
- Falar com V. Ex.a.
- Vai perguntar-lhe quem é, donde vem, e que quer.
Interrogou o criado com mau semblante o morgado.
Calisto escreveu numa página rasgada da carteira, e perguntou ao criado se sabia ler. Disse que não o interrogado.
- Pois entrega esse papel a S. Ex.a.
D. Bruno leu, meditou algum espaço, e perguntou:
- Sabes se em casa do desembargador Sarmento há algum criado chamado Custódio?
- Não, senhor, não havia até ontem; só se entrou hoje.
- Esse homem que aí está dá ares de criado? - Não, senhor: é assim um jarreta vestido à antiga, com uma gravata que parece um colete.
- Manda o entrar para aqui.
D. Bruno releu a linha escrita a lápis, e disse entre si:
- Que Custódio é este!?
Nisto, assomou Calisto Elói.
Bruno de Mascarenhas adiantou-se a recebê-lo, e disse-lhe maravilhado:
- Eu já tive a honra de cumprimentar a V. Ex.a no escritório da Nacão. V. Ex.a é o sr. Calisto Elói de Barbuda.
- Sou, e agora me recordo que já tive o prazer de o encontrar...
- Mas V. Ex.a neste bilhete diz que é Custódio! - tornou Bruno.
- Custódio, que é sinónimo de anjo-da-guarda, ou anjo-custódio da Ex.ma Sr.a D. Catarina Sarmento.
Abriu o moço a boca, e disse:
- Ah! ... Agora é que eu percebo ... Mas ... queira V. Ex.a sentar- se... Eu não sei que alusão possa ser esta... que... a respeito de...
Calisto sentou-se, estendeu o braço direito com a mão aberta, e atalhou o enleio de Bruno dizendo solenemente:
- Vou falar.
E, após curta pausa, relanceou discretamente os olhos à porta, como quem receia ser ouvido.
- Pode V. Ex.a falar, que eu fecho a porta - disse o confuso Mascarenhas.
- O sr. Bruno de Mascarenhas - prosseguiu o morgado - é solteiro. Cedo ou tarde há-de ser casado, porque é varão de preclaríssima linhagem, e duas forças invencíveis hão-de compeli-lo a propagar-se: o sentimento congénito da espécie, e a glória, que vanglória não é, da prossecucão da raça.
(Este exórdio abrupto envencilhou os espíritos de D. Bruno, os quais eram pouco entendidos em estilo garrafal.)
- Façamos de conta - prosseguiu Calisto - que V. Ex.a é hoje, como será, volvidos meses ou anos, casado com uma dama igual em sangue, de honrada fama, acatada do conceito geral, dama enfim, na qual V. Ex.a empregou suas complacências todas. À boa dita de esposo sucede-lhe a prosperidade de pai. Vê V. Ex.a em redor de si umas alegres criancinhas, que o beijam e o furtam, com graciosas blandícias, às graves cogitaç.ões nos negócios, e aos aborrimentos que salteiam as existências mais descuidadas e desprendidas. A mãe dos filhinhos de V. Ex.a é o cofre de oiro; as crianças são as jóias inestimáveis que V. Ex.a lá encontrou e lá encerra.
A mãe é a flor, os filhos são o fruto. V. Ex.a arde de amores deles e dela. Porque a sua família é não somente a sua alegria doméstica, senão que lhe é fora de casa um pregão da honestidade e honra que vai nela.
De repente, quando V. Ex.a está meditando nos júbilos da velhice, com seus filhos já homens com sua esposa laureada pelas cãs sem mácula, de repente, digo, há um amigo em lágrimas, ou um inimigo secretamente satisfeito, que lhe diz: "Tua mulher desonra-te; essas crianças, que tu afagas, e para quem estás multiplicando os teus haveres, podem não ser teus filhos, porque tua mulher prevaricou." Pergunto eu ao Ex.mo Bruno de MascarenhasC, a sua agonia, nessa hora de atroz revelacão, como hão-de expressá-la os que a não sentiram ainda?
- Não sei... - respondeu Bruno. - Só no caso de se darem as circunstâncias que V. Ex.a diz, é que se pode responder.
- Todavia, o seu entendimento e coracão, já antes da experiência, podem antever qual deva ser a agonia do marido desonrado pela ignomínia de sua mulher...
- Sim...
- Até aqui a hipótese em V. Ex.a; agora o exemplo em Duarte de Malafaia, marido de D. Catarina Sarmento. Duarte era rico, e dos mais fidalgos; por excessod e amor casou com D. Catarina, filha de um nobilíssimo cavalheiro, porém magistrado empobrecido pelos desconcertos da política. Duarte entrou naquela casa, restaurou a decência antiga, e encostou ao seio as cãs do magistrado octogenário, assegurando-lhe o sossego e contentamentos dos anos últimos da vida.
Decorridos cinco anos, Duarte tem cinco filhos. São anjos que descem a povoar o paraíso daquela ditosa família. Brincam à volta de sua mãe, e como que lhe estão dando os alegres emboras da felicidade que ele está gozando, e lhe augura a eles.
É neste ensejo que o inferno se abre aos pés desta família honrada e ditosa. Surge das tenebrosas agonias um homem que despedaça às mãos os laços humanos e divinos da santa união do velho, da filha, do genro, e dos netos. Ora, o homem que os assaltou no seu éden foi o sr. D. Bruno de Mascarenhas.
- Eu! ... - exclamou o moço com artificial espanto.
- V. Ex.a. Vejo-o admirado, não sei se da minha afoiteza, se da responsabilidade que lhe pesa, sr. D. Bruno!
- Mas o que houve em casa do Sarmento? - perguntou alvoroçado o fidalgo. - O que eu antes de ontem vi foi a face do ancião lavada de lágrimas. O que eu vi ontem à noite foi Duarte de Malafaia fitar os olhos nas criancinhas, e escondê-los para que o não vissem chorar. O que hoje verei em casa do desembargador Sarmento, se V. Ex.a o não pressagia... Não temos tempo para conjecturas; a chaga deve ser cauterizada já, para não ser gangrena amanhã. Quer V. Ex.a ajudar-me a conjurar a nuvem negra que vai rasgar-se em torrentes de desgraças?
D. Bruno reflectiu dois segundos, como se houvesse pejo de responder, no primeiro instante:
- Da melhor vontade. Eu desisto destas relações, para evitar desgostos sérios à sr.a D. Catarina.
- Fala-me um honrado português, que tem o apelido dos Mascarenhas? - perguntou com solenidade o Barbuda.
- Juro pela honra de meus avós.
- Que vai fazer V. Ex.a? - tornou Calisto.
- Antecipo um passeio que mais tarde tencionava fazer à Europa. Parto no paquete de amanhã para França.
- Sem dizer nem fazer saber à sr.a D. Catarina que esteve aqui um amigo do desembargador Sarmento.
- Nada direi, sr. Barbuda.
- Aperto-lhe e beijo esta mão. Agradeço-lho em nome dos cinco filhos de Duarte Malafaia, ou dos cinco anjos que lhe chamam pai.
E saiu com os olhos marejados.
Castelo Branco, Camilo, A Queda dum Anjo, Livros Unibolso,
Editores Associados, Lisboa s.a., 71-74
Santa audácia! Bizarra índole de antigo cavaleiro, que abriga no peito a generosidade com que os heróis dos Lobeiras, Cervantes, Barros e Morais se lançavam às aventurosas lides, no intento de corrigir vícios e endireitar as tortuosidades da humana maldade!
Não desanimou Calisto Elói, tão desabridamente rebatido por D. Catarina Sarmento.
Averigou quem fosse o galã daquela cega dama, e facilmente lho nomearam. Era um gentil moço, useiro e vezeiro de similhantes baldas, enfatuado dela, e respondendo por si com sabre ou florete, quando gente intrometida em vidas alheias lhe falava à mão.
O informador do orgado explanou difusamente as qualidades do sujeito, relatando as vítimas, e os acutilados na defesa delas.
Ocorreu à memória de Calisto aquela apostólica e heróica intrepidez de Fr. Bartolomeu dos Mártires, quando foi a defrontar-se com um criminoso e façanhudo balio, que prometia engolir o arcebispo de Braga, e o colégio dos cardeais com o próprio papa, se necessário fosse! Grande coisa é ter lido os bons clássicos, se desejamos saber a língua portuguesa, e criar alentos para atacar velhacos!
Aí vai o esforçado Calisto Elói de Silos em demanda de D. Bruno de Mascarenhas. Um escudeiro anuncia ao fidalgo um ratazana.
- Quem é um ratazana? - pergunta D. Bruno.
- É um sujeitório - diz o criado - vestido ratonamente, e não diz o nome, porque V. Ex.a o não conhece.
- Que quer ele?
- Falar com V. Ex.a.
- Vai perguntar-lhe quem é, donde vem, e que quer.
Interrogou o criado com mau semblante o morgado.
Calisto escreveu numa página rasgada da carteira, e perguntou ao criado se sabia ler. Disse que não o interrogado.
- Pois entrega esse papel a S. Ex.a.
D. Bruno leu, meditou algum espaço, e perguntou:
- Sabes se em casa do desembargador Sarmento há algum criado chamado Custódio?
- Não, senhor, não havia até ontem; só se entrou hoje.
- Esse homem que aí está dá ares de criado? - Não, senhor: é assim um jarreta vestido à antiga, com uma gravata que parece um colete.
- Manda o entrar para aqui.
D. Bruno releu a linha escrita a lápis, e disse entre si:
- Que Custódio é este!?
Nisto, assomou Calisto Elói.
Bruno de Mascarenhas adiantou-se a recebê-lo, e disse-lhe maravilhado:
- Eu já tive a honra de cumprimentar a V. Ex.a no escritório da Nacão. V. Ex.a é o sr. Calisto Elói de Barbuda.
- Sou, e agora me recordo que já tive o prazer de o encontrar...
- Mas V. Ex.a neste bilhete diz que é Custódio! - tornou Bruno.
- Custódio, que é sinónimo de anjo-da-guarda, ou anjo-custódio da Ex.ma Sr.a D. Catarina Sarmento.
Abriu o moço a boca, e disse:
- Ah! ... Agora é que eu percebo ... Mas ... queira V. Ex.a sentar- se... Eu não sei que alusão possa ser esta... que... a respeito de...
Calisto sentou-se, estendeu o braço direito com a mão aberta, e atalhou o enleio de Bruno dizendo solenemente:
- Vou falar.
E, após curta pausa, relanceou discretamente os olhos à porta, como quem receia ser ouvido.
- Pode V. Ex.a falar, que eu fecho a porta - disse o confuso Mascarenhas.
- O sr. Bruno de Mascarenhas - prosseguiu o morgado - é solteiro. Cedo ou tarde há-de ser casado, porque é varão de preclaríssima linhagem, e duas forças invencíveis hão-de compeli-lo a propagar-se: o sentimento congénito da espécie, e a glória, que vanglória não é, da prossecucão da raça.
(Este exórdio abrupto envencilhou os espíritos de D. Bruno, os quais eram pouco entendidos em estilo garrafal.)
- Façamos de conta - prosseguiu Calisto - que V. Ex.a é hoje, como será, volvidos meses ou anos, casado com uma dama igual em sangue, de honrada fama, acatada do conceito geral, dama enfim, na qual V. Ex.a empregou suas complacências todas. À boa dita de esposo sucede-lhe a prosperidade de pai. Vê V. Ex.a em redor de si umas alegres criancinhas, que o beijam e o furtam, com graciosas blandícias, às graves cogitaç.ões nos negócios, e aos aborrimentos que salteiam as existências mais descuidadas e desprendidas. A mãe dos filhinhos de V. Ex.a é o cofre de oiro; as crianças são as jóias inestimáveis que V. Ex.a lá encontrou e lá encerra.
A mãe é a flor, os filhos são o fruto. V. Ex.a arde de amores deles e dela. Porque a sua família é não somente a sua alegria doméstica, senão que lhe é fora de casa um pregão da honestidade e honra que vai nela.
De repente, quando V. Ex.a está meditando nos júbilos da velhice, com seus filhos já homens com sua esposa laureada pelas cãs sem mácula, de repente, digo, há um amigo em lágrimas, ou um inimigo secretamente satisfeito, que lhe diz: "Tua mulher desonra-te; essas crianças, que tu afagas, e para quem estás multiplicando os teus haveres, podem não ser teus filhos, porque tua mulher prevaricou." Pergunto eu ao Ex.mo Bruno de MascarenhasC, a sua agonia, nessa hora de atroz revelacão, como hão-de expressá-la os que a não sentiram ainda?
- Não sei... - respondeu Bruno. - Só no caso de se darem as circunstâncias que V. Ex.a diz, é que se pode responder.
- Todavia, o seu entendimento e coracão, já antes da experiência, podem antever qual deva ser a agonia do marido desonrado pela ignomínia de sua mulher...
- Sim...
- Até aqui a hipótese em V. Ex.a; agora o exemplo em Duarte de Malafaia, marido de D. Catarina Sarmento. Duarte era rico, e dos mais fidalgos; por excessod e amor casou com D. Catarina, filha de um nobilíssimo cavalheiro, porém magistrado empobrecido pelos desconcertos da política. Duarte entrou naquela casa, restaurou a decência antiga, e encostou ao seio as cãs do magistrado octogenário, assegurando-lhe o sossego e contentamentos dos anos últimos da vida.
Decorridos cinco anos, Duarte tem cinco filhos. São anjos que descem a povoar o paraíso daquela ditosa família. Brincam à volta de sua mãe, e como que lhe estão dando os alegres emboras da felicidade que ele está gozando, e lhe augura a eles.
É neste ensejo que o inferno se abre aos pés desta família honrada e ditosa. Surge das tenebrosas agonias um homem que despedaça às mãos os laços humanos e divinos da santa união do velho, da filha, do genro, e dos netos. Ora, o homem que os assaltou no seu éden foi o sr. D. Bruno de Mascarenhas.
- Eu! ... - exclamou o moço com artificial espanto.
- V. Ex.a. Vejo-o admirado, não sei se da minha afoiteza, se da responsabilidade que lhe pesa, sr. D. Bruno!
- Mas o que houve em casa do Sarmento? - perguntou alvoroçado o fidalgo. - O que eu antes de ontem vi foi a face do ancião lavada de lágrimas. O que eu vi ontem à noite foi Duarte de Malafaia fitar os olhos nas criancinhas, e escondê-los para que o não vissem chorar. O que hoje verei em casa do desembargador Sarmento, se V. Ex.a o não pressagia... Não temos tempo para conjecturas; a chaga deve ser cauterizada já, para não ser gangrena amanhã. Quer V. Ex.a ajudar-me a conjurar a nuvem negra que vai rasgar-se em torrentes de desgraças?
D. Bruno reflectiu dois segundos, como se houvesse pejo de responder, no primeiro instante:
- Da melhor vontade. Eu desisto destas relações, para evitar desgostos sérios à sr.a D. Catarina.
- Fala-me um honrado português, que tem o apelido dos Mascarenhas? - perguntou com solenidade o Barbuda.
- Juro pela honra de meus avós.
- Que vai fazer V. Ex.a? - tornou Calisto.
- Antecipo um passeio que mais tarde tencionava fazer à Europa. Parto no paquete de amanhã para França.
- Sem dizer nem fazer saber à sr.a D. Catarina que esteve aqui um amigo do desembargador Sarmento.
- Nada direi, sr. Barbuda.
- Aperto-lhe e beijo esta mão. Agradeço-lho em nome dos cinco filhos de Duarte Malafaia, ou dos cinco anjos que lhe chamam pai.
E saiu com os olhos marejados.
Castelo Branco, Camilo, A Queda dum Anjo, Livros Unibolso,
Editores Associados, Lisboa s.a., 71-74
E, o diabo é que, isto está muito bem escrito. Mas bem escrito mesmo!
Dei por as coisas acontecerem quando o Joãozinho começou a chorar. Eu estava no jardim preocupada com a febre das roseiras, a construir uma tenda que as protegesse do vento e do início não julguei que fosse a criança a chamar-me mas uma pomba viúva num cedro ou um ganso perdido no novelo dos buxos até que me puxaram a saia, eu sem me voltar
- Quieto Adamastor
o vento tombou de súbito, as pás do moinho calaram-se, os gerânios e as estrelícias deixaram de murmurar nos canteiros, escutava-se a bica da água na piscina e um risinho de corvo sobre as faias, o lobo da Alsácia, a gemer, arrepanhava-me a saia, eu enxotando o animal com o pé
- Quieto Adamastor
e uma vozinha sufocada de lágrimas lá em baixo, pendurando-se-me na roupa
- Não é o Adamastor Titina sou eu
de modo que lhe peguei ao colo, procurei um joelho esfolado que era o que sucedia a cada passo, tropeçar nos cubos dos guarda-sóis, bater numa estátua, magoar-se na pedra dos canteiros, separei-lhe a franja com medo de ver sangue
- O menino caiu?
e nem feridas, nem sangue, nem arranhões, nem um nódoa de lama sequer, só um dedo apontado, o nariz no meu pescoço, um estremeção de lágrimas
- A mãe o pai a mãe o pai
e portanto dei por as coisas acontecerem quando o Joãozinho começou a chorar. Hoje pergunto-me se não devia ter feito alguma coisa na época em que principiaram as questões entre o senhor doutor e a senhora dado que quer um quer outro me escutavam, a senhora por exemplo era rara a manhã em que não me pedia opinião sobre isto ou sobre aquilo, as criadas, as despesas, a casa
- O que achas Titina?
e o próprio senhor doutor, tão diferente do homem em que se tornou depois, me convocava ao escritório e me mandava sentar como se fosse igual a ele para falar do estábulo ou da horta ou das alterações no pomar
- Dá aqui uma ajuda Titina
o Joãozinho sem feridas, sem sangue, sem arranhões, sem uma nódoa de lama, só um dedo apontado, o nariz no meu pescoço, um estremeção de lágrimas
- A mãe o pai a mãe o pai
e caminhei para casa esquecida da febre das roseiras, com a minha sombra e a sombra da criança confundidas como se o menino fosse meu, como ainda hoje, que ele cresceu, teve filhos, o senhor doutor me expulsou da quinta, os do tribunal expulsaram o menino e deixei de o ver, continuo a pensar que era meu, que é meu, foi comigo que ele começou a andar e a falar, era comigo que adormecia, era por mim que a meio da noite chamava, apavorado com o escuro
- Estão ali os lobos Titina
eu a embalá-lo, a acariciar-lhe as mãos, a afagar- lhe a cara até os lobos se irem embora e os gatunos se sumirem, até julgar que ele dormia, lhe soltar devagarinho os dedos, me levantar, me aproximar da porta e a voz do Joãozinho
- Titina
o menino que me pertencia por preferir estar comigo a estar com o senhor doutor e a senhora, me acompanhava, pegado a mim, à cozinha, à sala de costura, ao correio, à confeitaria e ao mercado a Palmela, me fazia desenhos no livro das contas, me fazia barcos de papel com as facturas, a quem dava banho e levava ao médico, para quem descascava a fruta, a cortava aos bocadinhos e esmagava as aspirinas numa colher de açúcar, que limpava, que vestia, o Joãozinho que não pertencia aos pais, me pertencia, o filho que apesar de não ter tido era meu, agarrado a mim com toda a força que podia
- O que aconteceu Joãozinho?
a porta do quarto aberta e o senhor doutor e a senhora a discutirem, a senhora a tirar roupa das gavetas e a amontoá- la na cama, a tirar as escovas da cómoda, a arrancar vestidos dos cabides, a pisar blusas, a pisar êcharpes, a pisar aquelas calças lindas de cetim que usava quando tinha visitas e arrastava agora atrás de si presas a um salto, não uma senhora mas duas ou três senhoras reflectidas em ângulos diferentes nos espelhos, e o senhor doutor também dois ou três senhores doutores gesticulando uns com os outros como ese estivessem zangados consigo mesmos, não com a senhora, a impedirem-lhe a passagem e a senhora, que não a conhecia assim, ameaçando-os com os secador do cabelo
- Larga-me
a lutar com aqueles senhores doutores todos
- Larguem-me
o senhor doutor a agarrar no secador e a desfazê-lo no tampo da cómoda
- Quem é o tipo quero saber quem é o tipo Isabel
uma caixa de pó-de-arroz esmagada, frascos de perfume no chão, o abajur da mesinha de cabeceira em pedaçose e a senhora a procurar uma sandália, às punhadas ao senhor doutor
- Larga-me
os espelhos quebrados multiplicavam os dois ou três senhores doutores por dez ou vinte ou trinta que repetiam
- Quem é o tipo quero saber quem é o tipo Isabel
o senhor doutor a abaná-la até que um dos reflexos nos viu a mim e ao Joãozinho ao meu colo que não era filho deles, era meu, o único filho que tive, o reflexo a olhar para nós
- Desaparece Titina
a senhora a olhar-nos também como se o filho não fosse filho dela e não era filho dela, era meu, apertado contra mim de nariz no meu pescoço, a senhora ou uma fracção da senhora numa fracção de vidro, só as mãos, as pernas, a testa, um bocadinho de queixo, a olhar-nos um instante puxando um baú de encontro à cama e a enchê-lo de blusas, vestidos, sapatos, xailes, de permanente desalinhada, sem pintura nem bâton nem verniz nas unhas ao contrário de quando me explicava, a telefonar à companhia de táxis e a verificar a costura das meias
- Se perguntarem por mim fui às compras a Palmela
enquanto o marido estava no ministério em Lisboa, a senhora pela vereda de ciprestes abaixo e no fim da vereda, a seguir ao portão, um automóvel à espera nos olmos do largo, regressava a cantarolar, sem compras nenhumas, queria falar-lhe do jantar e ela, à cata dos sais, abrindo a água da banheira em passinhos de dança, a desabotoar o casaco e a girá-lo por cima da cabeça no vértice do dedo
- Faz o que quiseres Titina é-me indiferente falar-lhe do senhor doutor ou das criadas ou do governo da casa e ela a tirar a válvula com o pé e a jogar-me um piparote de espuma
- Agora não Titina tem paciência passa-me a toalha
azulejos embaciados de vapor, prateleiras embaciadas de vapor, a janela tão embaciada de vapor que não se distinguiam o pomar nem as gralhas, apenas manchas verdes para lá dos caixilhos e uma marca no peito que a disfarçava com creme a rir-se
- Um cachorrinho mordeu-me Titina um cachorrinho amoroso felpudo
a princípio as compras em Palmela eram uma ou duas vezes por semana e depois três e depois quatro e depois cinco, ao sábado e ao domingo o telefone tocava e se eu atendia desligavam, se o senhor doutor atendia desligavam, se a senhora atendia ficava que tempos aos cochichos, o senhor doutor perguntava quem era e a senhora, desembaraçadíssima, respondia que era uma condiscípula do colégio com quem eu não conversava há dez anos, imagina como o tempo voa, um dia destes vou visitá-la a Coimbra, podíamos passar umas feriazinhas em Coimbra não podíamos Francisco?, a ganhar confiança, fartinha de saber que o senhor doutor não largava o ministério, de maneira que era raro o fim-de-semana em que uma rapariga que eu não vejo há séculos não se lembrasse, morta de saudades, de telefonar para Palmela, a senhora às gargalhadinhas, aos meneios, aos segredos, a suspirar para o bocal, de olhos fechados
- Eu também
a voltar para a mesa como se flutuasse, a enrolar uma bolinha de pão esquecida de comer, os corvos a troçarem na horta, os gerânios a troçarem nos canteiros, o senhor doutor que gostava que as amigas da senhora gostassem dela, sem desconfiar de nada
- O peixe fica sem graça Isabel
em Agosto a senhora, radiante, tão radiante que até me deu um beijo e com tanta bagagem como se partisse por cem anos, foi um mês de férias a Coimbra sem deixar endereço
- Sei lá onde a Luísa mora eu depois telefono
a senhora a fazer uma festa ao menino
- Só me lembro do apelido de solteira que não serve de nada que interrogatório é esse Francisco?
a senhora que trocava o nome das amigas, lhes trocava as famílias, lhes trocava as histórias, se enganava nas anedotas do colégio, não telefonou, só escreveu uma vez de Espanha a contar que como estava em Coimbra aproveitou para dar um saltinho com a amiga a Madrid, o senhor doutor a sentir a falta dela que se lhe notava na cara, sozinho à mesa, sozinho na sala a estudar os livros dele ou a folhear o jornal, de mãos nos bolsos no corredor a fumar cigarrilhas para a frente e para trás como uma alma penada, a senhora chegou com um ar aborrecido, largou as malas na entrada, afundou-se logo no sofá, franzida de enjoo, sem cumprimentar ninguém
- Estou estafada
os corvos perdidinhos de riso, as rãs perdidinhas de riso, o senhor doutor a sentar-se-lhe ao lado dela e aela a distanciar-se como se a picassem
- Tem paciência Francisco estou estafada
olhando os quadros, os móveis, o piano como se detestasse tudo aquilo, como se tudo aquilo a irritasse, a pegar numa revista de moda, a largar a revista, a pegar num cigarro e a esquecer-se de acendê-lo, a apagar com um sopro o isqueiro que o senhor doutor lhe estendia
- Não me deixas em paz nem um momento Francisco?
atirando com a porta do quarto das visitas, a rodar a chave, a aparecer no dia seguinte, às onze, já estava o marido no ministério, a senhora em roupão, besuntada de pasta para as rugas, meneando a cabeça desgostosa no terraço onde o jardineiro aparava a vinha-virgem e os buxos
- Que feio que isto é meu Deus
eu que podia ajudá-la se tivesse inteligência, estudos, educação, se não tivesse ido servir aos doze anos para Paços de Ferreira, a senhora sem ligar ao menino, sem tocar no chá, a bater com a colher na compoteira, na manteigueira, no bule, a provar uma torrada e a abandoná-la no prato, resmungando em francês, as gralhas mudas a espreitarem-na do parapeito fingindo qeu catavam as penas, eu com vontade de as correr à vassourada que corrê-las à vassourada, graças a Deus ainda sei fazer e tenho corpo para isso, e de súbito o telefone a chamar e a senhora num pulo, soltando a colher, transfigurada
- Eu atendo Titina
o tractor mais perto, o moinho a girar com tanta velocidade que não se distinguiam as pás, só uma cintilação de metal enloquecida pelo vento, a senhora em lugar de suspiros para as condiscípulas do colégio
- Eu também
de sobrancelhas franzidas, estendendo um funil com a boca para que eu não escutasse
- Não aguento mais amor juro que não aguento mais tem de ser amanhã e a vida pareceu-lhe de novo alegre, bebeu o chá frio, comeu as torradas geladas, vestiu-se, arranjou-se, pintou-se, passou horas a envernizar as unhas, mandou vir um táxi e foi às compras a Palmela, eu nervosíssima a ralhar com as criadas, a pôr defeitos em tudo, a descompor a cozinheira, a descompor a modista, a discutir com o jardineiro por causa de um narciso murcho, o relógio a devorar horas num granizo de badaladas infinitas, o Joãozinho a choramingar de fome ou de sono atrás de mim
- Agora não menino
as faias escureceram, a vereda de ciprestes escureceu, os corvos sumiram-se nos eucaliptos do pântano, as luzes de Setúbal, as luzes da serra, uma espécie de halo do mar que se não via, um automóvel no pátio, um som de passos nos degraus, o senhor doutor intrigado, a pousar a pasta na mesa da entrada, a abrir a porta do quarto das visitas, a porta do quarto, a porta da sala, a pegar no menino ao colo que não era dele, era meu, era por mim que ele chamava se caía ou tinha medo do escuro, o senhor doutor alargando o nó da gravata
- A senhora Titina?
o senhor doutor na capela, na estufa, no roseiral, na horta, a dar a volta à casa e eu escutando-lhe as solas no cimento, no tijolo, no cascalho, na terra, o senhor doutor esgaseado e eu sem poder ajudá-lo porque não tinha inteligência, não tinha estudos, fui servir para Paços de Ferreira aos doze anos
- A senhora Titina?
a pegar no telefone, a hesitar, a prendê-lo no gancho, eu com vergonha mas não sei de queê, só sei que não me apetecia assistir àquilo, e nisto uma claridade de faróis pelos ciprestes acima, as árvores iluminadas uma a uma, um barulho de motor a crescer, os tacões da senhora nos degraus, o senhor doutor qeu dava pena vê-lo
- O que aconteceu Isabel?
que dava tanta pena vê-lo que se eu fosse a senhora não me ia embora por dó, a senhora sem reparar nele nem o ouvir
- O jantar está pronto Titina?
a sentar-se à mesa, a tirar o guardanapo da argola, a servir-se da água como se nada fosse, a sala de jantar pareceu-me de repente tristíssima, uma sala de jantar de pobres apesar do luxo dos móveis, o senhor doutor a levantar o jarro que tremia
- O que aconteceu Isabel?
a senhora a fitá-lo e a desinteressar-se dele
- A sopa Titina o Joãozinho a choramingar a pedir colo, a pedir rebuçados, a pedir chichi sem que ninguém lhe ligasse, sem que nem eu lhe ligasse
- Titina
as criadas saltitando de curiosidade na cozinha, empurrando-se umas às outras na excitação das desgraças
- Ele vai bater-lhe não vai dona Titina ele vai bater-lhe quanto queres apostar que vai bater-lhe
as criadas tão contentes como as graalhas acotovelando-se de êxtase
- Ele vai bater-lhe não via dona Titina ele vai bater-lhe quanto queres apostar que vai bater-lhe
principiou a chover porque se escutavam as janelas, o telhado, as laranjeiras e os anjos de pedra a chamarem por mim com voz de gente
- Titina
havia adeuses de asas e de ramos nos caixilhos, a senhora trancou-se sem uma palavra no quarto dos hóspedes com o primeiro relâmpago, tão próximo de nós que apagou as lâmpadas da casa e os compartimentos se transformaram num labirinto de trevas cheio de volumes de armários e de espelhos ocos, vazios nas molduras de talha de onde todos os rostos se retiraram, um segundo relâmpago, um terceiro, os uivos dos cães, os ganidos de dor dos castanheiros, e no espaço instantâneo de uma descarga de trevas o senhor doutor na porta do quarto de hóspedes como um crucificado de igreja
- Isabel
o menino a choramingar no escuro a pedir colo, rebuçados, chichi, e Deus me perdõe mas quem me apetecia nesse momento pegar ao colo não era o Joãozinho, era o pai, pegar-lhe ao colo, afastar-me do quarto de hóspedes com ele apertado no peito, de nariz no meu pescoço, despi-lo, deitá-lo na cama, tapá-lo com a coberta, e ficar de mão dada, a balouçar devagarinho o corpo até o senhor doutor adormecer.
Antunes, António Lobo, O Manual dos Inquisidores,
Círculo de Leitores, Lisboa 1996, pp. 115-123
Dei por as coisas acontecerem quando o Joãozinho começou a chorar. Eu estava no jardim preocupada com a febre das roseiras, a construir uma tenda que as protegesse do vento e do início não julguei que fosse a criança a chamar-me mas uma pomba viúva num cedro ou um ganso perdido no novelo dos buxos até que me puxaram a saia, eu sem me voltar
- Quieto Adamastor
o vento tombou de súbito, as pás do moinho calaram-se, os gerânios e as estrelícias deixaram de murmurar nos canteiros, escutava-se a bica da água na piscina e um risinho de corvo sobre as faias, o lobo da Alsácia, a gemer, arrepanhava-me a saia, eu enxotando o animal com o pé
- Quieto Adamastor
e uma vozinha sufocada de lágrimas lá em baixo, pendurando-se-me na roupa
- Não é o Adamastor Titina sou eu
de modo que lhe peguei ao colo, procurei um joelho esfolado que era o que sucedia a cada passo, tropeçar nos cubos dos guarda-sóis, bater numa estátua, magoar-se na pedra dos canteiros, separei-lhe a franja com medo de ver sangue
- O menino caiu?
e nem feridas, nem sangue, nem arranhões, nem um nódoa de lama sequer, só um dedo apontado, o nariz no meu pescoço, um estremeção de lágrimas
- A mãe o pai a mãe o pai
e portanto dei por as coisas acontecerem quando o Joãozinho começou a chorar. Hoje pergunto-me se não devia ter feito alguma coisa na época em que principiaram as questões entre o senhor doutor e a senhora dado que quer um quer outro me escutavam, a senhora por exemplo era rara a manhã em que não me pedia opinião sobre isto ou sobre aquilo, as criadas, as despesas, a casa
- O que achas Titina?
e o próprio senhor doutor, tão diferente do homem em que se tornou depois, me convocava ao escritório e me mandava sentar como se fosse igual a ele para falar do estábulo ou da horta ou das alterações no pomar
- Dá aqui uma ajuda Titina
o Joãozinho sem feridas, sem sangue, sem arranhões, sem uma nódoa de lama, só um dedo apontado, o nariz no meu pescoço, um estremeção de lágrimas
- A mãe o pai a mãe o pai
e caminhei para casa esquecida da febre das roseiras, com a minha sombra e a sombra da criança confundidas como se o menino fosse meu, como ainda hoje, que ele cresceu, teve filhos, o senhor doutor me expulsou da quinta, os do tribunal expulsaram o menino e deixei de o ver, continuo a pensar que era meu, que é meu, foi comigo que ele começou a andar e a falar, era comigo que adormecia, era por mim que a meio da noite chamava, apavorado com o escuro
- Estão ali os lobos Titina
eu a embalá-lo, a acariciar-lhe as mãos, a afagar- lhe a cara até os lobos se irem embora e os gatunos se sumirem, até julgar que ele dormia, lhe soltar devagarinho os dedos, me levantar, me aproximar da porta e a voz do Joãozinho
- Titina
o menino que me pertencia por preferir estar comigo a estar com o senhor doutor e a senhora, me acompanhava, pegado a mim, à cozinha, à sala de costura, ao correio, à confeitaria e ao mercado a Palmela, me fazia desenhos no livro das contas, me fazia barcos de papel com as facturas, a quem dava banho e levava ao médico, para quem descascava a fruta, a cortava aos bocadinhos e esmagava as aspirinas numa colher de açúcar, que limpava, que vestia, o Joãozinho que não pertencia aos pais, me pertencia, o filho que apesar de não ter tido era meu, agarrado a mim com toda a força que podia
- O que aconteceu Joãozinho?
a porta do quarto aberta e o senhor doutor e a senhora a discutirem, a senhora a tirar roupa das gavetas e a amontoá- la na cama, a tirar as escovas da cómoda, a arrancar vestidos dos cabides, a pisar blusas, a pisar êcharpes, a pisar aquelas calças lindas de cetim que usava quando tinha visitas e arrastava agora atrás de si presas a um salto, não uma senhora mas duas ou três senhoras reflectidas em ângulos diferentes nos espelhos, e o senhor doutor também dois ou três senhores doutores gesticulando uns com os outros como ese estivessem zangados consigo mesmos, não com a senhora, a impedirem-lhe a passagem e a senhora, que não a conhecia assim, ameaçando-os com os secador do cabelo
- Larga-me
a lutar com aqueles senhores doutores todos
- Larguem-me
o senhor doutor a agarrar no secador e a desfazê-lo no tampo da cómoda
- Quem é o tipo quero saber quem é o tipo Isabel
uma caixa de pó-de-arroz esmagada, frascos de perfume no chão, o abajur da mesinha de cabeceira em pedaçose e a senhora a procurar uma sandália, às punhadas ao senhor doutor
- Larga-me
os espelhos quebrados multiplicavam os dois ou três senhores doutores por dez ou vinte ou trinta que repetiam
- Quem é o tipo quero saber quem é o tipo Isabel
o senhor doutor a abaná-la até que um dos reflexos nos viu a mim e ao Joãozinho ao meu colo que não era filho deles, era meu, o único filho que tive, o reflexo a olhar para nós
- Desaparece Titina
a senhora a olhar-nos também como se o filho não fosse filho dela e não era filho dela, era meu, apertado contra mim de nariz no meu pescoço, a senhora ou uma fracção da senhora numa fracção de vidro, só as mãos, as pernas, a testa, um bocadinho de queixo, a olhar-nos um instante puxando um baú de encontro à cama e a enchê-lo de blusas, vestidos, sapatos, xailes, de permanente desalinhada, sem pintura nem bâton nem verniz nas unhas ao contrário de quando me explicava, a telefonar à companhia de táxis e a verificar a costura das meias
- Se perguntarem por mim fui às compras a Palmela
enquanto o marido estava no ministério em Lisboa, a senhora pela vereda de ciprestes abaixo e no fim da vereda, a seguir ao portão, um automóvel à espera nos olmos do largo, regressava a cantarolar, sem compras nenhumas, queria falar-lhe do jantar e ela, à cata dos sais, abrindo a água da banheira em passinhos de dança, a desabotoar o casaco e a girá-lo por cima da cabeça no vértice do dedo
- Faz o que quiseres Titina é-me indiferente falar-lhe do senhor doutor ou das criadas ou do governo da casa e ela a tirar a válvula com o pé e a jogar-me um piparote de espuma
- Agora não Titina tem paciência passa-me a toalha
azulejos embaciados de vapor, prateleiras embaciadas de vapor, a janela tão embaciada de vapor que não se distinguiam o pomar nem as gralhas, apenas manchas verdes para lá dos caixilhos e uma marca no peito que a disfarçava com creme a rir-se
- Um cachorrinho mordeu-me Titina um cachorrinho amoroso felpudo
a princípio as compras em Palmela eram uma ou duas vezes por semana e depois três e depois quatro e depois cinco, ao sábado e ao domingo o telefone tocava e se eu atendia desligavam, se o senhor doutor atendia desligavam, se a senhora atendia ficava que tempos aos cochichos, o senhor doutor perguntava quem era e a senhora, desembaraçadíssima, respondia que era uma condiscípula do colégio com quem eu não conversava há dez anos, imagina como o tempo voa, um dia destes vou visitá-la a Coimbra, podíamos passar umas feriazinhas em Coimbra não podíamos Francisco?, a ganhar confiança, fartinha de saber que o senhor doutor não largava o ministério, de maneira que era raro o fim-de-semana em que uma rapariga que eu não vejo há séculos não se lembrasse, morta de saudades, de telefonar para Palmela, a senhora às gargalhadinhas, aos meneios, aos segredos, a suspirar para o bocal, de olhos fechados
- Eu também
a voltar para a mesa como se flutuasse, a enrolar uma bolinha de pão esquecida de comer, os corvos a troçarem na horta, os gerânios a troçarem nos canteiros, o senhor doutor que gostava que as amigas da senhora gostassem dela, sem desconfiar de nada
- O peixe fica sem graça Isabel
em Agosto a senhora, radiante, tão radiante que até me deu um beijo e com tanta bagagem como se partisse por cem anos, foi um mês de férias a Coimbra sem deixar endereço
- Sei lá onde a Luísa mora eu depois telefono
a senhora a fazer uma festa ao menino
- Só me lembro do apelido de solteira que não serve de nada que interrogatório é esse Francisco?
a senhora que trocava o nome das amigas, lhes trocava as famílias, lhes trocava as histórias, se enganava nas anedotas do colégio, não telefonou, só escreveu uma vez de Espanha a contar que como estava em Coimbra aproveitou para dar um saltinho com a amiga a Madrid, o senhor doutor a sentir a falta dela que se lhe notava na cara, sozinho à mesa, sozinho na sala a estudar os livros dele ou a folhear o jornal, de mãos nos bolsos no corredor a fumar cigarrilhas para a frente e para trás como uma alma penada, a senhora chegou com um ar aborrecido, largou as malas na entrada, afundou-se logo no sofá, franzida de enjoo, sem cumprimentar ninguém
- Estou estafada
os corvos perdidinhos de riso, as rãs perdidinhas de riso, o senhor doutor a sentar-se-lhe ao lado dela e aela a distanciar-se como se a picassem
- Tem paciência Francisco estou estafada
olhando os quadros, os móveis, o piano como se detestasse tudo aquilo, como se tudo aquilo a irritasse, a pegar numa revista de moda, a largar a revista, a pegar num cigarro e a esquecer-se de acendê-lo, a apagar com um sopro o isqueiro que o senhor doutor lhe estendia
- Não me deixas em paz nem um momento Francisco?
atirando com a porta do quarto das visitas, a rodar a chave, a aparecer no dia seguinte, às onze, já estava o marido no ministério, a senhora em roupão, besuntada de pasta para as rugas, meneando a cabeça desgostosa no terraço onde o jardineiro aparava a vinha-virgem e os buxos
- Que feio que isto é meu Deus
eu que podia ajudá-la se tivesse inteligência, estudos, educação, se não tivesse ido servir aos doze anos para Paços de Ferreira, a senhora sem ligar ao menino, sem tocar no chá, a bater com a colher na compoteira, na manteigueira, no bule, a provar uma torrada e a abandoná-la no prato, resmungando em francês, as gralhas mudas a espreitarem-na do parapeito fingindo qeu catavam as penas, eu com vontade de as correr à vassourada que corrê-las à vassourada, graças a Deus ainda sei fazer e tenho corpo para isso, e de súbito o telefone a chamar e a senhora num pulo, soltando a colher, transfigurada
- Eu atendo Titina
o tractor mais perto, o moinho a girar com tanta velocidade que não se distinguiam as pás, só uma cintilação de metal enloquecida pelo vento, a senhora em lugar de suspiros para as condiscípulas do colégio
- Eu também
de sobrancelhas franzidas, estendendo um funil com a boca para que eu não escutasse
- Não aguento mais amor juro que não aguento mais tem de ser amanhã e a vida pareceu-lhe de novo alegre, bebeu o chá frio, comeu as torradas geladas, vestiu-se, arranjou-se, pintou-se, passou horas a envernizar as unhas, mandou vir um táxi e foi às compras a Palmela, eu nervosíssima a ralhar com as criadas, a pôr defeitos em tudo, a descompor a cozinheira, a descompor a modista, a discutir com o jardineiro por causa de um narciso murcho, o relógio a devorar horas num granizo de badaladas infinitas, o Joãozinho a choramingar de fome ou de sono atrás de mim
- Agora não menino
as faias escureceram, a vereda de ciprestes escureceu, os corvos sumiram-se nos eucaliptos do pântano, as luzes de Setúbal, as luzes da serra, uma espécie de halo do mar que se não via, um automóvel no pátio, um som de passos nos degraus, o senhor doutor intrigado, a pousar a pasta na mesa da entrada, a abrir a porta do quarto das visitas, a porta do quarto, a porta da sala, a pegar no menino ao colo que não era dele, era meu, era por mim que ele chamava se caía ou tinha medo do escuro, o senhor doutor alargando o nó da gravata
- A senhora Titina?
o senhor doutor na capela, na estufa, no roseiral, na horta, a dar a volta à casa e eu escutando-lhe as solas no cimento, no tijolo, no cascalho, na terra, o senhor doutor esgaseado e eu sem poder ajudá-lo porque não tinha inteligência, não tinha estudos, fui servir para Paços de Ferreira aos doze anos
- A senhora Titina?
a pegar no telefone, a hesitar, a prendê-lo no gancho, eu com vergonha mas não sei de queê, só sei que não me apetecia assistir àquilo, e nisto uma claridade de faróis pelos ciprestes acima, as árvores iluminadas uma a uma, um barulho de motor a crescer, os tacões da senhora nos degraus, o senhor doutor qeu dava pena vê-lo
- O que aconteceu Isabel?
que dava tanta pena vê-lo que se eu fosse a senhora não me ia embora por dó, a senhora sem reparar nele nem o ouvir
- O jantar está pronto Titina?
a sentar-se à mesa, a tirar o guardanapo da argola, a servir-se da água como se nada fosse, a sala de jantar pareceu-me de repente tristíssima, uma sala de jantar de pobres apesar do luxo dos móveis, o senhor doutor a levantar o jarro que tremia
- O que aconteceu Isabel?
a senhora a fitá-lo e a desinteressar-se dele
- A sopa Titina o Joãozinho a choramingar a pedir colo, a pedir rebuçados, a pedir chichi sem que ninguém lhe ligasse, sem que nem eu lhe ligasse
- Titina
as criadas saltitando de curiosidade na cozinha, empurrando-se umas às outras na excitação das desgraças
- Ele vai bater-lhe não vai dona Titina ele vai bater-lhe quanto queres apostar que vai bater-lhe
as criadas tão contentes como as graalhas acotovelando-se de êxtase
- Ele vai bater-lhe não via dona Titina ele vai bater-lhe quanto queres apostar que vai bater-lhe
principiou a chover porque se escutavam as janelas, o telhado, as laranjeiras e os anjos de pedra a chamarem por mim com voz de gente
- Titina
havia adeuses de asas e de ramos nos caixilhos, a senhora trancou-se sem uma palavra no quarto dos hóspedes com o primeiro relâmpago, tão próximo de nós que apagou as lâmpadas da casa e os compartimentos se transformaram num labirinto de trevas cheio de volumes de armários e de espelhos ocos, vazios nas molduras de talha de onde todos os rostos se retiraram, um segundo relâmpago, um terceiro, os uivos dos cães, os ganidos de dor dos castanheiros, e no espaço instantâneo de uma descarga de trevas o senhor doutor na porta do quarto de hóspedes como um crucificado de igreja
- Isabel
o menino a choramingar no escuro a pedir colo, rebuçados, chichi, e Deus me perdõe mas quem me apetecia nesse momento pegar ao colo não era o Joãozinho, era o pai, pegar-lhe ao colo, afastar-me do quarto de hóspedes com ele apertado no peito, de nariz no meu pescoço, despi-lo, deitá-lo na cama, tapá-lo com a coberta, e ficar de mão dada, a balouçar devagarinho o corpo até o senhor doutor adormecer.
Antunes, António Lobo, O Manual dos Inquisidores,
Círculo de Leitores, Lisboa 1996, pp. 115-123
O Sousa escreve cada coisa....
Já que agora O Sousita pede a opinião sobre uma partes dum livrito por ele escrito.
Agora peço mesmo os comentários e desapiedados, se tal for o caso.
Como podem ver são excertos aleatórios duma história bastante grande. Faço notar tambem que o portugues não está revisto sendo isto apenas um draft. As virgulas estao fora do sitio, há frases imcompletas e etc.
Digam, por email, não em comentário o que pensam francamente.
Capitulo 34
António Manuel não tinha sido um brilhante estudante de medicina. Muitas borracheiras, um ano gatado. Depois outro. Por fim lá acabou. O pai perguntava-lhe se ia tentar bater o record de João de Deus. Não bateu.
Depois casou e foi para o Monte Estoril. Anos pacatos. Consultório, as filhas a nascerem. Vida pacata. Saídas á noite raras e sempre acompanhado pela mulher.
Uma ida ou outra ao Casino e jantares nos restaurantes de Lisboa. Reuniões em casas de amigos.
Foi na viagem a Paris para um congresso que António Manuel conheceu Hernadez Casa. Catalão emigrado em França, por causa do Franco.
-Mau Maria, isto cheira-me a comunista.
Não o era. Entre Pernods e ostras lá lhe explicou que odiava tanto os comunistas como o Franco. Só queria a independência da Catalunha.
-Quando falamos Catalão na rua a polícia manda-nos hablar Cristiano, coño! Que língua é mais cristã que o Catalão?
E perdia-se num arrazoado de razões históricas, culturais, sociológicas, antropológicas, metafísicas e outras porque os sucessivos Pernods lhe excitavam a imaginação.
- bom profite. Insistia António Manuel e atacava as ostras, as pernas de rã e o vinho de mosele e o beaujolais.
Uma ou outra noite foram às putas. Realmente estar em Paris e não ir ás putas é como ir a Roma e não ver o Papa.
Nessa noite passavam pelo bois de bologne e Hernandez entabulou com um homem vestido de mulher. Havia-os às dezenas. O mais extraordinário é que o homem, se assim António Manuel lhe podia chamar, falava Português com sotaque do Brasil
Em pouco tempo estavam num bar esconço com dois brasileiros vestidos de mulher e muitos cognacs. Hernadez perguntou-lhe se já tinha experimentado um travesti.
- Que estamos en Paris, coño!
E foram para uma pensão próxima.
De facto nunca tinha pensado em tais andanças. É certo que na adolescência tinha havido as trocas de carícias entre adolescentes. Umas masturbações simultâneas, ora agora tocas tu, ora agora toco eu, mas só isso.
Uma vez até tinha comido o cu ao Albertinho. Mas esse era paneleiro. Toda a gente sabia. Um rapaz débil e de óculos grossos que suspirava por ele no colégio. Numa das sessões de masturbação conjunta o Albertinho, com olhos lânguidos e trejeitos de mulher, pedira-lhe. Anuiu. Era a primeira vez para os dois. Depois o Albertinho pedira-o que o beijasse. Isso nunca. Era homem e ponto final. Ir ao cu não é ser paneleiro. Agora levar…ou beijar um homem…ná! Perversões!
O travesti tinha mamas. Foi a primeira coisa que o admirou. Já tinha ouvido falar de implantes mamários mas nunca tinha visto nenhum. Sim que em Marrocos havia um hospital especializado em mudanças de sexo.
- Teria o brasileiro pénis? Isso agora parecia não lhe importar muito. Despira-se e o travesti também mas apenas da cinta para cima.
Começou a chupá-lo.
- Me dá tua pica, me dá teu leite…
E António Manuel era preso duma excitação estranha, diferente. Os congnancs facilitavam a coisa e demoraria a vir-se.
Aí o travesti perguntou se podia despir-se.
E apareceu um pénis enorme e erecto.
António Manuel olhou-o fixamente e, sem pensar, aproximou-se e meteu-o na boca.
- Chupa putinha. Chupa o cacete de Cármen. Vai….
E António Manuel chupou e penetrou o travesti.
Aí o travesti parou. E pediu:
- Vai, vira. Dá tua bunda para mim.
António Manuel deu e teve o melhor orgasmo da sua vida quando o travesti se vinha no seu cu e ele se masturbava.
No segundo seguinte ao orgasmo teve um momento de horror.
Tinha feito um broche e levado no cu. E o que é pior gostado!
Algum cognacs depois já tudo lhe parecia natural. Afinal estamos em Paris, não é?
Hernandez levou-o várias vezes ao bois e a várias casas de putas.
Uma noite uma putain perguntou-lhe.
- un três jeune garçon, ça te plais?
Um rapazinho? Como Sócrates? Era o que lhe faltava agora ser pederasta. Isso nunca.
O miúdo entrou no quarto e tinha ar de Marroquino ou Argelino. Falava com o sotaque colonial.
Despiu-se e António Manuel ficou a olhar para aquele corpo quase sem pelos. Ainda não era completamente homem mas também não era uma mulher.
E tinha uma erecção enorme e desejou-o. O corpo jovem. O pequeno pénis, erecto, a pele o cabelo.
Beijou-o na boca, lambeu-lhe o ânus, chupou-o e foi chupado. O jovem efebo veio-se na boca dele e ele engoliu. E penetro-o e foi penetrado.
Não sentiu o horror depois do orgasmo. O cheiro a esperma jovem na boca levou-o de volta ao colégio. Era aquele o cheiro, misturado com giz, e com aparas de lápis. Cheiro de escola de rapazes mais ou menos da idade daquele.
Antes de voltar ao Estoril ainda teve tempo de mais alguns prazeres proibidos na cidade luz. Umas meninas muito jovenzinhas. Extraordinário como tão novas já podem ser penetradas. Um africano adulto que lhe batia e lhe chamava putain portugaise, uma loura delgada que o fez beber a urina.
Enfim coisas que se fazem em Paris e não em Portugal. Ora um homem pode tirar uns dias diferentes e depois voltar ao aconchego do lar e do consultório, aos jantares no casino e aos domingos em casa dos sogros.
Naquele dia as consultas pareciam nunca mais acabar. Entre duas laringites, uma velha condessa hipocondríaca e umas crianças horríveis que não paravam de gritar quando ele lhes tocava. Tinham medo de injecções e os idiotas dos pais quando eles faziam asneiras ameaçavam-nos com as picas. – Portas-te mal e o snr. Dr dá-te uma pica. Depois claro ele é que pagava as favas.
Eram sete horas e o último dos doentes fora-se. Telefonou para casa e disse que não ia jantar – um domicilio longe – coisa complicada.
Saiu no Jaguar em direcção a Lisboa. Ia divertir-se. Bolas. Aquilo não era Paris mas sempre havia algo que fazer. E um homem não pode estar sempre a trabalhar, não é?
Conduziu o Jaguar pela marginal em direcção a Lisboa. Ao fundo viam-se as obras da ponte sobre o Tejo. Obra magistral. A maior ponte da Europa e uma das maiores do mundo.
Deram-lhe uns arroubos de patriotismo. Tanta coisa que dizem do governo mas se não fosse Salazar isto já tinha ido tudo para o maneta. Franco e Salazar tinham livrado a península da guerra e evitaram o triunfo dos comunistas. Sim que se Espanha tem caído aquilo Portugal ia a seguir. E íamos ter a União das repúblicas socialistas Ibéricas.
Havia de ser bonito. Deu-lhe uma súbita vontade de ver os Jerónimos de perto. Parou o carro e dirigiu-se para os Jerónimos a pé. Para tal atravessou o jardim com o mesmo nome e lembrou-se que a designação popular do jardim era o jardim dos paneleiros. Se alguém o visse àquela hora o que ia pensar dele? Nada. Que ele não era desses. Aquilo de Paris foi um acidente. Um epifenómeno.
O rapazito não devia ter mais de onze anos. Sorriu-lhe e António Manuel imediatamente reconheceu o ar disponível que tinham os putos de Paris. E o que é facto é que estava com uma erecção. Enorme e dolorosa que lhe marcava o vinco da calça. O miúdo percebeu-o. Dirigiu-se a ele e pediu-lhe vinte escudos.
- E onde?
- Se tiver carro pode ser no carro ou numa pensão que eu conheço. Não há problema.
Ele tinha de ter aquele corpo imberbe. De o beijar e penetrar. Será que o miúdo já se vem? Duvido. Possuir um miúdo no carro excitava-o e assustava-o.
- Não há problema na pensão?
- Esteja à vontadinha engenheiro, que eu conheço-os.
Subiram as escadas da pensão. Casa decrépita, ao cimo das escadas um homem de idade indefinida, sebento, com o cabelo cheio de brilhantina e a barba por fazer.
- São vinte escudos.
Tirou a nota deu-lha. Nem bilhete de identidade nem nada. O homem não olhou para ele.
Entrou no quarto despiu-se. O rapazito apenas tirou as calças e começou a masturbar o pénis ainda sem pelos.
-não te despes todo?
Ele despiu-se e António Manuel sentiu outra vez o frémito, o desejo mais forte que tudo de beijar aquele miúdo de unhas compridas e sujas e cabelo sebento que não se queria deixar beijar mas que no fim correspondeu.
Quando saiu aturdido da residencial, antes do miúdo, para não serem vistos juntos temeu ser reconhecido e, quase a correr, dirigiu-se ao Jaguar.
Quase sem tino, não sabia se era o homem mais feliz ou o mais infeliz de todos, conduziu em direcção ao Estoril.
Parou perto do casino, entrou e ganhou na roleta. Vinte contos!
Rosnava-se que o dr António Manuel bebia. Principalmente entre as clientes. Dizia-se que tinha garrafas escondidas no consultório e que entre consultas bebia o seu copo. De bebidas brancas, porque vinho não era de certeza. O hálito não enganava nem o aspecto. Amarelento, trémulo e barrigudo. Às vezes parecia ausente e, o que é pior, enganava-se.
Como a celebérrima receita de permanganato de potássio para bochechar!
Um escândalo abafado pela farmácia do Cordeiro.
A coisa fora assim: nas suas saídas para o jardim dos Jerónimos, primeiro espassadas de meses, depois de semanas, por fim quase a diário apanhara uma blenorragia. Corrimento purulento do pénis, dor ao urinar, zás. Era garantido. Bem se arrependera de não se lavar com permanganato, receita secular e garantida contra gonorreias e outras galiqueiras. Estava a pensar nisso quando a doente, uma senhora muito bem, de Cascais lhe pediu a receita.
Meu dito meu feito. Escreve preto no branco, ou antes a azul da caneta Parker, na receita permanganato de potássio bochechar duas vezes ao dia. Não engolir.
O caixeiro da farmácia Cordeiro telefonou-lhe. Entre o riso mal abafado lá lhe disse que não percebia a letra mas que parecia permanganato de potássio.
Um golo de whisky e lá estava no carro para ir buscar a receita. Esquecera-se de levar receitas e mal teve a maldita na mão rasgara-a em mil pedaços.
A caminho de casa teve a sensação que o número 17 ia sair infalivelmente e foi para o casino.
Era tarde quando saiu. Apetecia-lhe caminhar e decidiu deixar o carro no casino e ir para casa a pé.
- Raios partam a minha sorte. Nada de dezassete. A receita errada. Estás por baixo António Manuel.
Dentro dum carro na parte mais escura viu movimento dentro dum carro. Olhou melhor e viu uma das irmãs Cardona a levantar a cabeça depois de fazer um broche. Masturbação com a boca, como diziam as elegantes senhoras, outrora ricas, quando tinham de trocar sexo por umas notas que alimentassem um pouco mais o vício.
Será que vou descer tão baixo como elas?
Os croupies do casino são extremamente simpáticos quando se tem dinheiro para gastar ou crédito para conseguir empréstimos a taxas usurárias, quando se acaba a liquidez e se pode recorrer-se ao segundo. Quando isto acaba os sorrisos esmorecem. Deixa-se de se ser o Sr. Dr. ou Eng. para nos começarem a tratar por Sr., depois por tu e por fim por meu grande filho da puta e outros mimos quejandos.
É rápida a ascensão e queda. Muito mais rápida do que parece. O casino do Estoril, fosse esse o tema da história, dava dez romances aí uns trezentos contos, algumas séries de televisão e um filme. Infelizmente não é. Fiquemos apenas por esta pindérica história.
Avancemos que o Dr. António Manuel até nem é tão importante assim para a história.
O resto pode bem o leitor inteligente adivinhar: dividas que se avolumam, o consultório às moscas e as filhas casadoiras.
Uma casou com o filho dum empreiteiro de Tomar. Os designados patos bravos. Gente de outro nível mas com muito dinheiro.
Maria dos Remédios com o, na altura alferes, Boa Morte.
Não foram casamentos de paixão. Foram casamentos. Certinhos, nada de gravidezes premeditadas, flor de laranjeira. É certo que o filho do pato bravo, que se adiantara aos votos, teve de ser ameaçado com uma falsa gravidez para casar, mas lá casou. As últimas jóias da mãe pagaram a boda da Maria dos Remédios. Arrumadas as filhas rumou a mãe para o Brasil vendendo várias vezes uma herdade no Alentejo. A casa do monte Estoril não foi à praça porque o tal pato bravo decidiu arrematá-la antes e fazer dela moradia permanente.
No entretanto e antes dos casamentos teve o nosso Dr. António Manuel enfarte fulminante quando vinha, a pé, do casino, ofegante e cheio de dívidas. Subira a rua Melo e Sousa, o que até nem encurtava caminho e parecia perdido. Vagara ao acaso e fora dar a uma rua sem saída. Foi por aí que sentiu as dores no peito, as tonturas.
- Queres ver que estou a fazer um enfarte?
E estava e dele morreu. Um vizinho que o viu morto comentou.
- Lá se foi o Dr. dos meninos.
Capitulo 75
Chamar-se Joaquim Boa Morte, ter sotaque diferente, oito anos, ter vindo transferido de Lourenço Marques a meio do ano lectivo não é propriamente o melhor curriculum para ser bem integrado socialmente na escola primária da Sé, à rua do Sol, entre filhos de classe média portuense – uma minoria – e rapazes de classe baixa duma das zonas mais pobres da cidade – a imensa maioria. No entanto o Joaquim tinha-se entrosado bastante bem com os colegas e já convidara alguns para ir a sua casa. E tinham ido e tinham-no convidado também.
Joaquim vivia com a mãe na rua das Fontaínhas numa casa de três andares e águas furtadas com duas criadas trazidas recentemente da província, de terras com nomes esquisitos como Guilhufe ou Vila Meã, uma criada trazida na bagagem de Lourenço Marques a Sofia, que já estava com eles antes do seu nascimento, dois gatos pequenos e, last but not least, a sua mãe D. Maria dos Remédios, Boa Morte por casamento.
A D. Maria dos Remédios tinha casado há dez anos com o então Alferes Joaquim Boa Morte, em Lisboa, partira com ele para Lourenço Marques onde fixaram residência. Dois anos depois nascera Joaquim. O já então Capitão Boa Morte deslocava-se frequentemente a outras províncias ultramarinas e ao continente. Isto não significava que se dessem mal. O seu trabalho a isso o obrigava e D. Maria dos Remédios entendia perfeitamente. Filha de pai médico habituara-se desde pequena a jantar com a mãe e os irmãos porque o pai estava a tratar dos doí-doí dos doentinhos, como dizia o seu irmão Filipe.
Fora apressada a vinda dela com o filho e a Sofia para o continente. Joaquim avisara-a que tinha de partir rapidamente e que brevemente se lhe juntaria. Habituada aos costumes militares do marido nem lhe ocorreu perguntar porque não a avisara antes pelo correio ou por telefone. De qualquer modo o Capitão Joaquim tratara de tudo e ela pouco mais teve de fazer que as suas malas e dar algumas ordens, um pouco desordenadas, aos eficientes impedidos e militares que empacotavam a mobília com ordem e muito cuidado. Nada se partira na viagem.
À chegada ao Porto outros militares montaram a mobília, pintaram a casa e colocaram papel nas paredes. O fogão Leão, a GazCidla já trabalhava na cozinha e tudo estava no seu lugar 24 horas depois da chegada. D. Maria dos Remédios perguntara aos homens como era possível a mobília ter chegado ao mesmo tempo que eles: o barco não demora não sei quanto tempo? A isso eles não sabiam responder. Pouco importava. Se a mobília viera de barco, avião ou mesmo às costas de pretos era-lhe indiferente. Estava lá e o que é mais: inteira e sem faltas ou avarias.
Estava habituada a não fazer perguntas e a obedecer. Desde pequena. Desde muito pequena em São Pedro do Estoril, na casa grande onde nascera, juntamente com os irmãos. O pai, médico de profissão, costumava chegar tarde a casa. A ver os doentinhos.
Lérias, rosnava a Vicenta, criada mais velha que o tempo e que sempre vivera com elas.
- Jogo e mulheres menina, e vinho! Mas cala-te boca que as paredes têm ouvidos.
A mãe impunha um respeito reverencial à Vicenta e a outro pessoal doméstico que vinha e ia.
- Putas é do que ele gosta menina. E de jogar. Não sei como a mamã o aguenta. Mas cala-te boca!
E Maria dos remédios calava e não fazia perguntas. Muito menos à mamã.
Um dia o pai fora trazido a casa por dois polícias. Um acidente de carro, felizmente sem gravidade, mas o carro totalmente destruído. Tremeu. O Jaguar destruído a caminho de Sintra, ou de Lisboa?
- Foram os credores menina. Qual acidente? Não viu que tinha um olho negro? Aquilo foi é pancada. E da grossa.
A mãe nunca disse nada. Só uma vez deixou escapar:
- Antes fossem putas.
Mais nada.
Agora peço mesmo os comentários e desapiedados, se tal for o caso.
Como podem ver são excertos aleatórios duma história bastante grande. Faço notar tambem que o portugues não está revisto sendo isto apenas um draft. As virgulas estao fora do sitio, há frases imcompletas e etc.
Digam, por email, não em comentário o que pensam francamente.
Capitulo 34
António Manuel não tinha sido um brilhante estudante de medicina. Muitas borracheiras, um ano gatado. Depois outro. Por fim lá acabou. O pai perguntava-lhe se ia tentar bater o record de João de Deus. Não bateu.
Depois casou e foi para o Monte Estoril. Anos pacatos. Consultório, as filhas a nascerem. Vida pacata. Saídas á noite raras e sempre acompanhado pela mulher.
Uma ida ou outra ao Casino e jantares nos restaurantes de Lisboa. Reuniões em casas de amigos.
Foi na viagem a Paris para um congresso que António Manuel conheceu Hernadez Casa. Catalão emigrado em França, por causa do Franco.
-Mau Maria, isto cheira-me a comunista.
Não o era. Entre Pernods e ostras lá lhe explicou que odiava tanto os comunistas como o Franco. Só queria a independência da Catalunha.
-Quando falamos Catalão na rua a polícia manda-nos hablar Cristiano, coño! Que língua é mais cristã que o Catalão?
E perdia-se num arrazoado de razões históricas, culturais, sociológicas, antropológicas, metafísicas e outras porque os sucessivos Pernods lhe excitavam a imaginação.
- bom profite. Insistia António Manuel e atacava as ostras, as pernas de rã e o vinho de mosele e o beaujolais.
Uma ou outra noite foram às putas. Realmente estar em Paris e não ir ás putas é como ir a Roma e não ver o Papa.
Nessa noite passavam pelo bois de bologne e Hernandez entabulou com um homem vestido de mulher. Havia-os às dezenas. O mais extraordinário é que o homem, se assim António Manuel lhe podia chamar, falava Português com sotaque do Brasil
Em pouco tempo estavam num bar esconço com dois brasileiros vestidos de mulher e muitos cognacs. Hernadez perguntou-lhe se já tinha experimentado um travesti.
- Que estamos en Paris, coño!
E foram para uma pensão próxima.
De facto nunca tinha pensado em tais andanças. É certo que na adolescência tinha havido as trocas de carícias entre adolescentes. Umas masturbações simultâneas, ora agora tocas tu, ora agora toco eu, mas só isso.
Uma vez até tinha comido o cu ao Albertinho. Mas esse era paneleiro. Toda a gente sabia. Um rapaz débil e de óculos grossos que suspirava por ele no colégio. Numa das sessões de masturbação conjunta o Albertinho, com olhos lânguidos e trejeitos de mulher, pedira-lhe. Anuiu. Era a primeira vez para os dois. Depois o Albertinho pedira-o que o beijasse. Isso nunca. Era homem e ponto final. Ir ao cu não é ser paneleiro. Agora levar…ou beijar um homem…ná! Perversões!
O travesti tinha mamas. Foi a primeira coisa que o admirou. Já tinha ouvido falar de implantes mamários mas nunca tinha visto nenhum. Sim que em Marrocos havia um hospital especializado em mudanças de sexo.
- Teria o brasileiro pénis? Isso agora parecia não lhe importar muito. Despira-se e o travesti também mas apenas da cinta para cima.
Começou a chupá-lo.
- Me dá tua pica, me dá teu leite…
E António Manuel era preso duma excitação estranha, diferente. Os congnancs facilitavam a coisa e demoraria a vir-se.
Aí o travesti perguntou se podia despir-se.
E apareceu um pénis enorme e erecto.
António Manuel olhou-o fixamente e, sem pensar, aproximou-se e meteu-o na boca.
- Chupa putinha. Chupa o cacete de Cármen. Vai….
E António Manuel chupou e penetrou o travesti.
Aí o travesti parou. E pediu:
- Vai, vira. Dá tua bunda para mim.
António Manuel deu e teve o melhor orgasmo da sua vida quando o travesti se vinha no seu cu e ele se masturbava.
No segundo seguinte ao orgasmo teve um momento de horror.
Tinha feito um broche e levado no cu. E o que é pior gostado!
Algum cognacs depois já tudo lhe parecia natural. Afinal estamos em Paris, não é?
Hernandez levou-o várias vezes ao bois e a várias casas de putas.
Uma noite uma putain perguntou-lhe.
- un três jeune garçon, ça te plais?
Um rapazinho? Como Sócrates? Era o que lhe faltava agora ser pederasta. Isso nunca.
O miúdo entrou no quarto e tinha ar de Marroquino ou Argelino. Falava com o sotaque colonial.
Despiu-se e António Manuel ficou a olhar para aquele corpo quase sem pelos. Ainda não era completamente homem mas também não era uma mulher.
E tinha uma erecção enorme e desejou-o. O corpo jovem. O pequeno pénis, erecto, a pele o cabelo.
Beijou-o na boca, lambeu-lhe o ânus, chupou-o e foi chupado. O jovem efebo veio-se na boca dele e ele engoliu. E penetro-o e foi penetrado.
Não sentiu o horror depois do orgasmo. O cheiro a esperma jovem na boca levou-o de volta ao colégio. Era aquele o cheiro, misturado com giz, e com aparas de lápis. Cheiro de escola de rapazes mais ou menos da idade daquele.
Antes de voltar ao Estoril ainda teve tempo de mais alguns prazeres proibidos na cidade luz. Umas meninas muito jovenzinhas. Extraordinário como tão novas já podem ser penetradas. Um africano adulto que lhe batia e lhe chamava putain portugaise, uma loura delgada que o fez beber a urina.
Enfim coisas que se fazem em Paris e não em Portugal. Ora um homem pode tirar uns dias diferentes e depois voltar ao aconchego do lar e do consultório, aos jantares no casino e aos domingos em casa dos sogros.
Naquele dia as consultas pareciam nunca mais acabar. Entre duas laringites, uma velha condessa hipocondríaca e umas crianças horríveis que não paravam de gritar quando ele lhes tocava. Tinham medo de injecções e os idiotas dos pais quando eles faziam asneiras ameaçavam-nos com as picas. – Portas-te mal e o snr. Dr dá-te uma pica. Depois claro ele é que pagava as favas.
Eram sete horas e o último dos doentes fora-se. Telefonou para casa e disse que não ia jantar – um domicilio longe – coisa complicada.
Saiu no Jaguar em direcção a Lisboa. Ia divertir-se. Bolas. Aquilo não era Paris mas sempre havia algo que fazer. E um homem não pode estar sempre a trabalhar, não é?
Conduziu o Jaguar pela marginal em direcção a Lisboa. Ao fundo viam-se as obras da ponte sobre o Tejo. Obra magistral. A maior ponte da Europa e uma das maiores do mundo.
Deram-lhe uns arroubos de patriotismo. Tanta coisa que dizem do governo mas se não fosse Salazar isto já tinha ido tudo para o maneta. Franco e Salazar tinham livrado a península da guerra e evitaram o triunfo dos comunistas. Sim que se Espanha tem caído aquilo Portugal ia a seguir. E íamos ter a União das repúblicas socialistas Ibéricas.
Havia de ser bonito. Deu-lhe uma súbita vontade de ver os Jerónimos de perto. Parou o carro e dirigiu-se para os Jerónimos a pé. Para tal atravessou o jardim com o mesmo nome e lembrou-se que a designação popular do jardim era o jardim dos paneleiros. Se alguém o visse àquela hora o que ia pensar dele? Nada. Que ele não era desses. Aquilo de Paris foi um acidente. Um epifenómeno.
O rapazito não devia ter mais de onze anos. Sorriu-lhe e António Manuel imediatamente reconheceu o ar disponível que tinham os putos de Paris. E o que é facto é que estava com uma erecção. Enorme e dolorosa que lhe marcava o vinco da calça. O miúdo percebeu-o. Dirigiu-se a ele e pediu-lhe vinte escudos.
- E onde?
- Se tiver carro pode ser no carro ou numa pensão que eu conheço. Não há problema.
Ele tinha de ter aquele corpo imberbe. De o beijar e penetrar. Será que o miúdo já se vem? Duvido. Possuir um miúdo no carro excitava-o e assustava-o.
- Não há problema na pensão?
- Esteja à vontadinha engenheiro, que eu conheço-os.
Subiram as escadas da pensão. Casa decrépita, ao cimo das escadas um homem de idade indefinida, sebento, com o cabelo cheio de brilhantina e a barba por fazer.
- São vinte escudos.
Tirou a nota deu-lha. Nem bilhete de identidade nem nada. O homem não olhou para ele.
Entrou no quarto despiu-se. O rapazito apenas tirou as calças e começou a masturbar o pénis ainda sem pelos.
-não te despes todo?
Ele despiu-se e António Manuel sentiu outra vez o frémito, o desejo mais forte que tudo de beijar aquele miúdo de unhas compridas e sujas e cabelo sebento que não se queria deixar beijar mas que no fim correspondeu.
Quando saiu aturdido da residencial, antes do miúdo, para não serem vistos juntos temeu ser reconhecido e, quase a correr, dirigiu-se ao Jaguar.
Quase sem tino, não sabia se era o homem mais feliz ou o mais infeliz de todos, conduziu em direcção ao Estoril.
Parou perto do casino, entrou e ganhou na roleta. Vinte contos!
Rosnava-se que o dr António Manuel bebia. Principalmente entre as clientes. Dizia-se que tinha garrafas escondidas no consultório e que entre consultas bebia o seu copo. De bebidas brancas, porque vinho não era de certeza. O hálito não enganava nem o aspecto. Amarelento, trémulo e barrigudo. Às vezes parecia ausente e, o que é pior, enganava-se.
Como a celebérrima receita de permanganato de potássio para bochechar!
Um escândalo abafado pela farmácia do Cordeiro.
A coisa fora assim: nas suas saídas para o jardim dos Jerónimos, primeiro espassadas de meses, depois de semanas, por fim quase a diário apanhara uma blenorragia. Corrimento purulento do pénis, dor ao urinar, zás. Era garantido. Bem se arrependera de não se lavar com permanganato, receita secular e garantida contra gonorreias e outras galiqueiras. Estava a pensar nisso quando a doente, uma senhora muito bem, de Cascais lhe pediu a receita.
Meu dito meu feito. Escreve preto no branco, ou antes a azul da caneta Parker, na receita permanganato de potássio bochechar duas vezes ao dia. Não engolir.
O caixeiro da farmácia Cordeiro telefonou-lhe. Entre o riso mal abafado lá lhe disse que não percebia a letra mas que parecia permanganato de potássio.
Um golo de whisky e lá estava no carro para ir buscar a receita. Esquecera-se de levar receitas e mal teve a maldita na mão rasgara-a em mil pedaços.
A caminho de casa teve a sensação que o número 17 ia sair infalivelmente e foi para o casino.
Era tarde quando saiu. Apetecia-lhe caminhar e decidiu deixar o carro no casino e ir para casa a pé.
- Raios partam a minha sorte. Nada de dezassete. A receita errada. Estás por baixo António Manuel.
Dentro dum carro na parte mais escura viu movimento dentro dum carro. Olhou melhor e viu uma das irmãs Cardona a levantar a cabeça depois de fazer um broche. Masturbação com a boca, como diziam as elegantes senhoras, outrora ricas, quando tinham de trocar sexo por umas notas que alimentassem um pouco mais o vício.
Será que vou descer tão baixo como elas?
Os croupies do casino são extremamente simpáticos quando se tem dinheiro para gastar ou crédito para conseguir empréstimos a taxas usurárias, quando se acaba a liquidez e se pode recorrer-se ao segundo. Quando isto acaba os sorrisos esmorecem. Deixa-se de se ser o Sr. Dr. ou Eng. para nos começarem a tratar por Sr., depois por tu e por fim por meu grande filho da puta e outros mimos quejandos.
É rápida a ascensão e queda. Muito mais rápida do que parece. O casino do Estoril, fosse esse o tema da história, dava dez romances aí uns trezentos contos, algumas séries de televisão e um filme. Infelizmente não é. Fiquemos apenas por esta pindérica história.
Avancemos que o Dr. António Manuel até nem é tão importante assim para a história.
O resto pode bem o leitor inteligente adivinhar: dividas que se avolumam, o consultório às moscas e as filhas casadoiras.
Uma casou com o filho dum empreiteiro de Tomar. Os designados patos bravos. Gente de outro nível mas com muito dinheiro.
Maria dos Remédios com o, na altura alferes, Boa Morte.
Não foram casamentos de paixão. Foram casamentos. Certinhos, nada de gravidezes premeditadas, flor de laranjeira. É certo que o filho do pato bravo, que se adiantara aos votos, teve de ser ameaçado com uma falsa gravidez para casar, mas lá casou. As últimas jóias da mãe pagaram a boda da Maria dos Remédios. Arrumadas as filhas rumou a mãe para o Brasil vendendo várias vezes uma herdade no Alentejo. A casa do monte Estoril não foi à praça porque o tal pato bravo decidiu arrematá-la antes e fazer dela moradia permanente.
No entretanto e antes dos casamentos teve o nosso Dr. António Manuel enfarte fulminante quando vinha, a pé, do casino, ofegante e cheio de dívidas. Subira a rua Melo e Sousa, o que até nem encurtava caminho e parecia perdido. Vagara ao acaso e fora dar a uma rua sem saída. Foi por aí que sentiu as dores no peito, as tonturas.
- Queres ver que estou a fazer um enfarte?
E estava e dele morreu. Um vizinho que o viu morto comentou.
- Lá se foi o Dr. dos meninos.
Capitulo 75
Chamar-se Joaquim Boa Morte, ter sotaque diferente, oito anos, ter vindo transferido de Lourenço Marques a meio do ano lectivo não é propriamente o melhor curriculum para ser bem integrado socialmente na escola primária da Sé, à rua do Sol, entre filhos de classe média portuense – uma minoria – e rapazes de classe baixa duma das zonas mais pobres da cidade – a imensa maioria. No entanto o Joaquim tinha-se entrosado bastante bem com os colegas e já convidara alguns para ir a sua casa. E tinham ido e tinham-no convidado também.
Joaquim vivia com a mãe na rua das Fontaínhas numa casa de três andares e águas furtadas com duas criadas trazidas recentemente da província, de terras com nomes esquisitos como Guilhufe ou Vila Meã, uma criada trazida na bagagem de Lourenço Marques a Sofia, que já estava com eles antes do seu nascimento, dois gatos pequenos e, last but not least, a sua mãe D. Maria dos Remédios, Boa Morte por casamento.
A D. Maria dos Remédios tinha casado há dez anos com o então Alferes Joaquim Boa Morte, em Lisboa, partira com ele para Lourenço Marques onde fixaram residência. Dois anos depois nascera Joaquim. O já então Capitão Boa Morte deslocava-se frequentemente a outras províncias ultramarinas e ao continente. Isto não significava que se dessem mal. O seu trabalho a isso o obrigava e D. Maria dos Remédios entendia perfeitamente. Filha de pai médico habituara-se desde pequena a jantar com a mãe e os irmãos porque o pai estava a tratar dos doí-doí dos doentinhos, como dizia o seu irmão Filipe.
Fora apressada a vinda dela com o filho e a Sofia para o continente. Joaquim avisara-a que tinha de partir rapidamente e que brevemente se lhe juntaria. Habituada aos costumes militares do marido nem lhe ocorreu perguntar porque não a avisara antes pelo correio ou por telefone. De qualquer modo o Capitão Joaquim tratara de tudo e ela pouco mais teve de fazer que as suas malas e dar algumas ordens, um pouco desordenadas, aos eficientes impedidos e militares que empacotavam a mobília com ordem e muito cuidado. Nada se partira na viagem.
À chegada ao Porto outros militares montaram a mobília, pintaram a casa e colocaram papel nas paredes. O fogão Leão, a GazCidla já trabalhava na cozinha e tudo estava no seu lugar 24 horas depois da chegada. D. Maria dos Remédios perguntara aos homens como era possível a mobília ter chegado ao mesmo tempo que eles: o barco não demora não sei quanto tempo? A isso eles não sabiam responder. Pouco importava. Se a mobília viera de barco, avião ou mesmo às costas de pretos era-lhe indiferente. Estava lá e o que é mais: inteira e sem faltas ou avarias.
Estava habituada a não fazer perguntas e a obedecer. Desde pequena. Desde muito pequena em São Pedro do Estoril, na casa grande onde nascera, juntamente com os irmãos. O pai, médico de profissão, costumava chegar tarde a casa. A ver os doentinhos.
Lérias, rosnava a Vicenta, criada mais velha que o tempo e que sempre vivera com elas.
- Jogo e mulheres menina, e vinho! Mas cala-te boca que as paredes têm ouvidos.
A mãe impunha um respeito reverencial à Vicenta e a outro pessoal doméstico que vinha e ia.
- Putas é do que ele gosta menina. E de jogar. Não sei como a mamã o aguenta. Mas cala-te boca!
E Maria dos remédios calava e não fazia perguntas. Muito menos à mamã.
Um dia o pai fora trazido a casa por dois polícias. Um acidente de carro, felizmente sem gravidade, mas o carro totalmente destruído. Tremeu. O Jaguar destruído a caminho de Sintra, ou de Lisboa?
- Foram os credores menina. Qual acidente? Não viu que tinha um olho negro? Aquilo foi é pancada. E da grossa.
A mãe nunca disse nada. Só uma vez deixou escapar:
- Antes fossem putas.
Mais nada.
sexta-feira, 16 de dezembro de 2005
O Sousa continua mais indignado com qum viu do que com quem fez!
Houve um daqueles casos que abespinha o país, a mim, e aos meus dois leitores:
Uma criança de cinquenta dias foi abusada sexualmente, entre outras coisas, pelo pai e mãe biológicos.
Alem do abuso sexual, houve outro tipo de sevícias à criança. Segundo diz o hospital já perdeu a visão dum olho e tem lesões cerebrais irreversíveis.
Há, dizem na televisão, marcas de pancada, luxações, nódoas negras e até várias fracturas. Parece que o hospital onde a criança foi internada a reteve apenas para não ser sujeita ao que foi antes. Comunicou a quem de direito.
Francamente parece-me que se a criança não sobreviver será uma bênção dos céus para ela própria porque as lesões parecem, ao que as televisões dizem, irreversíveis.
O pai e a mãe, na minha modesta opinião são culpados. Tiveram uma menina – linda como são todos os bebés – e, em vez de a ficarem babados e orgulhosos passaram a abusar da criança.
Deus me livre de estar numa situação em que uma filha, ou filho, meu fosse por mim tratado assim. Francamente, e muito egoisticamente o digo, se assim fosse mais precisaria eu de tratamento do que ele….E mais infeliz seria eu que a criança.
Agora vamos ver os outros:
O pai e a mãe da criança, para mim, estão alem do perdão e da desculpa.
Francamente tenho dificuldade em pronunciar-me sobre um caso assim.
No entanto há outros intervenientes no caso sobre os quais posso pronunciar-me:
Vamos lá a ver:
Eu não sou assistente social nem, de qualquer forma, agente da segurança social, mas se assumisse ser ia receber a responsabilidade que isso implica.
Eu iria pedir para despir a criança numa visita, até porque havia indícios do hospital de abusos. Bolas… o mínimo que faria era ver amenina nua. Aí aparecem as lesões.
Ia procurar indícios e chamar um médico para tirar dúvidas se as tivesse.
Começava a ver o CSI….isto é brincadeira!
Agora a sério. Quem não viu o que não viu…
È ou não mais culpado do quem fez?
Porque quem tem formação e não faz, mesmo por omissão é pior do que quem faz. Eu se calhar até possam perceber uma mãe atrasada mental e um pai delinquente, agora uma assistente social ou uma psicóloga?
Se houvesse um juiz com tomates, ou clítoris, capaz de indiciar quem viu e calou por cumplicidade, a coisa se resolvesse!
Uma criança de cinquenta dias foi abusada sexualmente, entre outras coisas, pelo pai e mãe biológicos.
Alem do abuso sexual, houve outro tipo de sevícias à criança. Segundo diz o hospital já perdeu a visão dum olho e tem lesões cerebrais irreversíveis.
Há, dizem na televisão, marcas de pancada, luxações, nódoas negras e até várias fracturas. Parece que o hospital onde a criança foi internada a reteve apenas para não ser sujeita ao que foi antes. Comunicou a quem de direito.
Francamente parece-me que se a criança não sobreviver será uma bênção dos céus para ela própria porque as lesões parecem, ao que as televisões dizem, irreversíveis.
O pai e a mãe, na minha modesta opinião são culpados. Tiveram uma menina – linda como são todos os bebés – e, em vez de a ficarem babados e orgulhosos passaram a abusar da criança.
Deus me livre de estar numa situação em que uma filha, ou filho, meu fosse por mim tratado assim. Francamente, e muito egoisticamente o digo, se assim fosse mais precisaria eu de tratamento do que ele….E mais infeliz seria eu que a criança.
Agora vamos ver os outros:
O pai e a mãe da criança, para mim, estão alem do perdão e da desculpa.
Francamente tenho dificuldade em pronunciar-me sobre um caso assim.
No entanto há outros intervenientes no caso sobre os quais posso pronunciar-me:
Vamos lá a ver:
Eu não sou assistente social nem, de qualquer forma, agente da segurança social, mas se assumisse ser ia receber a responsabilidade que isso implica.
Eu iria pedir para despir a criança numa visita, até porque havia indícios do hospital de abusos. Bolas… o mínimo que faria era ver amenina nua. Aí aparecem as lesões.
Ia procurar indícios e chamar um médico para tirar dúvidas se as tivesse.
Começava a ver o CSI….isto é brincadeira!
Agora a sério. Quem não viu o que não viu…
È ou não mais culpado do quem fez?
Porque quem tem formação e não faz, mesmo por omissão é pior do que quem faz. Eu se calhar até possam perceber uma mãe atrasada mental e um pai delinquente, agora uma assistente social ou uma psicóloga?
Se houvesse um juiz com tomates, ou clítoris, capaz de indiciar quem viu e calou por cumplicidade, a coisa se resolvesse!
Era uma vez uma cabo verdiana que era stripper num bar qualquer.
O Sousa passava, a passagem do ano, com um amigo qualquer.
A rapariga andava, na rua perdida, sem um amigo qualquer
O Sousa falhou-lhe, mais o amigo, como a um amigo qualquer.
E da conversa surgiu um amor como não o é um amor qualquer
O Sousa amou-a, como se ama uma mulher, e um homem qualquer.
E no fim da noite ….
O Sousa percebeu quão difícil é fechar um poema…
Este não conseguiu.
O Sousa passava, a passagem do ano, com um amigo qualquer.
A rapariga andava, na rua perdida, sem um amigo qualquer
O Sousa falhou-lhe, mais o amigo, como a um amigo qualquer.
E da conversa surgiu um amor como não o é um amor qualquer
O Sousa amou-a, como se ama uma mulher, e um homem qualquer.
E no fim da noite ….
O Sousa percebeu quão difícil é fechar um poema…
Este não conseguiu.
E vi-te! (posso dizer-te quando e onde)
E adorei-te e até, com grande vergonha minha, antes de te beijar, na Brasileira, crescia-me água na boca. Só de ver-te e de adivinhar os teu lábios.
E amei-te, e até conduzia debaixo de nevoeiro, com um gancho teu na boca. Para dar boa sorte. E guardava o teu cheiro na minha roupa e no corpo.
E quando te deixei sofri como um cão.
E agora?
Que é feito de nós?
O Sousa da Ponte.
E adorei-te e até, com grande vergonha minha, antes de te beijar, na Brasileira, crescia-me água na boca. Só de ver-te e de adivinhar os teu lábios.
E amei-te, e até conduzia debaixo de nevoeiro, com um gancho teu na boca. Para dar boa sorte. E guardava o teu cheiro na minha roupa e no corpo.
E quando te deixei sofri como um cão.
E agora?
Que é feito de nós?
O Sousa da Ponte.
Saudade, palavra triste
Quando se perde um grande amor
Amor de meus anos, passados, lembrados e tão relembrados.
Lembranças, passadas, de meus verdes anos e lembranças fumadas.
Passadas no tempo, no teu verde corpo, e no meu desengano.
O jardim, a arvore, o pato, o teu corpo, o meu corpo, a amiga, a lembrança vivida.
Amor dos teus anos, dos anos passados, por ti tão relembrados.
Lembranças, vividas, dos teus verdes anos são lembranças fumadas.
Do tempo passadas, no teu desengano, e no teu, então, verde corpo.
O Sousa da Ponte, para quem, já está perante o Altíssimo!
Quando se perde um grande amor
Amor de meus anos, passados, lembrados e tão relembrados.
Lembranças, passadas, de meus verdes anos e lembranças fumadas.
Passadas no tempo, no teu verde corpo, e no meu desengano.
O jardim, a arvore, o pato, o teu corpo, o meu corpo, a amiga, a lembrança vivida.
Amor dos teus anos, dos anos passados, por ti tão relembrados.
Lembranças, vividas, dos teus verdes anos são lembranças fumadas.
Do tempo passadas, no teu desengano, e no teu, então, verde corpo.
O Sousa da Ponte, para quem, já está perante o Altíssimo!
Amar-te, numa só noite,
Ou em todas as noites
E em todas as noites e,
Por todas as noites.
E de noite, por de noite,
Quando noite.
E amar-te, de noite,
E por noite
E durante só uma noite
Ou em todas as noites
E por todas as noites
E, o que é mais, pernoitar.
E de dia, e à tarde
E de manhã
E à noite, tão noite
E até de manhã.
E por toda a vida, na lida
Ou na vinda e mesmo na ida.
E por todas as noites,
O que é mais pernoitar.
O Sousa da Ponte realmente acha que é mais fácil fechar um poema que um romance.
Ou em todas as noites
E em todas as noites e,
Por todas as noites.
E de noite, por de noite,
Quando noite.
E amar-te, de noite,
E por noite
E durante só uma noite
Ou em todas as noites
E por todas as noites
E, o que é mais, pernoitar.
E de dia, e à tarde
E de manhã
E à noite, tão noite
E até de manhã.
E por toda a vida, na lida
Ou na vinda e mesmo na ida.
E por todas as noites,
O que é mais pernoitar.
O Sousa da Ponte realmente acha que é mais fácil fechar um poema que um romance.
Recado além-túmulo do Pessoa ao Louçã:
- É o fundo traço de histeria que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um histero-neurastênico. Seja como for, a vossa origem mental está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. Se eu fosse mulher - na mulher os fenómenos histéricos rompem em ataques e coisas parecidas - cada poema do Álvaro de Campos (o mais histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem - e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia…
- É o fundo traço de histeria que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um histero-neurastênico. Seja como for, a vossa origem mental está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. Se eu fosse mulher - na mulher os fenómenos histéricos rompem em ataques e coisas parecidas - cada poema do Álvaro de Campos (o mais histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem - e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia…
Recado além-túmulo do Camões ao Jerónimo de Sousa:
"A que novos desastres determinas
de levar estes Reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas,
debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos e de minas
d' ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? Que histórias?
Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?"
"A que novos desastres determinas
de levar estes Reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas,
debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos e de minas
d' ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? Que histórias?
Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?"
Recado além-túmulo do Pessoa ao Manuel Alegre:
"…Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram. (Não sei, bem entendido, se realmente não existiram, ou se sou eu que não existo. Nestas coisas, como em todas, não devemos ser dogmáticos.) Desde que me conheço como sendo aquilo a que chamo eu, me lembro de precisar mentalmente, em figura, movimentos, carácter e história, várias figuras irreais que eram para mim tão visíveis e minhas como as coisas daquilo a que chamamos, porventura abusivamente, a vida-real. Esta tendência, que me vem desde que me lembro de ser um eu, tem me acompanhado sempre, mudando um pouco o tipo de música com que me encanta, mas não alterando nunca a sua maneira de encantar."
"…Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram. (Não sei, bem entendido, se realmente não existiram, ou se sou eu que não existo. Nestas coisas, como em todas, não devemos ser dogmáticos.) Desde que me conheço como sendo aquilo a que chamo eu, me lembro de precisar mentalmente, em figura, movimentos, carácter e história, várias figuras irreais que eram para mim tão visíveis e minhas como as coisas daquilo a que chamamos, porventura abusivamente, a vida-real. Esta tendência, que me vem desde que me lembro de ser um eu, tem me acompanhado sempre, mudando um pouco o tipo de música com que me encanta, mas não alterando nunca a sua maneira de encantar."
Recado além-túmulo do Brel ao Soares.
Les vieux ne parlent plus ou alors seulement parfois du bout des yeux
Même riches ils sont pauvres, ils n'ont plus d'illusions et n'ont qu'un cœur pour deux
Chez eux ça sent le thym, le propre, la lavande et le verbe d'antan
Que l'on vive à Paris on vit tous en province quand on vit trop longtemps
Est-ce d'avoir trop ri que leur voix se lézarde quand ils parlent d'hier
Et d'avoir trop pleuré que des larmes encore leur perlent aux paupières
Et s'ils tremblent un peu est-ce de voir vieillir la pendule d'argent
Qui ronronne au salon, qui dit oui qui dit non, qui dit : je vous attends
Même riches ils sont pauvres, ils n'ont plus d'illusions et n'ont qu'un cœur pour deux
Chez eux ça sent le thym, le propre, la lavande et le verbe d'antan
Que l'on vive à Paris on vit tous en province quand on vit trop longtemps
Est-ce d'avoir trop ri que leur voix se lézarde quand ils parlent d'hier
Et d'avoir trop pleuré que des larmes encore leur perlent aux paupières
Et s'ils tremblent un peu est-ce de voir vieillir la pendule d'argent
Qui ronronne au salon, qui dit oui qui dit non, qui dit : je vous attends
À maneira de Almada
BASTA PUM BASTA!
UMA GERAÇÃO, QUE CONSENTE DEIXAR-SE REPRESENTAR POR UM CAVACO É UMA GERAÇÃO QUE NUNCA O FOI! É UM COIO D'INDIGENTES, D'INDIGNOS E DE CEGOS! É UMA RÊSMA DE CHARLATÃES E DE VENDIDOS, E SÓ PODE PARIR ABAIXO DE ZERO!
ABAIXO A GERAÇÃO!
MORRA O CAVACO, MORRA! PIM!
UMA GERAÇÃO COM UM CAVACO A CAVALO É UM BURRO IMPOTENTE!
UMA GERAÇÃO COM UM CAVACO À PROA É UMA CANÔA UNI SECO!
O CAVACO É UM CIGANO!
O CAVACO É MEIO CIGANO!
O CAVACO SABERÁ GRAMMÁTICA, SABERÁ SYNTAXE, SABERÁ MEDICINA, SABERÁ FAZER CEIAS P'RA CARDEAIS SABERÁ TUDO MENOS ESCREVER QUE É A ÚNICA COISA QUE ELLLE FAZ!
O CAVACO PESCA TANTO DE POESIA QUE ATÉ FAZ SONETOS COM LIGAS DE DUQUEZAS!
O CAVACO É UM HABILIDOSO!
O CAVACO VESTE-SE MAL!
O CAVACO USA CEROULAS DE MALHA!
O CAVACO ESPECÚLA E INÓCULA OS CONCUBINOS!
O CAVACO É CAVACO!
O CAVACO É JÚLIO!
MORRA O CAVACO, MORRA! PIM!
…
E O CAVACO TEVE CLÁQUE! E O CAVACO TEVE PALMAS! E O CAVACO AGRADECEU!
O CAVACO É UM CIGANÃO!
NÃO É PRECISO IR P'RÓ ROCIO P'RA SE SER UM PANTOMINEIRO, BASTA SER-SE PANTOMINEIRO!
NÃO É PRECISO DISFARÇAR-SE P'RA SE SER SALTEADOR, BASTA ESCREVER COMO CAVACO! BASTA NÃO TER ESCRÚPULOS NEM MORAES, NEM ARTÍSTICOS, NEM HUMANOS! BASTA ANDAR CO'AS MODAS, CO'AS POLÍTICAS E CO'AS OPINIÕES! BASTA USAR O TAL SORRISINHO, BASTA SER MUITO DELICADO E USAR CÔCO E OLHOS MEIGOS! BASTA SER JUDAS! BASTA SER CAVACO!
MORRA O CAVACO, MORRA! PIM!
O CAVACO NASCEU PARA PROVAR QUE, NEM TODOS OS QUE ESCREVEM SABEM ESCREVER!
O CAVACO É UM AUTOMATO QUE DEITA PR'A FÓRA O QUE A GENTE JÁ SABE QUE VAE SAHIR... MAS É PRECISO DEITAR DINHEIRO!
O CAVACO É UM SONETO D'ELLE-PRÓPRIO!
O CAVACO EM GÉNIO NUNCA CHEGA A PÓLVORA SECCA E EM TALENTO É PIM-PAM-PUM!
O CAVACO NÚ É HORROROSO!
O CAVACO CHEIRA MAL DA BOCA!
MORRA O CAVACO, MORRA! PIM!
O CAVACO É O ESCARNEO DA CONSCIÊNCIA!
SE O CAVACO É PORTUGUEZ EU QUERO SER HESPANHOL!
O CAVACO É A VERGONHA DA INTELLECTUALIDADE PORTUGUEZA! O CAVACO É A META DA DECADÊNCIA MENTAL!
E AINDA HÁ QUEM NÃO CÓRE QUANDO DIZ ADMIRAR O CAVACO!
E AINDA HÁ QUEM LHE ESTENDA A MÃO!
E QUEM LHE LAVE A ROUPA!
E QUEM TENHA DÓ DO CAVACO!
E AINDA HÁ QUEM DUVIDE DE QUE O CAVACO NÃO VALE NADA, E QUE NÃO SABE NADA, E QUE NEM É INTELLIGENTE NEM DECENTE, NEM ZERO!
UMA GERAÇÃO, QUE CONSENTE DEIXAR-SE REPRESENTAR POR UM CAVACO É UMA GERAÇÃO QUE NUNCA O FOI! É UM COIO D'INDIGENTES, D'INDIGNOS E DE CEGOS! É UMA RÊSMA DE CHARLATÃES E DE VENDIDOS, E SÓ PODE PARIR ABAIXO DE ZERO!
ABAIXO A GERAÇÃO!
MORRA O CAVACO, MORRA! PIM!
UMA GERAÇÃO COM UM CAVACO A CAVALO É UM BURRO IMPOTENTE!
UMA GERAÇÃO COM UM CAVACO À PROA É UMA CANÔA UNI SECO!
O CAVACO É UM CIGANO!
O CAVACO É MEIO CIGANO!
O CAVACO SABERÁ GRAMMÁTICA, SABERÁ SYNTAXE, SABERÁ MEDICINA, SABERÁ FAZER CEIAS P'RA CARDEAIS SABERÁ TUDO MENOS ESCREVER QUE É A ÚNICA COISA QUE ELLLE FAZ!
O CAVACO PESCA TANTO DE POESIA QUE ATÉ FAZ SONETOS COM LIGAS DE DUQUEZAS!
O CAVACO É UM HABILIDOSO!
O CAVACO VESTE-SE MAL!
O CAVACO USA CEROULAS DE MALHA!
O CAVACO ESPECÚLA E INÓCULA OS CONCUBINOS!
O CAVACO É CAVACO!
O CAVACO É JÚLIO!
MORRA O CAVACO, MORRA! PIM!
…
E O CAVACO TEVE CLÁQUE! E O CAVACO TEVE PALMAS! E O CAVACO AGRADECEU!
O CAVACO É UM CIGANÃO!
NÃO É PRECISO IR P'RÓ ROCIO P'RA SE SER UM PANTOMINEIRO, BASTA SER-SE PANTOMINEIRO!
NÃO É PRECISO DISFARÇAR-SE P'RA SE SER SALTEADOR, BASTA ESCREVER COMO CAVACO! BASTA NÃO TER ESCRÚPULOS NEM MORAES, NEM ARTÍSTICOS, NEM HUMANOS! BASTA ANDAR CO'AS MODAS, CO'AS POLÍTICAS E CO'AS OPINIÕES! BASTA USAR O TAL SORRISINHO, BASTA SER MUITO DELICADO E USAR CÔCO E OLHOS MEIGOS! BASTA SER JUDAS! BASTA SER CAVACO!
MORRA O CAVACO, MORRA! PIM!
O CAVACO NASCEU PARA PROVAR QUE, NEM TODOS OS QUE ESCREVEM SABEM ESCREVER!
O CAVACO É UM AUTOMATO QUE DEITA PR'A FÓRA O QUE A GENTE JÁ SABE QUE VAE SAHIR... MAS É PRECISO DEITAR DINHEIRO!
O CAVACO É UM SONETO D'ELLE-PRÓPRIO!
O CAVACO EM GÉNIO NUNCA CHEGA A PÓLVORA SECCA E EM TALENTO É PIM-PAM-PUM!
O CAVACO NÚ É HORROROSO!
O CAVACO CHEIRA MAL DA BOCA!
MORRA O CAVACO, MORRA! PIM!
O CAVACO É O ESCARNEO DA CONSCIÊNCIA!
SE O CAVACO É PORTUGUEZ EU QUERO SER HESPANHOL!
O CAVACO É A VERGONHA DA INTELLECTUALIDADE PORTUGUEZA! O CAVACO É A META DA DECADÊNCIA MENTAL!
E AINDA HÁ QUEM NÃO CÓRE QUANDO DIZ ADMIRAR O CAVACO!
E AINDA HÁ QUEM LHE ESTENDA A MÃO!
E QUEM LHE LAVE A ROUPA!
E QUEM TENHA DÓ DO CAVACO!
E AINDA HÁ QUEM DUVIDE DE QUE O CAVACO NÃO VALE NADA, E QUE NÃO SABE NADA, E QUE NEM É INTELLIGENTE NEM DECENTE, NEM ZERO!
Gripe das aves
A Gripe das Aves
PERIGO DO H5N1
Possibilidade de alterações genéticas no vírus e, consequentemente, uma maior facilidade na transmissão entre humanos.
POSSIBILIDADES DE TRANSMISSÃO
Pode transmitir-se aos humanos através do contacto directo com aves doentes/infectadas ou mortas, e superfícies contaminadas;
Pode difundir-se através de aves migratórias ou domésticas;
Pode propagar-se através do contacto com as fezes e secreções das aves;
A transmissão homem-homem está ainda sob investigação.
RISCOS ASSOCIADOS AOS ALIMENTOS
Geralmente, não se transmite por meio da alimentação, pelo que o consumo da carne de aves não é arriscado;
Contudo, nas zonas onde ocorrem surtos, deve existir especial cuidado no tratamento da carne (de ave) e dos ovos, ainda que o vírus (se estiver instalado na ave) não sobreviva ao processo de cozedura normal, sendo eliminado a temperaturas superiores a 70ºC
http://www.ptacs.pt/page.aspx?idCat=1571
terça-feira, 13 de dezembro de 2005
Tiger Woods drives his new Mercedes into an Irish gas station.An attendant greets him in typical Irish manner, unaware who the golfpro is...
"Top o' the mornin to ya".As Tiger gets out of the car, two tees fall out of his pocket."So what are those things, laddie?" asks the attendant."They're called tees," replies Tiger."And what would ya be usin 'em for, now?" inquires the Irishman."Well, they're for resting my balls on when I drive," replies Tiger."Aw, Jaysus, Mary an' Joseph!" exclaims the Irish attendant, "Thosefellas at Mercedes think of everything."
"Top o' the mornin to ya".As Tiger gets out of the car, two tees fall out of his pocket."So what are those things, laddie?" asks the attendant."They're called tees," replies Tiger."And what would ya be usin 'em for, now?" inquires the Irishman."Well, they're for resting my balls on when I drive," replies Tiger."Aw, Jaysus, Mary an' Joseph!" exclaims the Irish attendant, "Thosefellas at Mercedes think of everything."
Presidenciais
visto. Não tive razão mas poderia ter tido. Nuncam me engano …mas…! O Sousa está na dúvida nas presidenciais
Quem deve ganhar?
O candidato que tem maiores créditos universitários?
O que tem mais cultura geral?
O mais inteligente?
O que mais já fez pelo país?
Ou o que dê uma maior confiança no desempenho das suas funções?
Comecemos pelos créditos universitários. Não! Não é o Cavaco. È o Louçâ. Oh valha-nos Deus. O Louçâ é mais Professor que o Professor. Enfim … é o que temos… Custa-me a crer mas é assim. È bastante injusto.
Quanto a cultura geral não me parece muito difícil. O Cavaco e o Jerónimo não se safam…Nem um nem outro sabem que os Lusíadas têm, alem dos quatro cantos dum livro, alguns outros cantos. Será isto relevante?
Agora a questão é quem é o mais inteligente. Meditemos. Se isto fosse os E.U.A. o presidente mais inteligente era o Nixon. O mais burro era o Reagan. Embora que em termos de resultados…enfim.um sempre foi melhor que o outro…
E quem mais fez pelo país?
Se bem que o Manuel Alegre, o Francisco Louça e o Jerónimo de Sousa tenham feito imenso pelo país, coisa que ninguém nega, parece-me que Mário Soares e Cavaco Silva o fizeram numa dimensão maior.
E quanto resultados?
Se bem que nenhum dos dois, dada a dimensão das pessoas, possa ser medido pelos resultados podemos pensar assim:
O Soares, num tempo em que ninguém pensava na CEE, ou no grande empréstimo deu-lhe para pensar nisso. Ideia louca e sem fundamento. Imaginem Portugal na moeda da Alemanha, na livre circulação de pessoas, ou mesmo num mercado único. Ideias loucas.
Pior ainda na União Europeia… enfim…tolices!
Cavaco era muito mais realista! Pensava num governo, numa maioria e num Presidente.
È certo que não acertou em nenhuma.
Todavia a sua visão visionária ainda hoje nos norteia. Poderia ter sido certa se não fosse errada. Muito errada. E mesmo muito errada. No entanto poderia ter sido certa.
Cavaco, como pessoa prudente, nunca voou muito alto. Mas acertou. Não fomos mas ….Poderíamos ter sido e, aliás…, enfim… (risos forçados)
Keynes…e Boliqueime…e Mariani e poderia ter sido. Enfim! Poderia mesmo.
Não vi mas poderia ter
Quem deve ganhar?
O candidato que tem maiores créditos universitários?
O que tem mais cultura geral?
O mais inteligente?
O que mais já fez pelo país?
Ou o que dê uma maior confiança no desempenho das suas funções?
Comecemos pelos créditos universitários. Não! Não é o Cavaco. È o Louçâ. Oh valha-nos Deus. O Louçâ é mais Professor que o Professor. Enfim … é o que temos… Custa-me a crer mas é assim. È bastante injusto.
Quanto a cultura geral não me parece muito difícil. O Cavaco e o Jerónimo não se safam…Nem um nem outro sabem que os Lusíadas têm, alem dos quatro cantos dum livro, alguns outros cantos. Será isto relevante?
Agora a questão é quem é o mais inteligente. Meditemos. Se isto fosse os E.U.A. o presidente mais inteligente era o Nixon. O mais burro era o Reagan. Embora que em termos de resultados…enfim.um sempre foi melhor que o outro…
E quem mais fez pelo país?
Se bem que o Manuel Alegre, o Francisco Louça e o Jerónimo de Sousa tenham feito imenso pelo país, coisa que ninguém nega, parece-me que Mário Soares e Cavaco Silva o fizeram numa dimensão maior.
E quanto resultados?
Se bem que nenhum dos dois, dada a dimensão das pessoas, possa ser medido pelos resultados podemos pensar assim:
O Soares, num tempo em que ninguém pensava na CEE, ou no grande empréstimo deu-lhe para pensar nisso. Ideia louca e sem fundamento. Imaginem Portugal na moeda da Alemanha, na livre circulação de pessoas, ou mesmo num mercado único. Ideias loucas.
Pior ainda na União Europeia… enfim…tolices!
Cavaco era muito mais realista! Pensava num governo, numa maioria e num Presidente.
È certo que não acertou em nenhuma.
Todavia a sua visão visionária ainda hoje nos norteia. Poderia ter sido certa se não fosse errada. Muito errada. E mesmo muito errada. No entanto poderia ter sido certa.
Cavaco, como pessoa prudente, nunca voou muito alto. Mas acertou. Não fomos mas ….Poderíamos ter sido e, aliás…, enfim… (risos forçados)
Keynes…e Boliqueime…e Mariani e poderia ter sido. Enfim! Poderia mesmo.
Não vi mas poderia ter
sexta-feira, 9 de dezembro de 2005
A casa da Mariquinhas
Creio eu que toda a gente já ouviu a casa da mariquinhas em versão da Amália ou do Alfredo Marceneiro. Agora o que eu não sabia é que havia várias versões da mesma.
Aqui vão copiados da página dedicada a Alfredo Marceneiro em:
http://www.alfredomarceneiro.com/
Com uma grande vénia à bisneta de Alfredo Marceneiro Susana Duarte que mantém a página.
A Casa da Mariquinhas
Letra: Silva Tavares
É numa rua bizarra
A casa da Mariquinhas
Tem na sala uma guitarra
E janelas com tabuinhas
Vive com muitas amigas
Aquela de quem vos falo
E não há maior regalo
Que a vida de raparigas
É doida pelas cantigas
Como no campo a cigarra
Se canta o fado à guitarra
De comovida até chora
A casa alegre onde mora
É numa rua bizarra
Para se tornar notada
Usa coisas esquesitas
Muitas rendas, muitas fitas
Lenços de cor variada.
Pretendida, desejada
Altiva como as rainhas
Ri das muitas, coitadinhas
Que a censuram rudemente
Por verem cheia de gente
A casa da Mariquinhas
É de aparência singela
Mas muito mal mobilada
E no fundo não vale nada
O tudo da casa dela
No vão de cada janela
Sobre coluna, uma jarra
Colchas de chita com barra
Quadros de gosto magano
Em vez de ter um piano
Tem na sala uma guitarra
P'ra guardar o parco espólio
Um cofre forte comprou
E como o gaz acabou
Ilumina-se a petróleo.
Limpa as mobílias com óleo
De amêndoa doce e mesquinhas
Passam defronte as vizinhas
P'ra ver o que lá se passa
Mas ela tem por pirraça
Janelas com tabuinhas
O Leilão da Mariquinhas
Letra: João Linhares Barbosa
Ninguém sabe dizer nada
Da famosa Mariquinhas
A casa foi leiloada
Venderam-lhe as tabuinhas
Ainda fresca e com gagé
Encontrei na Mouraria
A antiga Rosa Maria
E o Chico do Cachené
Fui-lhes falar, já se vê
E perguntei-lhes, de entrada
P’la Mariquinhas coitada?
Respondeu-me o Chico: e vê-la
Tenho querido saber dela
Ninguém sabe dizer nada.
E as outras suas amigas?
A Clotilde, a Júlia, a Alda
A Inês, a Berta e Mafalda?
E as outras mais raparigas?
Aprendiam-lhe as cantigas
As mais ternas, coitadinhas
Formosas como andorinhas
Olhos e peitos em brasa
Que pena tenho da casa
Da formosa mariquinhas
Então o Chico apertado
Com perguntas, explicou-se
A vizinhança zangou-se
Fez um abaixo assinado,
Diziam que havia fado
Ali até madrugada
E a pobre foi intimada,
A sair, foi posta fora
E por more duma penhora
A casa foi leiloada.
O Chico foi ao leilão
Arrematou a guitarra
O espelho a colcha com barra
O cofre forte e o fogão,
Como não houve gambão
Porque eram coisas mesquinhas
Trouxe um par de chinelinhas
O alvará e as bambinelas
E até das próprias janelas
Venderam-lhe as tabuinhas.
Depois do Leilão
Letra: João Linhares Barbosa
A casa da Mariquinhas
Já nada tem que a destaque
As discretas tabuínhas
São dum velho bricabraque
Em prol da urbanização
E d´outras leis citadinas
Inventaram-se as ruínas,
Impôs-se a demolição.
Lá foram no turbilhão
Muitas relíquias velhinhas,
Porém, as fúrias daninhas
Das inovações em suma,
Por "salvação", ficou uma:
"A casa da Mariquinhas"
Mas, outra fisionomia
Lhe deram; não tem guitarras,
Lá dentro não há cigarras
Cantando a sua alegria.
À porta por ironia,
Há um porteiro, um basbaque,
A olhar por um "Cadillac"
da pessoa que lá mora...
Das coisas velhas d´outrora
Já nada tem que a destaque.
No célebre primeiro andar
Que a Mariquinhas deixou
Nem uma placa ficou
Do seu nome a assinalar.
Abertas de par em par
As janelas, são mesquinhas,
Até as próprias vizinhas
Confessam com amargor
Que falavam mais de amor
As discretas tabuínhas.
A Ti´Ana, a capelista,
Triste, queixa-se das vendas,
Já não tem saída as rendas
Nem os xailes à fadista.
O Perdigão penhorista,
Um velho de côco e fraque
Diz que tudo esteve a saque,
Que só ´spartilhos e ligas
Porque eram coisas antigas
São dum velho bricabraque
Já sabem da Mariquinhas
Letra: Carlos Conde
Mais fresca, alegre e bizarra
Encontrei a Mariquinhas
Já resgatou a guitarra
Mas não quer as tabuinhas...
Via-a, no Cais do Sodré
Tinha vindo de Cacilhas.
Ela, a Rosa, e o Maravilhas
E o Chico do Cachené...
Cheia do mesmo gagé
E alegre por vir da farra.
Trajava saia com barra
E blusa com muitos folhos.
Mais fresca alegre e bizarra!
Falei-lhe. Contou-me então
Que tinha andado à lambada
E que fora condenada
A seis meses de prisão...
Mal saiu, foi ao Tacão,
Alugou quarto na Aninhas
E p’ra moer as vizinhas
Foi com o Chico às ginjas
Pois na volta por sinal
Encontrei a Mariquinhas
A Rosa pôs-se ao dispor
P’ra lhe emprestar o dinheiro,
E o Chico foi o primeiro
A ficar por fiador!
O Maravilhas quis pôr
Na questão a sua garra
Com mais obra e menos parra
Pediu ao Chico a cautela,
E a Mariquinhas com ela,
Já resgatou a guitarra.
Pensa-se então para já
Reunir a fadistagem
Numa festa de homenagem
A que ninguém faltará
O Marceneiro vai lá,
Já o disse sem picuínhas,
As rendas, as chinelinhas,
As fitas e o cortinado
Tudo ela quer, de bom grado,
Mas não quer as tabuinhas!...
O Testamento da Mariquinhas
Letra: Dr. Lopes Víctor
A Mariquinhas p´rós céus
Partiu sem as tamanquinhas
Deixou a guitarra a Deus
E à moirama as tabuinhas
Caiu chuva, fortemente,
Num beco da Mouraria
D´onde o Sol, por ironia,
Também quiz estar ausente.
Dos lábios de tanta gente
Crente, e mesmo os ateus,
Encomendaram a Deus
A alma da pecadora
E lá foi, naquela hora,
A Mariquinhas p´rós céus
Fazer milagre, quiz Deus,
Em trazer ao funeral
Um escol fenomenal
D´alguns nobres e plebeus.
O Conde; o Roque; o Mateus;
O Custódia e o Ginguinhas,
Choraram a Mariquinhas
Essa figura lendária,
Que à procura da Cesária
Partiu sem as tamanquinhas
E a Cigarra cantadeira
Não fará mais gorgeios,
Gorgeando os seu anseios
No fado à sua maneira.
Na Rua da Amendoeira
Andam jám os fariseus
A pregar, feitos judeus,
Com fingido sentimento
Que ela, no testamento,
Deixou a guitarra a Deus
No cofre, já tão falado,
Ficaram as rendas finas,
Muitos laços, as cortinas,
E um lençol todo bordado
E tudo foi averbado,
P´ra deixar às mais velhinhas,
No fado velhas rainhas
Que lá viram exarado:
Eu deixo o meu chaile ao fado
E à moirama as tabuinhas.
Aqui vão copiados da página dedicada a Alfredo Marceneiro em:
http://www.alfredomarceneiro.com/
Com uma grande vénia à bisneta de Alfredo Marceneiro Susana Duarte que mantém a página.
A Casa da Mariquinhas
Letra: Silva Tavares
É numa rua bizarra
A casa da Mariquinhas
Tem na sala uma guitarra
E janelas com tabuinhas
Vive com muitas amigas
Aquela de quem vos falo
E não há maior regalo
Que a vida de raparigas
É doida pelas cantigas
Como no campo a cigarra
Se canta o fado à guitarra
De comovida até chora
A casa alegre onde mora
É numa rua bizarra
Para se tornar notada
Usa coisas esquesitas
Muitas rendas, muitas fitas
Lenços de cor variada.
Pretendida, desejada
Altiva como as rainhas
Ri das muitas, coitadinhas
Que a censuram rudemente
Por verem cheia de gente
A casa da Mariquinhas
É de aparência singela
Mas muito mal mobilada
E no fundo não vale nada
O tudo da casa dela
No vão de cada janela
Sobre coluna, uma jarra
Colchas de chita com barra
Quadros de gosto magano
Em vez de ter um piano
Tem na sala uma guitarra
P'ra guardar o parco espólio
Um cofre forte comprou
E como o gaz acabou
Ilumina-se a petróleo.
Limpa as mobílias com óleo
De amêndoa doce e mesquinhas
Passam defronte as vizinhas
P'ra ver o que lá se passa
Mas ela tem por pirraça
Janelas com tabuinhas
O Leilão da Mariquinhas
Letra: João Linhares Barbosa
Ninguém sabe dizer nada
Da famosa Mariquinhas
A casa foi leiloada
Venderam-lhe as tabuinhas
Ainda fresca e com gagé
Encontrei na Mouraria
A antiga Rosa Maria
E o Chico do Cachené
Fui-lhes falar, já se vê
E perguntei-lhes, de entrada
P’la Mariquinhas coitada?
Respondeu-me o Chico: e vê-la
Tenho querido saber dela
Ninguém sabe dizer nada.
E as outras suas amigas?
A Clotilde, a Júlia, a Alda
A Inês, a Berta e Mafalda?
E as outras mais raparigas?
Aprendiam-lhe as cantigas
As mais ternas, coitadinhas
Formosas como andorinhas
Olhos e peitos em brasa
Que pena tenho da casa
Da formosa mariquinhas
Então o Chico apertado
Com perguntas, explicou-se
A vizinhança zangou-se
Fez um abaixo assinado,
Diziam que havia fado
Ali até madrugada
E a pobre foi intimada,
A sair, foi posta fora
E por more duma penhora
A casa foi leiloada.
O Chico foi ao leilão
Arrematou a guitarra
O espelho a colcha com barra
O cofre forte e o fogão,
Como não houve gambão
Porque eram coisas mesquinhas
Trouxe um par de chinelinhas
O alvará e as bambinelas
E até das próprias janelas
Venderam-lhe as tabuinhas.
Depois do Leilão
Letra: João Linhares Barbosa
A casa da Mariquinhas
Já nada tem que a destaque
As discretas tabuínhas
São dum velho bricabraque
Em prol da urbanização
E d´outras leis citadinas
Inventaram-se as ruínas,
Impôs-se a demolição.
Lá foram no turbilhão
Muitas relíquias velhinhas,
Porém, as fúrias daninhas
Das inovações em suma,
Por "salvação", ficou uma:
"A casa da Mariquinhas"
Mas, outra fisionomia
Lhe deram; não tem guitarras,
Lá dentro não há cigarras
Cantando a sua alegria.
À porta por ironia,
Há um porteiro, um basbaque,
A olhar por um "Cadillac"
da pessoa que lá mora...
Das coisas velhas d´outrora
Já nada tem que a destaque.
No célebre primeiro andar
Que a Mariquinhas deixou
Nem uma placa ficou
Do seu nome a assinalar.
Abertas de par em par
As janelas, são mesquinhas,
Até as próprias vizinhas
Confessam com amargor
Que falavam mais de amor
As discretas tabuínhas.
A Ti´Ana, a capelista,
Triste, queixa-se das vendas,
Já não tem saída as rendas
Nem os xailes à fadista.
O Perdigão penhorista,
Um velho de côco e fraque
Diz que tudo esteve a saque,
Que só ´spartilhos e ligas
Porque eram coisas antigas
São dum velho bricabraque
Já sabem da Mariquinhas
Letra: Carlos Conde
Mais fresca, alegre e bizarra
Encontrei a Mariquinhas
Já resgatou a guitarra
Mas não quer as tabuinhas...
Via-a, no Cais do Sodré
Tinha vindo de Cacilhas.
Ela, a Rosa, e o Maravilhas
E o Chico do Cachené...
Cheia do mesmo gagé
E alegre por vir da farra.
Trajava saia com barra
E blusa com muitos folhos.
Mais fresca alegre e bizarra!
Falei-lhe. Contou-me então
Que tinha andado à lambada
E que fora condenada
A seis meses de prisão...
Mal saiu, foi ao Tacão,
Alugou quarto na Aninhas
E p’ra moer as vizinhas
Foi com o Chico às ginjas
Pois na volta por sinal
Encontrei a Mariquinhas
A Rosa pôs-se ao dispor
P’ra lhe emprestar o dinheiro,
E o Chico foi o primeiro
A ficar por fiador!
O Maravilhas quis pôr
Na questão a sua garra
Com mais obra e menos parra
Pediu ao Chico a cautela,
E a Mariquinhas com ela,
Já resgatou a guitarra.
Pensa-se então para já
Reunir a fadistagem
Numa festa de homenagem
A que ninguém faltará
O Marceneiro vai lá,
Já o disse sem picuínhas,
As rendas, as chinelinhas,
As fitas e o cortinado
Tudo ela quer, de bom grado,
Mas não quer as tabuinhas!...
O Testamento da Mariquinhas
Letra: Dr. Lopes Víctor
A Mariquinhas p´rós céus
Partiu sem as tamanquinhas
Deixou a guitarra a Deus
E à moirama as tabuinhas
Caiu chuva, fortemente,
Num beco da Mouraria
D´onde o Sol, por ironia,
Também quiz estar ausente.
Dos lábios de tanta gente
Crente, e mesmo os ateus,
Encomendaram a Deus
A alma da pecadora
E lá foi, naquela hora,
A Mariquinhas p´rós céus
Fazer milagre, quiz Deus,
Em trazer ao funeral
Um escol fenomenal
D´alguns nobres e plebeus.
O Conde; o Roque; o Mateus;
O Custódia e o Ginguinhas,
Choraram a Mariquinhas
Essa figura lendária,
Que à procura da Cesária
Partiu sem as tamanquinhas
E a Cigarra cantadeira
Não fará mais gorgeios,
Gorgeando os seu anseios
No fado à sua maneira.
Na Rua da Amendoeira
Andam jám os fariseus
A pregar, feitos judeus,
Com fingido sentimento
Que ela, no testamento,
Deixou a guitarra a Deus
No cofre, já tão falado,
Ficaram as rendas finas,
Muitos laços, as cortinas,
E um lençol todo bordado
E tudo foi averbado,
P´ra deixar às mais velhinhas,
No fado velhas rainhas
Que lá viram exarado:
Eu deixo o meu chaile ao fado
E à moirama as tabuinhas.
quarta-feira, 7 de dezembro de 2005
Grandes filmes
The continent of Europe is so wide,
Mein Herr.
Not only up and down, but side to side,
Mein Herr.
I couldn't ever cross it if I tried,
Mein Herr.
So I do..
What I can...
Inch by inch...
Step by step...
Mile by mile...
Man by man.
Bye-Bye, Mein Lieber Herr.
Farewell, mein Lieber Herr.
It was a fine affair,
But now it's over.
And though I used to care,
I need the open air.
You're better off without me,
Mein Herr
Cabaret
Mein Herr.
Not only up and down, but side to side,
Mein Herr.
I couldn't ever cross it if I tried,
Mein Herr.
So I do..
What I can...
Inch by inch...
Step by step...
Mile by mile...
Man by man.
Bye-Bye, Mein Lieber Herr.
Farewell, mein Lieber Herr.
It was a fine affair,
But now it's over.
And though I used to care,
I need the open air.
You're better off without me,
Mein Herr
Cabaret
Grandes filmes
Esta é muita foleira…
Mas representa imenso para o Sousita
Porquê?
Rsrsrsrsr…
Segredos!
Tanto tiempo disfrutamos de este amor
Nuestras almas se acercaron tanto así
Que yo guardo tu sabor pero tu llevas también
sabor a mi
Si negas mi presencia en tu vivir,
Bastaría con abrazarte y conversar
Tanta vida yo te di,
Que por fuerza tienes ya sabor a mi.
Pasaran mas de mil anos, muchos mas
yo no se si tenga amor la eternidad
Pero allá tal como aquí en la boca Elevarás sabor a mi.
Mas representa imenso para o Sousita
Porquê?
Rsrsrsrsr…
Segredos!
Tanto tiempo disfrutamos de este amor
Nuestras almas se acercaron tanto así
Que yo guardo tu sabor pero tu llevas también
sabor a mi
Si negas mi presencia en tu vivir,
Bastaría con abrazarte y conversar
Tanta vida yo te di,
Que por fuerza tienes ya sabor a mi.
Pasaran mas de mil anos, muchos mas
yo no se si tenga amor la eternidad
Pero allá tal como aquí en la boca Elevarás sabor a mi.
A letra duma das canções preferidas do Sousa
Lo nuestro se acabó
y te arrepentirás
de haberle puesto fin
a un año de amor.
Si ahora tú te vas
pronto descubrirás
que los días son eternos
y vacíos sin mí.
Y de noche, y de noche
por no sentirte solo,
recordarás nuestros días felices,
recordarás el sabor de mis besos.
Y entenderás en un sólo momento
que significa un año de amor.
Que significa un año de amor.
Te has parado a pensar
lo que sucederá
todo lo que perdemos
y lo que sufrirás.
Si ahora tu te vas
no recuperarás
los momentos felices
que te hice vivir.
Y de noche, y de noche
por no sentirte solo,
recordarás nuestros días felices,
recordarás el sabor de mis besos.
Y entenderás en un sólo momento
que significa un año de amor.
Y entenderás en un sólo momento
que significa un año de amor
LUZ CASAL
UN AÑO DE AMOR
y te arrepentirás
de haberle puesto fin
a un año de amor.
Si ahora tú te vas
pronto descubrirás
que los días son eternos
y vacíos sin mí.
Y de noche, y de noche
por no sentirte solo,
recordarás nuestros días felices,
recordarás el sabor de mis besos.
Y entenderás en un sólo momento
que significa un año de amor.
Que significa un año de amor.
Te has parado a pensar
lo que sucederá
todo lo que perdemos
y lo que sufrirás.
Si ahora tu te vas
no recuperarás
los momentos felices
que te hice vivir.
Y de noche, y de noche
por no sentirte solo,
recordarás nuestros días felices,
recordarás el sabor de mis besos.
Y entenderás en un sólo momento
que significa un año de amor.
Y entenderás en un sólo momento
que significa un año de amor
LUZ CASAL
UN AÑO DE AMOR
…
Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,
Que emprega palavrões como palavras usuais,
Cujos filhos roubam às portas das mercearias
E cujas filhas aos oito anos - e eu acho isto belo e amo-o! -
Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.
A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa
Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão.
Maravilhosamente gente humana que vive como os cães
Que está abaixo de todos os sistemas morais,
Para quem nenhuma religião foi feita,
Nenhuma arte criada,
Nenhuma política destinada para eles!
Como eu vos amo a todos, porque sois assim,
Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus,
Inatingíveis por todos os progressos,
Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!
(Na nora do quintal da minha casa
O burro anda à roda, anda à roda,
E o mistério do mundo é do tamanho disto.
Limpa o suor com o braço, trabalhador descontente.
A luz do sol abafa o silêncio das esferas
E havemos todos de morrer,
Ó pinheirais sombrios ao crepúsculo,
Pinheirais onde a minha infância era outra coisa
Do que eu sou hoje...)
…
Álvaro de Campos, fragmento da ODE TRIUNFAL
Londres, 1914 - Junho.
POEMA PIAL
Casa Branca - Barreiro a Moita
(Silêncio ou estação, à escolha do freguês)
Toda a gente que tem as mãos frias
Deve metê-las dentro das pias.
Pia número UM
Para quem mexe as orelhas em jejum.
Pia número DOIS,
Para quem bebe bifes de bois.
Pia número TRÊS,
Para quem espirra só meia vez.
Pia número QUATRO,
Para quem manda as ventas ao teatro.
Pia número CINCO,
Para quem come a chave do trinco.
Pia número SEIS,
Para quem se penteia com bolos-reis
Pia número SETE,
Para quem canta até que o telhado se derrete.
Pia número OITO,
Para quem parte nozes quando é afoito.
Pia número NOVE,
Para quem se parece com uma couve.
Pia número DEZ,
Para quem cola selos nas unhas dos pés.
E, como as mãos já não estão frias,
Tampa nas pias!
Fernando Pessoa
Casa Branca - Barreiro a Moita
(Silêncio ou estação, à escolha do freguês)
Toda a gente que tem as mãos frias
Deve metê-las dentro das pias.
Pia número UM
Para quem mexe as orelhas em jejum.
Pia número DOIS,
Para quem bebe bifes de bois.
Pia número TRÊS,
Para quem espirra só meia vez.
Pia número QUATRO,
Para quem manda as ventas ao teatro.
Pia número CINCO,
Para quem come a chave do trinco.
Pia número SEIS,
Para quem se penteia com bolos-reis
Pia número SETE,
Para quem canta até que o telhado se derrete.
Pia número OITO,
Para quem parte nozes quando é afoito.
Pia número NOVE,
Para quem se parece com uma couve.
Pia número DEZ,
Para quem cola selos nas unhas dos pés.
E, como as mãos já não estão frias,
Tampa nas pias!
Fernando Pessoa
Escrevi-te uma carta com selo e tudo daquelas escritas em papel e com caneta no tempo em que as cartas eram cartas e íamos aos correios e perguntávamos, quanto custa o selo? e colávamos o selo e punha-se a carta no marco do correio como aquele da música antiga cantada não sei por quem e que a minha mãe cantava no tempo em que a minha mãe cantava. E mandei-te a carta com selo e tudo.Todos os dias faça chuva ou faça sol tenho esperado à janela a chegada do carteiro e perguntado, senhor carteiro traz alguma carta para mim? e o carteiro entrega-me cartas que não são cartas mas contas de luz, água e contos, histórias de outros que não a tua e me dizem como vai a vida, que os filhos cresceram, que tudo mudou, que o tempo passa e das saudades. Mas a tua carta nunca chegou.Escrevi-te a carta com selo e tudo sentada naquele banco de jardim onde nos costumávamos sentar a ler o horóscopo na revista que já não existe assim como a papelaria do senhor João que é hoje uma farmácia e eu encostava a cabeça no teu ombro e riamos e agarravas o meu queixo e davas-me um beijo na boca e uma vez a dona Virgínia viu e foi dizer à minha mãe que a filha fazia figuras indecentes na rua e fiquei uma semana de castigo e não te via e tu mandavas-me às escondidas recados escritos em papéis pequeninos que a Paula me entregava sem a minha mãe ver e os papelinhos eram cartas. Mas a tua carta nunca chegou. Escrevi-te a carta com selo e tudo a 5 de Novembro de 1985 acho que já não vais responder.
A pintura é de Lucian Freud: Girl with Roses (1947-48), oil on canvas, 106x75cm
O texto http://encandescente.home.sapo.pt/contos.htm
sábado, 3 de dezembro de 2005
Passeando noutros blogs
Passei na portaria e a D. Fernanda chamou-me. Com cara de quem promete a revelação de um segredo. Aproximei-me. Em voz baixa, quase sussurrada e inclinando a cabeça na minha direcção, enquanto entreabria a gaveta para me dar o relance visual de uma revista de bolso, ela disse:-Tem mais de sessenta anos e vai agora fazer uma plástica! Como as mulheres, para esticar as peles!......
Para ler o resto:
http://farinhamparo.blogspot.com/2005_01_01_farinhamparo_archive.html
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É por estas e por muitas outras que vale a pena ir espreitar a
http://ruadajudiaria.com/
Há muitos, muitos anos, um homem foi ao campo roubar trigo e levou a filha com ele para que ela o ajudasse na tarefa. “Filha”, disse ele, “fica aqui na estrada de guarda para que ninguém me veja.” Mas assim que o homem começou a ceifar a filha gritou-lhe: “Pai, estão a ver-te.” O homem levantou a cabeça e olhou para a esquerda, mas como não viu ninguém continuou a ceifar. “Pai, estão a ver-te”, gritou a criança uma segunda vez. O homem levantou a cabeça e olhou para a direita, como nada viu continuou a ceifar. Passados mais uns minutos a menina gritou uma terceira vez: “Pai, estão a ver-te”. O homem olhou para a frente, mas não viu ninguém e continuou a ceifar. “Pai, estão a ver-te”, gritou a filha pela quarta vez. O homem olhou para trás e como não viu ninguém ficou irritado com a criança: “Então filha?! Dizes que me vêem mas eu já olhei em todas as direcções e não vejo ninguém.”A filha encolheu os ombros: “Mas pai, estão a ver-te dali”, disse ela apontando para o céu.
Conto tradicional dos judeus da Tunísia, publicado pela primeira vez nos finais do século XIX pelo rabino Abba Shaul Haddad. Este conto é muito semelhante a uma outra história tradicional contada pelos judeus da Índia.
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Há muitos, muitos anos, um homem foi ao campo roubar trigo e levou a filha com ele para que ela o ajudasse na tarefa. “Filha”, disse ele, “fica aqui na estrada de guarda para que ninguém me veja.” Mas assim que o homem começou a ceifar a filha gritou-lhe: “Pai, estão a ver-te.” O homem levantou a cabeça e olhou para a esquerda, mas como não viu ninguém continuou a ceifar. “Pai, estão a ver-te”, gritou a criança uma segunda vez. O homem levantou a cabeça e olhou para a direita, como nada viu continuou a ceifar. Passados mais uns minutos a menina gritou uma terceira vez: “Pai, estão a ver-te”. O homem olhou para a frente, mas não viu ninguém e continuou a ceifar. “Pai, estão a ver-te”, gritou a filha pela quarta vez. O homem olhou para trás e como não viu ninguém ficou irritado com a criança: “Então filha?! Dizes que me vêem mas eu já olhei em todas as direcções e não vejo ninguém.”A filha encolheu os ombros: “Mas pai, estão a ver-te dali”, disse ela apontando para o céu.
Conto tradicional dos judeus da Tunísia, publicado pela primeira vez nos finais do século XIX pelo rabino Abba Shaul Haddad. Este conto é muito semelhante a uma outra história tradicional contada pelos judeus da Índia.
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